Qualquer agressão ambiental é uma agressão contra o ser humano, diz Cristina Serra

em 8 March, 2019


Entrevista Cristina Serra (3)

A jornalista e ambientalista Cristina Serra, ao cobrir para a televisão o rompimento da barragem do Fundão de responsabilidade da Samarco e as consequências do desastre em Mariana (MG) em 2005, ficou tão impressionada com o que viu nos povoados devastados e ao longo do rio Doce, que mudou o rumo de sua carreira. “Nunca tinha visto de perto tamanha escala de destruição como a que foi deixada pela avalanche de lama. É muito brutal, é muito descaso com a vida humana e com a natureza”, afirma. 

A partir dessa experiência, Cristina Serra se dedicou por três anos a escrever o livro “Tragédia em Mariana, a história do maior desastre ambiental do Brasil”, lançado no final de 2018. Para a autora o mais importante deste trabalho é “o direito à memória preservado, o direito das vítimas de terem a sua história contada para que todos que tiverem acesso ao livro saibam o que aconteceu e para que essa história nunca seja esquecida”.

A jornalista, natural de Belém do Pará, cresceu em meio a floresta equatorial, seus rios e igarapés, sua fauna fantástica e conta que por volta dos dez anos leu um livro sobre ecologia, onde aprendeu que “nós, seres humanos, somos apenas um dos elementos de algo muito maior chamado meio ambiente ou natureza”.

Embora seu desejo, após se formar em jornalismo fosse a cobertura da área ambiental, isso não foi possível, mas agora, pode se dedicar ao tema com liberdade. Sendo inclusive, voluntária da Associação Mico Leão Dourado, no Rio de Janeiro, atuando na área de comunicação.

No cotidiano, ela revela ao Observatório Eco sua preocupação com a reciclagem, com o consumo consciente e que só no ano de 2019 já plantou 8 árvores, todas espécies da Mata Atlântica. E por enquanto, pensa, ainda não decidiu, em escrever um livro sobre Brumadinho.

Seu livro sobre a “Tragédia em Mariana”  já foi lançado em 11 capitais, e há a programação de percorrer as capitais restantes. Cada oportunidade de lançamento é acompanhada de palestra e debate sobre a questão da mineração e seus impactos na natureza.

Sobre o atual momento político ambiental brasileiro Cristina Serra destaca que “vivemos uma conjuntura de ataque aos órgãos de proteção ambiental, de desmantelamento das instituições de conservação”. “O desmonte é evidente e muito agressivo. É o método do “correntão”, usado para desmatar florestas, para não sobrar nada mesmo”, completa.

Cristina Serra atuou por 30 anos como jornalista, com passagens pela Revista Veja, Jornal do Brasil e Rede Globo, atualmente se dedica ao canal digital de jornalismo “My News”, do qual é cofundadora com a jornalista Mara Luque, e também escreve reportagens para o portal Metrópoles. Veja a entrevista exclusiva de Cristina Serra, por e-mail, para o Observatório Eco.

Observatório Eco: Qual a sua relação com as causas ambientais?

Cristina Serra: Desde que me entendo por gente me preocupo com o meio ambiente. Quando ainda era criança, devia ter uns 10 anos, caiu na minha mão um livro da biblioteca do meu pai que explicava o que era ecologia. Obviamente, não entendi tudo naquela época. Mas retive o essencial: que nós, seres humanos, somos apenas um dos elementos de algo muito maior chamado meio ambiente ou natureza, como eu prefiro.

Além disso, sou de Belém do Pará e cresci em meio à exuberância da floresta equatorial, seus rios e igarapés, sua fauna fantástica. Como jornalista, tentei direcionar minha carreira para a cobertura das questões ambientais. Mas, por ter morado em Brasília durante muito tempo, acabei direcionada para a cobertura de política.

O grande ponto de virada pra mim foi quando estive em Mariana para cobrir o desastre da barragem e decidi escrever o livro. A partir daí, decidi tomar as rédeas da minha trajetória e me dedicar à pauta de meio ambiente e direitos humanos, que pra mim estão muito interligados.

Além disso, sou voluntária da Associação Mico Leão Dourado, no Rio de Janeiro. Ajudo a AMLD nas suas políticas de comunicação, faço vídeos, escrevo e reviso textos e faço contatos com a imprensa quando eles precisam.

Observatório Eco: De que maneira isso impacta o seu trabalho e suas escolhas pessoais?

Cristina Serra: Hoje em dia, impacta em tudo. Escrevi o livro “Tragédia em Mariana – a história do maior desastre ambiental do Brasil” e isso mudou minha vida. Decidi sair do jornalismo diário para me dedicar a lançar o livro em todo o Brasil. Já lancei em 11 cidades e tenho vários outros lançamentos programados.

Em geral, os lançamentos são acompanhados de palestra e debate sobre a questão da mineração e seus impactos na natureza. E, como já falei, vou me dedicar a pautas especiais. Recentemente, estive em Brumadinho, quando o desastre da barragem da Vale completou um mês, e fiz várias reportagens para o portal Metrópoles.

Na minha vida pessoal, o impacto é sensível em várias escolhas que faço no meu cotidiano mesmo. Por exemplo: comprar produtos produzidos perto da cidade onde eu moro, evitar desperdício de alimentos ao máximo, destinar meu lixo para reciclagem e até café em cápsula eu deixei de tomar para não produzir mais lixo no planeta. São coisas pequenas, mas é o que está ao meu alcance. E, claro, me dedico também a plantar árvores. Só neste ano, já plantei 8, todas espécies da Mata Atlântica, em Casemiro de Abreu, onde tenho uma casa e passo boa parte do meu tempo.

Observatório Eco: Por que escrever o livro-reportagem sobre a “Tragédia de Mariana” se tornou naquele momento, 2005, o seu projeto de trabalho e vida?

Cristina Serra: Porque fiquei muito impressionada com o que vi nos povoados devastados e ao longo do rio Doce. Nunca tinha visto de perto tamanha escala de destruição como a que foi deixada pela avalanche de lama. É muito brutal, é muito descaso com a vida humana e com a natureza.

Na época do desastre, eu ainda era repórter de TV e estive seis vezes na região, me aproximei muito das pessoas atingidas, percorri o rio Doce vendo os estragos, enfim, senti que aquele desastre não poderia ser mais um a entrar nas estatísticas que acabam esquecidas. Além do mais, e isso foi muito importante na decisão de escrever o livro, não foi uma catástrofe natural. O desastre resultou de negligência humana, para dizer o mínimo. Essa história precisava ser contada.

Observatório Eco: Qual o legado mais importante deste livro sobre Mariana? E qual o próximo livro?

Cristina Serra: Acho que o legado é o documento, é o direito à memória preservado, o direito das vítimas de terem a sua história contada para que todos que tiverem acesso ao livro saibam o que aconteceu e para que essa história nunca seja esquecida.

No entanto, vimos que três anos depois do desastre da barragem da Samarco, aconteceu o desastre da barragem da Vale, em Brumadinho. Ambos com características muito parecidas: o mesmo descaso com a vida humana e com a natureza e, o mais terrível, a suspeita de negligência criminosa, como as investigações parecem indicar até o momento. Penso muito em escrever um livro sobre Brumadinho, mas ainda não decidi se farei isso.

Observatório Eco: De que maneira você avalia a dificuldade do país abraçar efetivamente uma política de desenvolvimento sustentável que represente também a preservação do meio ambiente?

Cristina Serra: Acho que a grande dificuldade é de educação e informação. As pessoas, a sociedade de uma maneira geral, não percebem o crime contra o meio ambiente como um crime contra as pessoas; não percebem que qualquer agressão ambiental é uma agressão contra o ser humano. Acho que isso só vai mudar quando a educação incorporar a questão ambiental nos currículos, desde os primeiros anos da formação escolar.

Observatório Eco: Há indícios efetivos no Brasil de que vivemos uma era de retrocesso das conquistas ambientais, nos aspectos legais, como por exemplo, a revisão de procedimentos para licenciamentos ambientais não traz bons ventos. Como você percebe esse período?

Cristina Serra: Infelizmente, vivemos uma conjuntura de ataque aos órgãos de proteção ambiental, de desmantelamento das instituições de conservação. O desmonte é evidente e muito agressivo. É o método do “correntão”, usado para desmatar florestas, para não sobrar nada mesmo. O presidente Bolsonaro foi eleito com essa pauta, não enganou ninguém, portanto, nenhuma das medidas que está tomando me surpreende. Ele disse o que faria e está fazendo. Cabe a nós, defensores do meio ambiente, resistir a esse ataque, denunciando, protestando e pressionando para que o governo recue, pelo menos, em algumas dessas medidas.

Observatório Eco: O ativismo ambiental brasileiro deve se fortalecer de que maneira para enfrentar esse período de retrocesso nas conquistas ambientais?

Cristina Serra: Todos que se preocupam com o meio ambiente no Brasil tem uma tarefa importantíssima, que é proteger quem está na linha de frente de defesa dos ecossistemas e unidades de conservação, como índios, quilombolas e lideranças populares. O Ministério Público tem que estar atento e no front de defesa dessas populações mais vulneráveis. E os ativistas tem que ampliar conexões e parcerias para fazer sua atuação reverberar. É aquela frase que viralizou logo após a eleição: “ninguém solta a mão de ninguém”.




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