Justiça suspende pagamento de royalties à Monsanto em MS
Da Redação em 14 October, 2012
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Os produtores de Mato Grosso do Sul devem aguardar antes de realizar o pagamento do boleto de cobrança dos royalties de outubro referentes à soja Roundup Ready (RR), da Monsanto. A orientação foi divulgada no portal da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul) e da Associação dos Produtores de Soja de MS (Aprosoja/MS) diante da decisão da Justiça de Mato Grosso, que concedeu liminar à Federação de Agricultura e Pecuária do MT (Famato), suspendendo a cobrança de royalties naquele Estado até o julgamento do mérito da ação.
Segundo o presidente da Aprosoja/MS e diretor da Famasul, Almir Dalpasquale, a recomendação é de que o pagamento seja suspenso temporariamente no Estado. “Orientamos aos produtores que não efetuem o pagamento até termos uma definição em relação às discussões/negociações já encaminhadas no sentido de suspender efetivamente a cobrança no Estado”, assinalou o dirigente. Segundo cálculos da Aprosoja/MS, 95% da soja cultivada no Estado possui tecnologia RR.
A liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso suspende a cobrança, por parte da Monsanto, de royalties sobre as sementes com as tecnologias Roundup Ready (RR) e Bollgard I (BT). Os royalties são valores pagos pela utilização de determinados direitos de propriedade. A suspensão atendeu alegação da Famato de que o direito de propriedade intelectual relativo à tecnologia RR venceu em setembro de 2010, o que a torna de domínio público.
Monsanto irá recorrer da decisão
A Monsanto buscará reverter eventual liminar que possa ter sido proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. A empresa deve tomar medidas imediatas para que haja a reconsideração da decisão, de modo que as cobranças pelo uso dessas tecnologias continuem até decisão final do processo.
A soja Roundup Ready e o algodão Bollgard I da Monsanto são protegidos por vários direitos de propriedade intelectual previstos na legislação brasileira. Tribunais estaduais e federais do Brasil têm sustentado esses direitos. Pela lei brasileira, os direitos de propriedade intelectual da Monsanto sobre a soja Roundup Ready são válidos até 2014 e os direitos de propriedade intelectual do algodão Bollgard I terminaram em 2011. Por isso, a Monsanto deixou de cobrar pela tecnologia Bollgard I a partir de 2011.
“Decisões anteriores da Justiça brasileira reconheceram os direitos de propriedade intelectual da Monsanto e estabeleceram a legalidade da cobrança de royalties pelo uso desses produtos”, disse Todd Rands, diretor Jurídico da Monsanto para América Latina. “Estamos confiantes de que esses direitos serão confirmados quando o mérito da ação vier a ser analisado pelo Tribunal.”
Veja a decisão e entenda o caso
Em nota oficial, a Famato (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso) explica que em parceria com 64 Sindicatos Rurais do estado protocolou em meados do mês de setembro uma Ação Coletiva na Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá, solicitando a suspensão do pagamento de valores a título de royalties e de indenização pela utilização das tecnologias Bollgard I (BT) e Roundup Ready (RR), bem como a devolução, em dobro, dos valores cobrados indevidamente. Esta iniciativa tem o apoio da Aprosoja – Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso.
O pleito foi baseado em estudo técnico e jurídico encomendado pela Famato e Aprosoja MT que confirma que o direito de propriedade intelectual relativo às tecnologias Roundup Ready (RR) e Bollgard (BT), de titularidade da empresa Monsanto, venceram em 01 de setembro de 2010, tornando-as de domínio público.
Desta forma, a cobrança de valores por parte da empresa pelo uso desta tecnologia tanto a título de royalties quanto a título de indenização é indevida. O juiz titular da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular de Cuiabá, no entanto, negou a liminar pleiteada.
Nesta segunda-feira (08/10), o juiz convocado da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Dr. Elinaldo Veloso Gomes, relator do Agravo de Instrumento interposto pela Famato e 24 Sindicatos, concedeu liminar favorável suspendendo imediatamente a cobrança de quaisquer valores a título de royalties e/ou indenizações pelas citadas tecnologias da empresa Monsanto. Com isto, a empresa não pode emitir os boletos de cobrança.
Com esta ação, o setor produtivo de Mato Grosso busca garantir o cumprimento de um direito legal de não pagar o que não é devido.
Reconhecemos que os investimentos em pesquisa, especialmente em biotecnologia, são fundamentais para a manutenção da competitividade da agricultura brasileira, em especial para a agricultura mato-grossense. São estes investimentos que viabilizam o aumento da produtividade em uma mesma área, reduzem os custos de produção, garantem maior sustentabilidade do sistema produtivo. Diante disto, as entidades ligadas à atividade defendem a manutenção dos investimentos em pesquisa.
E exatamente por reconhecer e valorizar estes esforços das empresas públicas e privadas de pesquisa é que esclarecemos que somos favoráveis ao pagamento dos direitos de propriedade intelectual (royalties). Defendemos a cobrança justa e o que estiver amparado na legislação brasileira de patentes.
Manteremos sempre a via negocial aberta, porém pautada nos princípios básicos da legalidade, do equilíbrio e da justiça. Mantemos um amplo relacionamento com todas as empresas ligadas ao setor produtivo e manteremos aberto o canal de comunicação.
Decisão
Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso – FAMATO e outros 24 (vinte e quatro) Sindicatos Rurais que também integram o elenco das entidades recorrentes, interpuseram o presente recurso de Agravo de Instrumento visando à reforma de decisão interlocutória proferida pelo Juízo da Vara Especializada em Ação Civil Pública de Cuiabá, nos autos da Ação Civil Pública (Feito nº 82/2012), proposta pelos agravantes contra Monsanto do Brasil Ltda. e Monsanto Technology LLC, via da qual indeferiu o magistrado singular a antecipação da tutela vindicada pelos autores da ação com vista a impedir as Agravadas, ali requeridas, de continuar cobrando valores a título de royalties e de indenização pela exploração das tecnologias Bollgard I (BT) e Roundup Ready (RR) desenvolvidas por estas últimas relativamente às sementes de soja e algodão adquiridas pelos produtores rurais do Estado de Mato Grosso, filiados aos recorrentes.
Pleiteiam ainda os Agravantes, como medida subsidiária voltada a assegurar qualquer risco do periculum in mora inverso, que lhes seja permitido proceder ao depósito judicial, vinculado a cada produtor individualmente, das quantias cobradas pelas agravadas, pertinentes à exploração das referidas tecnologias, procedimento que deverá ser também adotado em relação às empresas atuantes no Estado de Mato Grosso que adquirem soja e algodão, no tocante aos valores por estas retidos dos produtores a título de royalties/indenização em favor das agravadas.
Explicam os recorrentes que, apesar de a Monsanto invocar o direito de uso exclusivo das referidas tecnologias (Bollgard I-BT e Round Ready-RR), como justificativa para a cobrança de royalties e de indenizações, arbitrados a seu talante e sem qualquer controle econômico, tais direitos já se encontram expirados, tendo a última patente vencido em agosto/2010, sendo tais cobranças, por conseguinte, flagrantemente ilegais. Dessa sorte, em que pese as Agravadas não terem mais os títulos que legitimem as referidas cobranças, ainda assim continuam exigindo o pagamento de royalties e de pretensas indenizações, causando aos produtores rurais do Estado enormes prejuízos de difícil ou remota possibilidade de reparação.
Pedem, por tais motivos, que lhes seja deferida a liminar recursal, dando-lhe efeito ativo para ordenar a imediata cessação das cobranças mencionadas por parte das Agravadas, permitindo a eles recorrentes, alternativamente, o depósito em juízo das quantias cobradas indevidamente, tanto pelas agravadas como pelas suas conveniadas que adquirem o produto das lavouras neste Estado.
D e c i d o .
Recebo o presente Agravo, já que presentes os pressupostos de admissibilidade, inclusive no que toca à tempestividade, condições de recorribilidade e sua forma por instrumento.
Como visto, o recurso tem por objetivo combater decisão interlocutória, de caráter provisório, proferida em Ação Civil Pública intentada pelos Agravantes objetivando à declaração de ilegalidade das cobranças levadas a efeito pelas Agravadas e suas conveniadas no território nacional, a título de royalties e indenizações na condição de titulares das patentes relativas às tecnologias Bollgard I (BT) e Round Ready (RR), aplicadas na produção de sementes de soja e algodão utilizadas pelos produtores rurais deste Estado.
Em perfunctória análise da interlocutória combatida e dos fundamentos expendidos pelos recorrentes, os quais reputo relevantes e verossímeis, concluo fazerem eles jus, ao menos parcialmente, à suspensividade recursal requerida, inclusive com o efeito ativo postulado.
A matéria, pela sua relevância e pelos próprios efeitos que irradia na vida e interesse da sociedade matogrossense, senão também na própria economia do Estado, está a merecer reflexão mais aprofundada do julgador, mesmo nesta fase do alvorecer da demanda. Afinal, tem-se, no caso, verdadeira sangria de capitais, à custa do trabalho do nosso produtor rural, fundada em direitos de patente que, à evidência, já perderam sua valia no território nacional, como restou suficientemente demonstrado pela vasta documentação que instrui o presente agravo, não havendo como coonestar tal situação em nome de uma ordem econômica visivelmente espoliativa e à margem da lei.
Como informam os autos, a última patente da Agravada que justificaria as cobranças combatidas venceu em agosto/2010, caindo a tecnologia protegida, daí por
diante, no chamado “domínio público”, consoante impõe o art.78, parág.único, da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), que assim dispõe:
“Art.78 – A patente extingue-se:
I– pela expiração do prazo de vigência;
Parág.Único – extinta a patente, o seu
objeto cai em domínio público.”
Dessa forma, forçoso concluir que vencido o prazo de vigência da patente, desaparece todo e qualquer direito de exclusividade, podendo o seu objeto ser utilizado
livremente por qualquer interessado, independentemente de autorização ou de retribuição em favor do antigo titular do direito até então protegido.
Há inclusive notícia nos autos, devidamente confirmada, de que as agravadas ajuizaram várias ações no território nacional visando à prorrogação dos seus direitos de exclusividade sobre as tecnologias mencionadas, não tendo logrado êxito em qualquer delas, tanto a nível de primeiro como de segundo grau de jurisdição, embora ainda pendam de recurso no E. Superior Tribunal de Justiça.
Entretanto, só esse fato já é indício veemente a indicar que, ao menos no presente momento, o pretenso direito em que se fundam as cobranças de royalties e indenizações não se apóiam em justo motivo, tampouco na lei que regula a matéria.
Cumpre anotar ainda que o invocado fato de encontrarem-se tais patentes com pedidos de prorrogação no país de origem (Estados Unidos da América), ao que noticiam também os autos, não importa em sua prorrogação automática no Brasil, já que a nossa lei de propriedade industrial não prevê tal prorrogação. Esse, aliás, tem sido o entendimento adotado pela jurisprudência, inclusive do STJ:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PATENTE CORRESPONDENTE NO EXTERIOR. CONCESSÃO SOB O REGIME NORTE-AMERICANO DE CONTINUAÇÕES (CONTINUATION, DIVISIONAL OU CONTINUATION-IN-PART). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS PATENTES. SOBERANIA NACIONAL. RECURSO DESPROVIDO”.
“(Omissis)
7. O sistema patentário de continuações, previsto na legislação dos Estados Unidos da América, sob as modalidades continuation, divisional ou continuation-in-part, mas sem equivalência no Direito Brasileiro, existe para atender às peculiaridades daquele país, altamente desenvolvido e gerador de tecnologia, não se refletindo na interpretação dada por esta Corte Superior ao art.230, parág.4º, da Lei nº 9.279/96, já que prevalece, no âmbito da propriedade industrial, o princípio da territorialidade, a resguardar a soberania nacional, a qual ficaria comprometida com os alvedrios de legislações alienígenas.” (STJ – AgRg no REsp 1.131.808/RJ –
3ª Turma – Rel.Min.Vasco Della Giustina – DJE 10/05/2011)
Ao depois, a intenção da lei brasileira da propriedade industrial, é propiciar ao inventor, num certo lapso de tempo, recuperar o investimento bem como obter o merecido lucro pelo invento, objetivo esse notoriamente já alcançado pela titular da patente ao longo do tempo em que explorou sua exclusividade tecnológica no território nacional. Vencido, porém, o prazo de validade de seu registro, a invenção há de reverter necessariamente e de forma irreversível em proveito da sociedade.
Nesse diapasão, tenho que a antecipação da tutela recursal comporta, ao menos parcialmente, o acolhimento perseguido, já que presentes, às escâncaras, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Não vejo, porém, como conceder a tutela de urgência na extensão pretendida pelos agravantes, particularmente no que se refere à proposta de efetuar depósitos judiciais, individualmente, em nome de cada produtor filiado aos autores da ação, ante sua absoluta impossibilidade de operacionalização, já que se trata de ação coletiva, envolvendo uma gama imensurável de interessados, o que resulta impraticável o controle de depósitos individuais dentro de um mesmo processo.
Posto isso, DEFIRO a antecipação da tutela vindicada pelos agravantes e, de conseqüência, suspendo os efeitos da decisão recorrida e, emprestando efeito ativo ao presente “decisum”, determino que as agravadas suspendam imediatamente a cobrança de qualquer quantia dos produtores rurais filiados às entidades recorrentes, diretamente ou por intermédio das suas empresas conveniadas, a título de royalties e/ou indenizações, por conta das tecnologias Bollgard I (BT) e Round Ready (RR), até o julgamento do mérito do presente recurso.
Dê-se ciência desta decisão ao digno juízo prolator da interlocutória recorrida, para que lhe dê cumprimento, requisitando deste as informações de que trata o art.527-IV, do CPC, bem como no tocante à providência prevista no art.526 do mesmo diploma instrumental.
Intimem-se as Agravadas para apresentarem contrarrazões, no prazo legal.
Após, vista à d. Procuradoria-Geral de Justiça.
Cumpra-se.
Cuiabá (MT), 05 de Outubro de 2012.
Elinaldo Veloso Gomes
Juiz Convocado – Relator