Brasil tem potencial para ser um dos líderes da Economia Verde

em 10 June, 2012


O Brasil tem grande potencial para ser um dos líderes da Economia Verde, mas isso depende de muitos ajustes em termos de políticas públicas, governança ambiental, empreendedorismo social e gestão empresarial sustentável. A avaliação é da professora Rachel Biderman, doutora em Administração Pública e Governo pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Para a especialista, o país tem a chance de estabelecer um novo modelo de produção e desenvolvimento que levem em conta a sustentabilidade ambiental, a justiça social e a eficiência econômico-financeira. Contudo, ela alerta que o país não pode continuar numa “lógica perversa” de exploração dos recursos naturais.

Rachel Biderman formada em Direito pela Universidade de São Paulo, atualmente é Consultora Sênior do “World Resources Institute” no Brasil. De acordo com a professora, o Brasil evoluiu bastante desde a década de 1980 na criação de órgãos de controle ambiental e equipamento de suas estruturas e de pessoal. Contudo, aponta que “ainda há muito que se fazer”. “Em geral os órgãos de meio ambiente são aqueles que têm o menor orçamento dentro do governo”, avalia.

Outro aspecto importante que a especialista ressalta é que embora o Brasil possua uma legislação ambiental avançada, “ainda há muitos temas que precisam ser legislados, como as questões de pagamentos por serviços ambientais, cobrança pelo uso da água, legislação tributária ambiental, dentre outros”. Veja a entrevista exclusiva de Rachel Biderman  ao Observatório Eco.  

Observatório Eco: Como lembra o economista Ignacy Sachs, um aspecto é a consciência ambiental,  o outro é o calendário eleitoral. Gostaria, por favor, que você explicasse para nós por que é tão difícil o sucesso de implementação de políticas públicas em prol do meio ambiente?

Rachel Biderman: Há vários fatores que influenciam o maior ou menor sucesso de implementação de políticas públicas em meio ambiente. Isso varia de país para país, entre culturas, dentre outros fatores.

No caso do Brasil, historicamente, os principais problemas têm sido falta de consciência da sociedade na cobrança da implementação das normas por aqueles que têm obrigação de cumpri-las, ou seja, falta de engajamento maior de mais atores nesse tipo de ação de controle social.

Outro fator é o desrespeito sistemático às instituições e normas legais que acontecem muitas vezes pela falta de cobrança dos atores com poder de polícia e de gestão administrativa sobre os interesses em jogo. Isso pode acontecer por várias razões que podem incluir desde a falta de recursos orçamentários dentro dos órgãos públicos, falta de treinamento do pessoal dos órgãos públicos, falta de pessoal para atuar nessa área, entre outros fatores.

O Brasil evoluiu bastante desde a década de 1980 na criação de órgãos de controle ambiental e equipamento de suas estruturas e de pessoal, mas ainda há muito que se fazer. Em geral os órgãos de meio ambiente são aqueles que têm o menor orçamento dentro do governo.

Se não houver priorização por parte dos tomadores de decisão de governo, o que inclui alocação de mais verbas para essas importantes ações de controle ambiental, não há como contornar esse problema. Em parte mudanças dependem da pressão da sociedade por maior cumprimento legal, o que tem acontecido historicamente no país, mas talvez não com a força necessária para coibir abusos que ainda acontecem neste país.

Hoje com a mudança do código florestal, há riscos enormes de retrocesso na agenda pública ambiental e nas políticas públicas em matéria florestal. Qualquer mudança nessa área dependerá da muita mobilização da sociedade civil.

Felizmente, temos uma imprensa livre e atenta que tem dado grande cobertura a esses temas o que ajuda a fortalecer a gestão democrática dos recursos naturais neste país.

 Observatório Eco: De que forma conciliar a atividade política legislativa, que tem os seus legisladores renovados de 4 em 4 anos nas Câmaras e a tramitação de leis ambientais, o tema deveria merecer um gerenciamento diferenciado dos demais assuntos?  Algo mais célere e de qualidade? O processo legislativo para problemas ambientais mereceria outro tratamento?

Rachel Biderman: Os legislativos nos Estados e municípios e o Congresso Nacional têm comissões de meio ambiente que costumam conduzir a maioria das discussões sobre novas normas em matéria ambiental. É preciso equipar esses espaços de discussão com assessores técnicos de alta qualidade que são pessoas de apoio permanente dessas casas legislativas. Esse tipo de apoio técnico costuma  garantir a continuidade de processos.

É preciso também que a população atente aos candidatos com plataformas e propostas na área ambiental e ajude a elegê-los, para que possamos ter mais pessoas nessas casas parlamentares defendendo os interesses de proteção dos direitos socioambientais.

O Brasil já tem legislação ambiental avançada, mas ainda há muitos temas que precisam ser legislados, como as questões de pagamentos por serviços ambientais, cobrança pelo uso da água, legislação tributária ambiental, dentre outros.

Observatório Eco: Como explicar a tramitação no país de uma legislação florestal, (o novo Código Florestal), que em vários aspectos é defendida pelo governo, porém, no qual, cientistas alertam que se tratam de normas que dão as costas para o conhecimento científico?

Rachel Biderman: Essa é uma típica situação em que os interesses econômicos prementes se sobrepõem a direitos consolidados historicamente. A mudança do Código Florestal significa alteração de uma norma que já vinha funcionando há mais de meio século e que ao menos conseguiu garantir preservação de importantes remanescentes de ecossistemas dentro de propriedades privadas.

Hoje o Brasil é a 5ª economia do mundo e a maior parte de nossa presença no mercado internacional se dá por exportação de produtos da agricultura e pecuária. O setor produtivo dessa área tem interesse em ampliar sua capacidade produtiva para atender a demanda interna e internacional, o que é natural. O que muitos ambientalistas têm falado nesses debates é que não é preciso alterar o Código Florestal para isso. Basta usar o enorme arsenal de terras abandonadas no país, que podem ser recuperadas para produzir mais, sem necessitar desmatar novas áreas. Há muitas terras que são abandonadas e que podem ser reincorporadas ao processo produtivo sem derrubar uma árvore.

Os cientistas têm alertado sobre as perdas da biodiversidade, que já está bem ameaçada no país, e também de remanescentes florestais importantes, que estão dentro de terras privadas e não em áreas protegidas pelo governo através do sistema de unidades de conservação existente no país.

É preciso atentar ao fato de que derrubadas de novas áreas podem significar uma perda enorme de espécies de flora e fauna que sequer são conhecidas ou catalogadas pela ciência ainda.

Assim, corremos o risco de perder espécies que poderiam ser a fonte de remédios, cosméticos ou alimentos, que ainda não conhecemos. O Brasil tem uma enorme biblioteca com informações e recursos genéticos desconhecidos e não explorados  que podem ser a fonte de grandes recursos e ganhos econômicos se investirmos mais dinheiro em ciência e tecnologia para construir uma base sustentável do uso desses recursos para uma nova economia verde. 

Observatório Eco: Enfim, em razão do impacto da Rio+20, você acredita que nos próximos anos, a política pública ambiental possa ser melhor administrada no Brasil? Como fazer um choque de gestão pública em razão de novos conceitos que surgirão dessa Convenção?

Rachel Biderman: Não sei se é preciso um choque de gestão. Creio que seria suficiente que os diferentes órgãos de governo atentassem que o futuro da economia do Brasil depende da forma como estamos definindo os usos dos nossos recursos naturais. Se continuarmos numa lógica perversa de exploração dos recursos, sem preocupação de estabelecer meios de mitigar impactos nocivos, sem levar em conta a legislação em vigor, sem criar instrumentos econômicos para estimular investimento privado na produção mais sustentável e mais limpa, não conseguiremos colocar o Brasil na rota da economia de baixo carbono ou da economia verde, conforme os governos estarão discutindo na Rio + 20.

A chance está em nossas mãos de estabelecermos um novo modelo de produção e desenvolvimento que levem em conta a sustentabilidade ambiental, a justiça social e a eficiência econômico-financeira.

Mas isso depende de muitos ajustes ainda em termos de políticas públicas, governança ambiental, empreendedorismo social, e gestão empresarial sustentável. Brasil tem grande potencial de ser um dos líderes da Economia Verde, basta que todos nós façamos a nossa lição de casa.




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