As florestas marinhas brasileiras foram esquecidas
Da Redação em 1 April, 2012
Tuite
Artigo de Marcos Buckeridge.
Pouca gente lembra que o aquecimento global também põe em risco os corais, inclusive os da costa brasileira. O mar é um dos primeiros ambientes a serem citados como alvo importante do impacto das mudanças climáticas globais. O ponto central das discussões sobre o mar é geralmente o aumento em seu nível como conseqüência do descongelamento das calotas polares devido ao aquecimento global. Isso é de fato de importância imediata para a civilização, já que grande parte dela construiu suas cidades próximas à costa.
Já do ponto de vista da biodiversidade, o urso polar tem sido um excelente “garoto-propaganda” das mudanças climáticas, aparecendo como vítima direta do aquecimento global. Porém, como não há ursos polares no Brasil, muitas vezes fica difícil demonstrar tão eloqüentemente os efeitos do aquecimento sobre os seres vivos da nossa biodiversidade marinha. Por isso, esses efeitos ainda são pouco conhecidos e divulgados.
Biologicamente, o ambiente marinho apresenta diferenças importantes em relação ao terrestre. Mas é possível estabelecer paralelos entre esses dois mundos. Em terra firme, a celulose é o principal composto que sustenta fisicamente os organismos vivos de forma direta ou indireta. No mar, os depósitos de carbonato de cálcio têm importância, do ponto de vista puramente físico, análoga na região costeira. Em outras palavras: numa floresta, as comunidades biológicas se estabelecem principalmente associadas às árvores, que provêem o equilíbrio hídrico e de temperatura necessários para a estabilidade dos organismos; no mar, os recifes de corais e os bancos de macrófitas (macroalgas e angiospermas marinhas) constituem a base física sobre a qual uma vasta diversidade de organismos se associa.
No mar, a maior parte da biodiversidade está nas regiões costeiras. As correntes marinhas que correm próximas à costa fazem circular os nutrientes e nos locais onde há maior riqueza são encontrados os recifes de corais. Bancos de corais podem ser tão ricos em biodiversidade que são até chamados por alguns de “florestas submersas”.
Para entender melhor como as mudanças climáticas podem afetar a biodiversidade marinha, é preciso levar em conta três fatores que estão na base dessas alterações: 1) aumento na concentração atmosférica de Gases do Efeito Estufa, sendo o CO2 o principal deles; 2) elevação da temperatura global do Planeta 3) aumento ou diminuição na disponibilidade de água.
A primeira coisa que temos de lembrar é que o terceiro fator não é tão importante para os efeitos das mudanças climáticas sobre o mar, já que este é composto de água e compreende cerca de 60% da superfície do nosso Planeta. Porém, os outros dois são de grande importância, como explicarei em seguida.
No caso do CO2, sabe-se que esse gás é bem menos solúvel na água do que no ar e, portanto, um grande aumento dele no ar é necessário para que se obtenha um aumento relativamente pequeno desse gás dissolvido na água. Cerca de um quarto do dióxido de carbono liberado na atmosfera se dissolve no oceano. Parte do gás reage com a água formando ácido carbônico, que, por sua vez, libera íons H+. Isso resulta em um aumento da acidez. Estima-se que, desde o início da Era Industrial, o pH dos oceanos tenha sofrido uma queda média de 0,1 unidade, devendo cair mais 0,3 até o final deste século.
A acidificação dos oceanos compromete a sobrevivência de algas calcárias e de animais como moluscos, corais, crustáceos e outros que produzem exoesqueletos de quitina. Segundo o IPCC, se a tendência atual de acidificação se mantiver, após o ano 2050 o pH deve atingir um valor no qual o balanço químico do sistema carbonato se inverterá. Ao invés de ocorrer acúmulo de carbonato de cálcio nos oceanos, como acontece hoje, o sistema passará a dissolvê-lo. Essa inversão produzirá outra reviravolta: ao invés de absorver CO2, como fazem atualmente, os oceanos passarão a emiti-lo, agravando ainda mais o Efeito Estufa. Na costa brasileira, a principal ameaça parece estar relacionada aos extensos bancos de algas calcárias da plataforma continental e aos recifes de coral.
O aquecimento dos oceanos é outra questão preocupante. Apesar de aumentos na temperatura se disseminarem de forma mais lenta no meio líquido do que no ar, os organismos marinhos são muito mais sensíveis a essas alterações. Ínfimas variações, entre 0,01 e 0,1°C podem causar mudanças significativas tanto na riqueza de espécies como na diversidade funcional dos organismos e comunidades marinhas. Um aumento de apenas 1°C na temperatura da superfície oceânica submete os recifes de coral a estresses que os levam ao branqueamento, ou seja, à perda das algas que vivem em simbiose com os corais, resultando em sua morte e na desestruturação de todo o sistema.
Há ainda alguns efeitos indiretos, resultantes da interação entre o aumento da concentração de CO2 e a elevação da temperatura. Esses dois fatores induzem a mudanças no clima, e as previsões do último relatório do IPCC (Fourth Assessment Report: Climate Change 2007 – AR4) indicam que eventos extremos poderão ocorrer. Tais eventos podem significar furacões, mas podem simplesmente se traduzir em tempestades mais intensas, com efeitos de turbulência bem maiores do que as comunidades marinhas vêm enfrentando nos últimos milhares, talvez milhões de anos. Por que a turbulência é importante? Porque aumentos muito grandes na velocidade das correntes ou eventos turbulentos acima do normal literalmente arrancam os organismos de seu substrato e, com isso, a comunidade se desfaz. Segundo os biólogos marinhos, a velocidade de reajuste das comunidades no mar é bem maior do que na terra, mas não se sabe que impacto terá um excesso de fragmentação dessas comunidades.
No Brasil, estamos acostumados a nos orgulhar de sermos um dos países com maior biodiversidade no Planeta. Porém isso se deve à biodiversidade terrestre, e não à marinha, pois esta última é bem maior na Ásia do que na América do Sul. Além de haver maior dificuldade (principalmente a financeira) em se estudar os oceanos, o Brasil tem dado proporcionalmente mais atenção aos biomas terrestres que aos marinhos. Todavia, se continuarmos preterindo investigações científicas sobre a biodiversidade marinha brasileira, correremos o risco de não termos tempo hábil para conhecer o que existe sob as águas e tentar entender como funcionam as comunidades submersas.
Marcos Silveira Buckeridge, Biólogo, colunista de Neotrópicas da Pesquisa FAPESP. Trabalhou no Jardim Botânico de São Paulo por 20 anos desenvolvendo pesquisas sobre plantas nativas dos Neotrópicos. Durante o mestrado e o PhD, ele trabalhou com a mobilização de reservas de polissacarídeos de parede celular em plantas e a partir de 1995 estabeleceu uma linha de pesquisa focada na compreensão de aspectos fisiológicos, celulares e moleculares envolvendo o estabelecimento de plântulas de árvores neotropicais em seus respectivos biomas. Também desenvolveu projetos biotecnológicos fornecendo ferramentas para o uso sustentável da biodiversidade da Mata Atlântica e do Cerrado. Sua contribuição está principalmente nas aplicações polissacarídeos em processos importantes para as indústrias de papel, alimentos e cosméticos.
Com o aumento da importância do impacto das Mudanças Climáticas Globais a partir de 1990, o Dr. Buckeridge nucleou estudos pioneiros sobre a compreensão de como árvores nativas dos neotrópicos respondem ao aumento na concentração de gás carbônico atmosférico. Mais recentemente, seu grupo adicionou mais um foco que é o de compreender como a cana de açúcar irá responder às Mudanças Climáticas Globais. Isto é importante porque a cana de açúcar é atualmente uma das plantas cultivadas mais importantes no Brasil, sendo responsável pela produção de etanol como biocombustível. O Dr. Buckeridge se mudou recentemente para o Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP, onde está dando continuidade às mesmas linhas de investigação no Laboratório de Fisiologia Vegetal. Ele foi presidente da Sociedade Botânica de São Paulo de 2001 a 2005, é atualmente um dos coordenadores da área de Ciências Biológicas da FAPESP e é um dos pesquisadores indicados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia para o IPCC (Intergovernmental Panel of Climatic Changes). O Prof. Buckeridge é editor de comunicação da revista científica Trees: Structure and Function (Springer).
Publicado com a autorização da Revista ECO 21.