Justiça ambiental precisa combater a fome e a pobreza
Roseli Ribeiro em 11 March, 2012
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A ONU (Organização das Nações Unidas) volta a se reunir no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho, para debater as questões relativas ao esgotamento dos recursos naturais e o modo como os países buscam implementar suas agendas de desenvolvimento sustentável. A primeira reunião aconteceu em 1972 em Estocolmo, a segunda, no Rio de Janeiro, em 1992, que ficou conhecida como ECO-92. De lá para cá, o cenário mundial mudou bastante, agora a Europa e Estados Unidos vivem uma crise econômica, o modelo de consumo dos países ricos mostrou ser insustentável. Do outro lado, países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia buscam um caminho que permita equilibrar a atividade econômica com as necessidades ambientais e sociais.
O documento base produzido pela ONU, que serve de base para essa reunião ainda está em sua primeira versão, trata-se do Draft Zero, intitulado, “O Futuro que Queremos”, publicado em janeiro visa firmar os pilares da Economia Verde como forma de garantir o desenvolvimento das Nações e a preservação do Planeta para as gerações futuras.
Para debater o tema o Observatório Eco entrevista a advogada Maria Artemísia Arraes Hermans, que é membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB. Antes de ser advogada, a
professora titular da Universidade Federal do Ceará e da Universidade de Brasília-UnB, agora aposentada, foi farmacêutica, química e bióloga, com pós-graduação na Universidade de Harvard (EUA).
Maria Artemísia contou ao Observatório Eco, que após por muitos anos se dedicar à biologia, sentiu necessidade de enveredar pelos caminhos do Direito, por notar na época a existência de “um vácuo jurídico nas questões relativas à engenharia genética, o uso desses recursos e a existência de uma incipiente base jurídica para o desenvolvimento do Biodireito”.
Com relação à Convenção Rio + 20, a estudiosa espera “debates jurídicos impactantes” no estabelecimento da economia verde e seus desafios para a erradicação da pobreza.
Para Maria Artemísia somente haverá justiça ambiental se vários aspectos forem defendidos, como “um sistema internacional que eleja o combate à fome e à exclusão da pobreza, inclusive e especialmente a exclusão do conhecimento sob todas as suas formas, como sua mais alta prioridade, promova a educação universal de qualidade e assegure os direitos de todos à saúde, à educação e à moradia e impeça o abuso de poder”.
Observatório Eco: Qual a expectativa da senhora, como jurista, para a próxima Convenção Rio + 20?
Maria Artemísia Arraes Hermans: A Conferência Rio+20 retorna com o tema da Sustentabilidade consagrado na ECO-92. A minha expectativa é com a urgência de iniciativas práticas nas ações globais de sustentabilidade proposta desde a ECO-92.
Espero que efetivamente ocorra integração, implementação e coerência no cumprimento da vigorosa legislação, sinalizadora da eficiência e da ética, guardiãs de uma cidadania contemporânea.
Observatório Eco: De que forma esse evento já começa a impactar os debates jurídicos que serão levados para a Rio + 20?
Maria Artemísia Arraes Hermans: Acredita que debates jurídicos impactantes podem ocorrer em dois focos, no estabelecimento da economia verde e seus desafios para a erradicação da pobreza. Por exemplo: não criar novas barreiras comerciais; não impor novas condições para financiamentos; não exacerbar a dependência da transferência de tecnologias aos países em desenvolvimento.
O segundo foco, na implementação de financiamentos. A ONU faz um apelo para obter a meta de 0,27% do PIB dos países ricos e repassar às nações pobres ou às em desenvolvimento. O apelo pode ser contestado pelos países envolvidos devido à crise econômica que atinge a Europa e os Estados Unidos.
Observatório Eco: Na prática, podemos perceber que existe um desgaste da teoria da proteção das gerações futuras, uma vez que a dinâmica legislativa avança na tentativa de criar leis que estabelecem uma menor proteção ao meio ambiente? De que maneira a senhora avalia a produção legislativa brasileira como um todo?
Maria Artemísia Arraes Hermans: É oportuno lembrar que a ECO-92 consolidou o conceito de desenvolvimento sustentável, definido no relatório de 1987 da Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU: “O Nosso Futuro Comum”, liderado pela então Ministra da Noruega Gro Brutland.
O cerne desse conceito é o não esgotamento dos recursos do planeta, garantindo às gerações futuras os benefícios da Natureza. O Brasil, em 1988, na Sua Lei Maior consagra a proteção ao Meio Ambiente, impondo o dever de preservá-lo para as gerações futuras.
A legislação brasileira sobre meio ambiente (natural e artificial) é uma das mais completas no contexto de normas internacionais. Naturalmente ajustes são necessários para acompanhar as mudanças na ordem econômica e social. Um exemplo é o Código Florestal.
Observatório Eco: É possível que novas teorias no direito ambiental de proteção ao meio ambiente possam surgir no debate da Convenção Rio + 20, sobre desenvolvimento sustentável?
Maria Artemísia Arraes Hermans: Sim. É a natureza que garante a produtividade da biosfera e para conseguirmos alimentar os nove bilhões de pessoas previstas para 2050 temos que saber parar de agredir a natureza.
Quando os seres humanos viviam da caça e em bandos, o objetivo era derrotar a natureza. Hoje, vencer a natureza significa caminhar para destruir a vida na Terra. Nesta direção podem surgir as bases do Biodireito, ou seja, normas sobre o direito de utilizar a engenharia genética na produção de alimentos transgênicos, sem agredir ao meio ambiente e garantir o desenvolvimento sustentável.
Observatório Eco: De que forma a senhora gostaria que o tema da justiça ambiental fosse abordado na Convenção Rio + 20?
Maria Artemísia Arraes Hermans: Para haver justiça ambiental devemos defender um sistema internacional que eleja o combate à fome e à exclusão da pobreza, inclusive e especialmente a exclusão do conhecimento sob todas as suas formas, como sua mais alta prioridade, promova a educação universal de qualidade e assegure os direitos de todos à saúde, à educação e à moradia e impeça o abuso de poder, que condene a discriminação, denuncie a intolerância e todas as condições e interesses que possam conduzir à quebra das estruturas democráticas e que dificultem a efetividade do desenvolvimento sustentável.