Governo pode perder autonomia para criar unidades de conservação
Da Redação em 10 November, 2011
Tuite
Artigo de Aleksandro Cavalcanti Sitônio.
Novo golpe para o meio ambiente se aproxima.
Encontra-se em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição nº 215, de 2000, onde seus autores pretendem alterar os artigos 49 e 231 da Constituição Federal, para suprimir a autonomia da União na demarcação de terras indígenas, estabelecendo que o Congresso Nacional passe a homologar essas demarcações, além de exigir que os critérios e procedimentos para tal sejam regulamentados por lei.
Apensadas a esta proposta existem outras 11 com o mesmo objetivo, porém, com justificativas diversas. As propostas receberam parecer favoráveis pelo relator atual e uma vez aprovadas, serão analisadas por uma Comissão Especial, oportunidade em que se apreciará o mérito.
Ocorre que por detrás dessas 11 (onze) proposições existem duas delas (PEC’s nºs 161, de 2007 e 291, de 2008), onde os autores pretendem também suprimir a autonomia da União para a criação de unidades de conservação e o reconhecimento de áreas remanescentes de quilombolas, exigindo igualmente que esses procedimentos sejam submetidos ao Congresso Nacional e aprovados por lei.
O curioso nessa história é que a PEC principal, a de nº 215, de 2000, já teve dois relatores na mesma CCJC, cujos pareceres foram contrários à sua admissibilidade. Entretanto, esses pareceres não foram votados. Talvez por não interessar. No finalzinho do ano passado, portanto, ao apagar das luzes, o penúltimo relator chegou, inclusive, a mudar o seu Voto, porém, não deu tempo de ser votada em face do encerramento da legislatura. O parecer atual que está na pauta para ser votado na CCJC, nesta semana, é de um terceiro relator que se posicionou pela aprovação.
A questão agora se resume ao fato de os deputados concordarem ou não com esse novo parecer, mesmo sabendo que a proposta fere o art. 2º da Constituição Federal, por interferir na independência e harmonia entre os 3 três poderes, ao condicionar a validade dos atos do Presidente da República à vontade dos membros do Congresso Nacional.
Da mesma forma, essas PECs são também inconstitucionais por violarem as cláusulas pétreas expressas nos incisos I e III do art. 60, § 4º, que vedam a deliberação sobre emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação dos Poderes, ao subtrair a autonomia da União na demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, na criação de unidades de conservação e no reconhecimento de áreas remanescentes das comunidades quilombolas.
Faremos a seguir uma análise rápida de cada uma dessas propostas.
De acordo com o art. 231 da CF, a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios é de competência da União.
Segundo as normas inferiores e a doutrina, como também questionado em Voto em Separado já apresentado, essa demarcação tem natureza meramente declaratória dos limites da terra tradicionalmente ocupada pelos índios e consiste em ato administrativo, por intermédio do qual a Administração Pública federal explicita os limites das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, baseada em elementos de prova que garantam os limites da terra demarcada.
Este procedimento vem sendo realizado há décadas, tendo a FUNAI e o Ministério da Justiça a competência para realizá-lo, segundo o estabelecido no art. 19 do Estatuto do Índio – Lei n.º 6.001/73. Existe ainda o Decreto nº 1.775, de 1996, que regula o procedimento administrativo. Pelo que se vê a matéria guarda perfeita harmonia com as Constituições anteriores e a que está em vigência.
O procedimento para o reconhecimento das áreas remanescentes de quilombolas também está muito claro na Constituição. O art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ACDT garante a essas comunidades, o direito pré-existente no que diz respeito à titularidade dessas terras, bastando para tanto o seu reconhecimento para que o Estado possa emitir os títulos de propriedade definitiva.
Aliado a isso, o art. 216, § 1º, da Constituição, determina claramente que é o poder público quem tem a obrigação de promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por meio, entre outras coisas, de tombamento e desapropriação.
A questão das áreas de quilombolas está disciplinada pelo Decreto nº 4.887, de 2003, cabendo, em nível federal, ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por intermédio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O Ministério da Cultura e a Fundação Cultural Palmares desenvolvem papel importante neste processo.
Por fim, a Constituição também conferiu tratamento diferenciado para a criação de unidades de conservação. O art. 225, § 1º, inciso III da Constituição deixa claro que incumbe igualmente ao Poder Público a competência para definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, em todas as Unidades da Federação.
Observem que na redação do texto constitucional não há nenhuma exigência de lei em sentido formal e material para a criação desses espaços, diferentemente do que ocorre na alteração e supressão, onde determinou o legislador constitucional, que somente poderão ocorrer por lei.
Essas unidades de conservação vêm sendo criadas pelo Poder Executivo federal, estadual e municipal, desde a década de 60, com base no Código Florestal – Lei nº 4.771, de 1965 (florestas e parques) e na Lei de Proteção a Fauna – Lei nº 5.197, de 1967 (reservas biológicas), passando pela década de 80, com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938, de 1981 (reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico) e Lei nº 6.902, de 1981 que dispõe sobre a criação de Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental.
A Constituição de 1988 recepcionou todos esses diplomas legais. Não bastasse, o legislador ordinário entendeu por bem regulamentar, entre outros incisos do § 1º, do art. 225 da nova Carta Magna, o mencionado inciso III, que dispõe sobre a competência atribuída ao Poder Público para a definição desses espaços.
Estamos falando da Lei nº 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). Ela estabeleceu conceitos, objetivos, diretrizes, categorias, regras para criação e, principalmente, estabeleceu que as unidades de conservação serão criadas por ato do Poder Público (art. 22), não mencionando ali lei em sentido formal e material.
Convém ressaltar que todas as normas infraconstitucionais aqui citadas, à exceção dos decretos, foram devidamente analisadas e aprovadas pelo Congresso Nacional, que entendeu por bem conferir autonomia ao Poder Executivo para demarcar terras indígenas, reconhecer áreas remanescentes de quilombolas e criar unidades de conservação, como, aliás, vem fazendo há vários e vários anos.
Por tudo isso, devemos ser contrários à aprovação da PEC nº 215, de 2000 e as demais apensadas, pois, além de trazer uma insegurança jurídica muito grande, por tudo que já aconteceu nessas questões ao longo de décadas, ela interfere na independência e harmonia entre os 3 (três) poderes, de acordo com o estabelecido no art. 2º da CF, bem como por violar as cláusulas pétreas expressas nos incisos I e III do art. 60, § 4º, também da CF, que vedam a deliberação sobre emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação dos Poderes.
O Deputado Sarney Filho apresentou um Voto em Separado contrário à sua aprovação.
Aleksandro Cavalcanti Sitônio, procurador federal.
(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)
Sebastiao Azevedo, 13 anos atrás
Excelente a contribuição trazida ao debate pelo procurador federal Aleksandro Sitônio