Primavera Silenciosa no Vale do Sinos

em 9 October, 2011


Artigo de Jackson Müller.

Navegar no Rio do Sinos é uma aula de educação ambiental e perseverança na espécie humana. Apesar de que conceitualmente “rio” ou flúmen (palavra derivada do latim, em raros casos utilizada em textos poéticos) é uma corrente natural de água que flui com continuidade. Possui um caudal considerável e desemboca no mar, num lago ou noutro rio, e em tal caso denomina-se afluente.

Atualmente nosso rio imita pouco a natureza dos descobridores, transportando o que a nossa sociedade de consumo descarta, num ritmo frenético, silencioso e contínuo de luta pela sobrevivência.

Nosso Rio do Sinos compõem a bacia com mesmo nome, ocupando uma área de cerca de 3.800 Km2 e representa apenas 1,5% do território estadual, concentrando 22% do PIB gaúcho.

Povoada por culturas diversificadas e pujantes é formada por 32 municípios com variadas vocações, totalizando uma população estimada em pouco mais de 2 milhões de habitantes, contidos nessa que deveria ser uma efetiva unidade regional de planejamento.

A primavera de 2006 recém havia chegado. O dia estava ensolarado, o tempo seco, com vários períodos sem chuva. A vazão das suas águas estava reduzida, concentrando os poluentes e diminuindo os níveis de oxigênio dissolvido. O rio seguia seu curso. Os sinais do descaso das autoridades e da sociedade se faziam presente há bastante tempo. Continua assim hoje, apesar dos insistentes apelos, movimentações e tragédias que se repetem.

O dia 07 de outubro daquele 2006 estava para mudar a história. Meses antes a triste história já se havia iniciado, como tantas que parecem necessárias para gerar algum tipo de aprendizado ou mudança de comportamento.

Licenciamentos ambientais precários, operação de atividades poluidoras descumprindo as normas e padrões vigentes, um verdadeiro faz de conta.

As notícias que chegavam no amanhecer de 07/10/06 não eram boas. O crescente aumento dos usos das águas do Sinos começava a dar sinais de que algo estava para acontecer. Nossa sociedade não aprendeu a prevenir, planejar, compatibilizar usos e demandas. Parece que evolui através de sustos e sobressaltos.

Naquele fatídico dia 07/10/2006 os cardumes de peixes subiam o Sinos no chamado da vida. Aqui a piracema sempre começou mais cedo, motivando o movimento de variedade de espécies provenientes do Guaíba. Uma corrida pela vida!

A fonte principal da poluição consumidora do oxigênio dissolvido despontou do arroio Portão, trazendo as mazelas de uma sociedade voraz e alucinada. Com uma impressionante demanda consumidora do gás da vida seqüestrou as concentrações capazes de  manter a ecologia do rio em movimento, com resultados impressionantes e devastadores.

A baixa vazão, os esgotos sem tratamento sendo lançados diretamente nos afluentes do Sinos, os usos conflitivos com lavouras de arroz construídas em lugares impróprios e inadequados, o descaso generalizado e a forte carga de origem industrial serviu como tiro de misericórdia.

Oficialmente foram removidas noventa e oito toneladas de peixes mortos das estações “Passo do Carioca” e “Pesqueiro do Parque  Zoológico”, apesar de se acreditar que mais de 130 mil quilos tenham sucumbido naquele período.

Mais de dezessete espécies diferentes de peixes morreram naquele período, que parecia não ter fim. Seguiram-se novas mortandades verão de 2007 adentro. A cada ameaça de chuva a iminência de novas tragédias. Foi um grande e temeroso pesadelo. A água da vida transportando a morte…

A agonia dos cardumes era o que mais impressionava. Aos milhares migravam no chamado da vida para um labirinto venenoso. Sucumbiam, boiavam e a fraca correnteza os levava para os remansos, acumulando-se e aguçando o já grave quadro de degradação ambiental.

Remover todas essas toneladas de peixes mortos tornou-se uma expiação. Nosso Estado não estava preparado para lidar com uma tragédia daquelas proporções.

O prejuízo da perda da biodiversidade foi socializado, não foram apenas os moradores da bacia do Sinos que perderam, mas toda a nação brasileira, que acompanhou o desenrolar dos fatos. Responsabilizações, pedidos de prisão, multas e alvoroço geral diante das duras medidas impostas. Intervenção judicial inovadora requerida pelo Ministério Público Estadual e determinada pelo Judiciário de Estância Velha demonstraram que a situação havia passados dos limites.

Naquele episódio que hoje completa cinco anos surgiram ações administrativas importante e dignas de nota: criou-se o Pró-Sinos, implementou-se uma Força-Tarefa para coibir as ações criminosas contra o meio ambiente, institucionalizou-se a Promotoria Regional de Defesa do Meio Ambiente e viu-se surgir a Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente (DEMA/DEIC), contemplando homens e mulheres que dedicam suas vidas à preservação da natureza. Destaca-se, contudo o valoroso e insistente trabalho desenvolvido pelo Batalhão de Polícia Ambiental da Brigada Militar, que com poucos recursos faz das tripas o coração.

Não se mata um rio de uma vez só. Em 2006 matou-se a porção inferior; em dezembro de 2010  a porção média e amanhã uma outra parte vai morrendo. A destruição continuada de seus ambientes, como os banhados, matas ciliares, áreas de remanso, locais de reprodução aguçam o quadro de degradação patrocinado pelo desinteresse e descaso da sociedade, profundamente motivado pela caçada econômica.

Poucas gotas de esgoto não tratado passaram a ser coletadas e submetidas a depuração; ações de fiscalização ambiental em fontes de poluição são esporádicas, por vezes despreparadas para tamanha demanda. A crise continua, apenas não se fala mais nela. Primavera silenciosa!

Ambientalmente rico, mas pobre de ações sociais coerentes com a sua importância ecológica o Sinos recebe dos arroios a poluição nossa de cada dia. Vem de territórios não planejados, conurbados, sem saneamento básico.

A quem interessa um órgão ambiental forte, preparado e atuante?

Medidas enérgicas foram adotadas para coibir os desmandos ambientais. Prisões em flagrante, interdições e responsabilizações criminais alertam para a necessidade de um novo modelo de proteção ambiental e desenvolvimento econômico mais equilibrado, socialmente justo e ecologicamente viável.

Não pode prevalecer a degradação ambiental para justificar a geração do lucro. Necessário integralizar novos meios de crescimento sem destruição do meio ambiente, numa modalidade mais sustentável, preconizada na Carta Constitucional brasileira.

Cinco anos de muita conversa e poucas ações concretas por parte dos administradores públicos. A poluição no Sinos ainda campeia e empurra-se com a barriga medidas concretas e efetivas para garantir a tão desejada qualidade de vida. Fragmenta-se e fragiliza-se o parlamento das águas com interesses ainda desconhecidos.

Como cidadãos e cidadãs devemos observar as lições da natureza. No próximo ano mudam-se os dirigentes locais, sem que necessitemos mudar as diretrizes. A diretriz principal deve ser recuperar, melhorar, remediar e qualificar o nosso rio do Sinos, independente da cor partidária dos administradores.

O flúmem representa como nossa capacidade criativa e criadora, tudo que nos torna humanos, aquilo que nos diferencia dos demais animais e deveria estar sendo aplicada em benefício da sociedade, usando sem destruir.

 

De certa forma migramos todos num mesmo rio: o rio das nossas vidas.

Não deixe o Sinos morrer.

Jackson Müller, biólogo, mora no Rio Grande do Sul, próximo ao Rio do Sinos, e autor das fotografias que ilustram o artigo.

(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)




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