Votação do Código Florestal, uma avaliação
Artigo exclusivo de Bruno Morais Alves.
Na última terça feira, dia 24 de maio, foi aprovado na Câmara do Deputado por ampla maioria o Projeto de Lei que tem por objeto a mudança do Código Florestal Brasileiro, com o placar de com 410 votos a favor, 63 contra e 1 abstenção. Apesar de toda a celeuma envolvendo o debate político e científico, os Deputados Federais decidiram mais uma vez em favor do imediatismo e do interesse econômico de curto prazo, provando que os representante legítimos do povo estão cada vez mais distantes – ou sempre estiveram – dos interesses da população brasileira, utilizando de forma escusa a legitimidade adquirida pelo sufrágio universal.
O Código Florestal pode ser considerado uma das principais leis ambientais. As premissas teóricas de diversas figuras jurídicas do Código Florestal guardam afinidade causal entre o seu cerne e a proteção de elementos do meio ambiente natural (solo, ar, águas, flora, fauna, assim como suas relações funcionais). Nesse diapasão, é o Código Florestal que dá unicidade às demais leis – Lei de Gestão de Florestas Públicas, Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Política Nacional de Resíduos Sólidos, Política Nacional do Meio Ambiente, Código de Águas, Lei de Crimes Ambientais, Política Nacional do Meio Ambiente e a Política Nacional de Mudanças Climáticas.
No artigo 225 da Constituição Federal podem ser extraídos os princípios norteadores para o trato ao meio ambiente, entre os quais se destacam nesse contexto o princípio democrático, da precaução, do direito humano fundamental. E a votação realizada no Plenário da Câmara de forma alguma respeitou esses princípios constitucionais.
O direito ao meio ambiente equilibrado é algo inerente ao ser humano, da natureza viemos e é dela que tiramos nosso sustento. Logo, é de interesse vital que todos os brasileiros, por intermédio de seus representantes, tenham esse direito difuso garantido. Não é somente de alimentos que sobrevive a raça humana, ela carece de um ecossistema equilibrado que garante a vida de hoje e de amanhã. E o texto atual não assegura isso.
Os Deputados foram irresponsáveis ao ignorar a ciência. A elaboração de uma política pública que versa acerca de um bem de interesse nacional, como são as florestas brasileiras, necessita, obrigatoriamente, emanar de uma mútua combinação de interesse em todos os níveis de governo, sociedade civil e a comunidade científica. Nesse tocante, ressalto aqui o excelente trabalho realizado pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciência, que apresentaram, tempestivamente, um estudo que coteja, de forma científica, os principais pontos de divergência do Projeto de Lei.
Diante da atrocidade cometida, chegou-se ao cúmulo de se reunirem 10 Ministros do Meio Ambiente, ou seja, 40 anos de experiência na pasta, para alertar a Presidenta Dilma sobre os perigos dessa modificação.
Desta feita, seguem os pontos cardeais que merecem ser rechaçados, propostos pelo Partido Verde, com os quais concordo integralmente:
1. Considerar como consolidados desmatamentos ilegais ocorridos até julho de 2008 (Artigo 3º, inciso III);
2. Permitir a consolidação de uso de áreas de proteção permanentes (APPs) de rios de até 10 metros de largura, reduzindo a APP de 30 para 15 metros irrestritamente para propriedades de qualquer tamanho, grandes, médias ou familiar;
3. Permitir autorização de desmatamento dada por órgãos municipais.
4. Permitir a exploração de espécie florestal em extinção, por exemplo, a Araucária, hoje vetada pela Lei da Mata Atlântica;
5. Dispensar de averbação a Reserva Legal no cartório de imóveis;
6. Criar a figura do manejo “agrosilvopastoril” de Reserva Legal. Agora, o manejo de boi será permitido em Reservas Legais;
7. Ignorar a diferença entre agricultor familiar e pequeno proprietário estendendo a este flexibilidades cabíveis aos agricultores familiares;
8. Retirar quatro módulos fiscais da base de cálculo de todas as propriedades (inclusive médias e grandes) para definição do porcentual de Reserva Legal. Isso, no entender do PV, significa milhões de hectares que deixariam de ser considerados Reserva Legal;
9. Permitir a pecuária extensiva em topos de morros, montanhas, serras, bordas de tabuleiros, chapadas e acima de 1,8 mil metros de altitude;
10. Ao retirar do Conselho Nacional de Meio Ambiente o poder de regulamentar as APPs retirou-se, também, a proteção direta aos manguezais. Utilidade pública e interesse social deixam de ser debatidos com a sociedade no
11. Abrir para decreto – sem debate – a definição do rol de atividades “de baixo impacto” para permitir a ocupação de APP, sem discussão com a sociedade;
12. Definir de interesse social qualquer produção de alimentos, por exemplo a monocultura extensiva, para desmatamento em APP. Segundo o PV, isso permitiria o desmatamento em qualquer tipo de APP.
E soluções propostas pelas organizações socioambientais:
1 – Propõe tratamento diferenciado para agricultores familiares permitindo que sob a lógica do interesse social possam manter ocupações em área de reserva legal para desmatamentos consolidados.
2 – Fortalecimento dos instrumentos de governança e de controle de novos desmatamentos ilegais como o embargo das áreas desmatadas ilegalmente, a figura do crime de desmatamento e a corresponsabilidade dos financiadores de produção em áreas desmatadas ilegalmente.
3 – Recomposição obrigatória de 15 dos 30 metros de APP de rio de até 10m de largura limitada apenas à agricultura familiar desde que com ações que comprovem a ausência de riscos socioambientais.
4 – Regularização da produção agrícola com suspensão de aplicação de multas aos agricultores (que não se enquadrem no conceito de agricultura familiar) caso ingressem em até um ano nos programas de regularização ambiental (federal ou estaduais) que deverão ser implementados em até 6 meses da publicação da Lei e assumam o compromisso de recompor ou compensar as reservas legais em áreas prioritárias para conservação da biodiversidade e recursos hídricos.
5 – Programa de pagamento por serviços ambientais e instrumentos econômicos voltados a pequenos produtores rurais familiares e inserção da recomposição e conservação de APP e reserva legal.
6 – Cômputo das APPs no cálculo da reserva legal para pequena agricultura, não sendo válido para novos desmatamentos.
7 – Utilização de áreas de topo de morro e áreas entre 25 e 45º de declividade já desmatadas em zonas rurais, com espécies arbóreas e sistemas agroflorestais desde que sob manejo adequado, medidas de conservação do solo, medidas que inibam novos desmatamentos e recomposição de reservas legais (sem cômputo da área na RL).
8 – Possibilidade de uso sustentável em áreas de planícies inundáveis conforme regulamento específico a ser editado pelo CONAMA atendendo a especificidades dos Biomas Pantanal e nas áreas inundáveis da Amazônia.
9 – Possibilidade de redução da RL de 80% para 50% na Amazônia nos casos de municípios com mais de 50% do seu território abrigados por Unidades de conservação e terras indígenas.
10 – Manutenção dos atuais parâmetros das áreas de preservação permanente, com reinserção no rol das APPs dos topos de morro, manguezais, dunas, áreas acima de 1800m e restingas fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.
11 – Manutenção do atual regime de competência para autorização de desmatamento com ênfase na competência estadual.
12 – Cadastro ambiental rural georreferenciado obrigatório para a regularização de todos os imóveis rurais com cadastramento gratuito para pequena propriedade rural.
13 – Incentivos econômicos para os produtores rurais que se não se utilizarem das flexibilizações previstas na Lei.
Em suma, o texto aprovado é de baixa qualidade, sem nenhuma base científica, pautado exclusivamente em interesses econômicos privado de curto prazo. O debate político foi feito de forma canhestra onde se ignorou o óbvio. Não condiz com o mundo pós-moderno em que o Brasil está inserido, e mostra um claro retrocesso na legislação ambiental brasileira.
Enfim, um grande desastre. O desenrolar dessa história se dará no Senado Federal, onde se espera que o nível das discussões seja maior. E caso, ainda permaneça esse contra senso declarado, ainda pode ocorrer o veto presidencial – que não seria salutar para as instituições brasileiras, botando à prova o sistema de peso e contrapesos (checks and balance).
Bruno Morais Alves, advogado ambientalista em Brasília (DF).
Eduardo Basílio, 13 anos atrás
Pela primeira vez que a legislação ambiental foi a plenário deu nesse rebuliço todo. Satisfeitos alguns outros nem tanto. Fato é que a coisa foi democrática, e esta tem lá suas imperfeições. Pelo menos agora estamos discutindo, e muito, ainda bem, a legislação ambiental. Creio ser este o maior trunfo desse processo. Nos livramos de um decreto lei dos anos da ditadura. Governos e governos se passaram e nunca até então, ninguém tinha parado para discutir esse código a fundo. Já estava passando da hora!