Para a AGU, Conselho deve limitar a ação do Ministério Público Federal
Da Redação em 29 May, 2011
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A Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Pedido de Providências para que o órgão se manifeste sobre abusos pontuais de alguns Procuradores da República contra agentes de Estado.
No documento, a AGU alerta que as Recomendações que alguns procuradores emitem a órgãos de governo trazem tentativas de intimidação de agentes públicos, com claras ameaças de responsabilização pessoal do servidor, ainda que a análise atacada tenha caráter estritamente técnico, como é o caso de licenças e decisões do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renovais (Ibama).
Para a AGU, o princípio da independência funcional, que garante aos Procuradores da Republica atuar com base em seu livre convencimento, não pode ser utilizado para trasvestir de legalidade, uma atuação arbitrária.
“A independência funcional dos membros do Ministério Público não os redime de atuar dentro dos limites dos comandos constitucionais e legais. O que se requer, então, não é a interferência na atividade fim dos membros do MP, mas sim a análise dos limites de utilização do instituto da Recomendação”, diz o documento.
Responsabilidade Penal
No Pedido de Providências, advogados da União e procuradores federais lembram que a responsabilização dos agentes públicos somente poderia se concretizar por meio do ajuizamento de ações penais ou por improbidade administrativa. Em ambos os casos, a Jurisprudência e a doutrina já se manifestaram no sentido de que é indispensável a demonstração da presença do dolo (intenção) do técnico em proceder-se em desconformidade com a lei.
Mesmo tendo conhecimento dessa regra, segundo a AGU, “alguns membros do Ministério Público ainda ameaçam os agentes públicos, a fim de constrangê-los no regular exercício de suas atividades”.
Casos
No Pedido de Providências a Advocacia-Geral cita “abusos cometidos contra servidores do Ibama que opinaram, sem má-fé e interpretando a legislação com razoabilidade administrativa, a respeito dos licenciamentos ambientais das UHEs de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau”. Após atuarem legalmente nestes processos de licenciamento, alguns agentes foram enquadrados pelo MPF na Lei nº 8.429/92, respondendo por ações de improbidade.
O licenciamento e construção das usinas têm motivado vários questionamentos do Ministério Público em ações civis públicas. “Diante do insucesso em paralisar o licenciamento dessas usinas por meio da propositura de ações civis públicas, representantes do Ministério Público passaram a adotar a estratégia de acoimar de ímproba a conduta praticada pelos agentes públicos do Ibama, com o objetivo indireto de constrangê-los a adotar o entendimento defendido pelos membros do Parquet, confundindo divergência de entendimento com improbidade.”
A AGU relatou ao CNMP que, num dos casos, dois procuradores da República no Pará ajuizaram ação civil por improbidade administrativa contra um servidor do órgão ambiental por ele ter emitido o aceite dos estudos ambientais relacionados ao licenciamento da UHE Belo Monte. A impropriedade dessa ação movida por procuradores já foi, inclusive, reconhecida pelo Poder Judiciário que extinguiu o processo sem julgamento de mérito.
Em outro exemplo, a AGU relata que procuradores da República “insistindo em atravancar a todo custo o licenciamento ambiental da UHE Belo Monte, recomendaram ao Presidente do Ibama, Curt Trennepohl, “que se abstenha de emitir a Licença de Instalação do empreendimento denominado UHE Belo Monte, enquanto as questões relativas às condicionantes da Licença Prévia nº 342/2010 não forem definitivamente resolvidas.”
De acordo com o Pedido de Providências da AGU, nessa recomendação ao Presidente do Ibama os procuradores relataram ainda que “(…) o disposto no artigo 225, §3º da Constituição Federal (CF), segundo o qual as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” para, ao final, afirmarem que “o não cumprimento da presente RECOMENDAÇÃO acarretará a adoção das competentes medidas judiciais com a igual responsabilização dos agentes públicos envolvidos”.
Segundo a AGU, à época da expedição da recomendação ao Presidente do Ibama, já era de conhecimento de dois procuradores da República que o Poder Judiciário, ao analisar a emissão da Licença de Instalação inicial para a UHE Belo Monte, em março de 2011, proferiu decisão em sentido contrário ao exposto na recomendação. “Beira a má-fé a tentativa dos Procuradores de constranger os agentes do Ibama a não praticarem os próximos atos do processo de licenciamento ambiental, sob a ameaça de propositura de ações de responsabilização pessoal, penal e administrativa, logo após terem ciência de mais de uma interpretação jurídica válida para o caso”, destaca a Advocacia-Geral.
Na conclusão, a AGU pede que o Conselho Nacional do Ministério Público adote providências para esclarecer aos seus membros que as recomendações utilizadas pelos procuradores da República não podem ser “manejadas quando não houver demonstração da existência de dolo na conduta do agente, em respeito aos princípios constitucionais da separação dos poderes e da dignidade da pessoa humana”. Do contrário, essas ameaças se tornam ilegítimas, com o objetivo de “paralisar as ações do Estado por meio da imposição do império do terror entre os agentes públicos”.
Recomendações do MP
A Recomendação é um mecanismo utilizado pelo Ministério Público, dirigido ao Poder Público, com o objetivo de que seja respeita a Constituição Federal.
A AGU entende que o instrumento serve para a reflexão dos agentes públicos a quem ela se dirige, mas que “não tem o condão de vincular a atuação do Poder Público”. Desta forma, eventual descumprimento “não é capaz de, por si só, acarretar a responsabilização pessoal do agente público”.
No Pedido de Providências, a Advocacia-Geral ressalta que têm sido verificadas recomendações que trazem, a priori, ameaças de responsabilização pessoal do agente público que discordar do entendimento do MP. Agindo desta forma, “membros do Ministério Público acabam por tentar impor sua orientação pessoal à Administração Pública, em ofensa à repartição dos Poderes previstas na CF”.
Para o órgão, essa prática também permite “a perpetuação da postura de reiteradamente imiscuir-se no mérito das decisões técnicas dos órgãos legalmente responsáveis por determinado tema – seja ele ambiental, concorrencial, indigna, dentre outros – o que acaba por ofender o princípio constitucional da eficiência, na medida em que paralisa a Administração Pública”.
ANPR rejeita medida de iniciativa da AGU
Em nota, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) repudia críticas de assédio moral e pedido de limitação da atuação de procuradores da República.
A Associação Nacional dos Procuradores da República vem a público repudiar o pedido de providências protocolado pela Advocacia Geral da União na última quarta, 25, para que o Conselho Nacional do Ministério Público limite a utilização de recomendações por parte do MPF. A Associação rechaça também as acusações de que servidores públicos estariam sofrendo assédio moral por parte de membros do MPF.
Ao contrário do que afirma a AGU, a Recomendação é um instrumento jurídico legítimo que confere transparência ao entendimento do MPF em relação à atuação de órgãos ou entidades públicas. Sua aplicação é sempre fundamentada em dados técnicos e expõe, de forma clara, as irregularidades, visando garantir a melhoria dos serviços públicos e, até mesmo, prevenir danos irreversíveis como no caso de Belo Monte. Mesmo quando se referem à atuação de órgãos públicos, são entregues aos destinatários responsáveis.
Quando utilizadas conforme fizeram os procuradores da República do Pará, as recomendações traduzem o estrito cumprimento da lei e só podem ser encaradas como ameaça por aqueles que obedecem cegamente a ordens e não à legislação vigente no país.
No caso Belo Monte, a maioria das dez recomendações feitas pelo MPF do Pará foi baseada em informações do próprio Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renovais (Ibama) e do Ministério do Meio Ambiente, tendo sido sucedidas por ações judiciais que, ao contrário do que diz a AGU, ainda estão pendentes de julgamento. As ações civis públicas decorrentes de cada uma das recomendações foram motivadas pelo descumprimento da lei que as fundamenta e não pelo desacato das recomendações em si.
A ANPR apoia e endossa o trabalho dos procuradores da República, que, por meio de recomendações, ações civis públicas e ações de improbidade, cumprem seu dever constitucional de exigir o respeito à legislação ambiental e aos direitos da sociedade brasileira.
Alexandre Camanho de Assis
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR
Com informações da AGU e ANPR.