Código Florestal: o que é melhor para o Brasil?

em 8 March, 2011


Alterar o Código Florestal agora, “quando está começando a crescer o reconhecimento mundial da importância da preservação ambiental, inclusive sob o ponto de vista econômico, seria inoportuno”, na avaliação da professora e doutora do Departamento de Direito Econômico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Oliveira Nusdeo.

Em entrevista exclusiva ao Observatório Eco, Ana Maria Nusdeo alerta que alterar o Código Florestal pode vir a “desencadear um processo de desmatamento para a produção de commodities e inviabilizar oportunidades relacionadas à ‘floresta em pé’, que tendem a se tornar mais atrativas no futuro”.

Formada em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) onde também fez o seu doutorado em Direito Econômico e Financeiro. Ela foi visiting scholar na Universidade de Wisconsin (EUA), com bolsa da Fundação Fulbright. Atualmente suas áreas de docência são o direito ambiental e econômico na mesma Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco.

De acordo com a especialista, há algum tempo o setor rural reivindica a indenização das áreas de reserva legal como uma espécie de desapropriação em razão da perda da sua utilidade econômica. “Isso custaria muito ao erário, pois seria pago aos proprietários o valor do hectare desapropriado. A conta da preservação ambiental, assim, recairia apenas sobre a sociedade”, ressalta.

Ana Maria Nusdeo defende que a mudança no Código Florestal que é discutida na Câmara Federal “não pode ser resolvida apenas no acordo político”. Em sua opinião, qualquer sugestão de mudança deve ser “definida a partir de critérios técnicos” e em hipótese alguma “legalizar maiores taxas de desmatamento, nem premiar com uma anistia aqueles que descumpriram a lei”, defende.  Veja a entrevista exclusiva que Ana Maria Nusdeo concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.

Observatório Eco: O setor produtivo agrícola afirma que existe perda financeira significativa na propriedade com a manutenção da reserva legal. E que esta perda merece uma compensação. De que forma a senhora analisa esse argumento?

Ana Maria de Oliveira Nusdeo: Há algum tempo o setor rural reivindica a indenização das áreas de reserva legal como uma espécie de desapropriação em razão da perda da sua utilidade econômica. Isso custaria muito ao erário, pois seria pago aos proprietários o valor do hectare desapropriado. A conta da preservação ambiental, assim, recairia apenas sobre a sociedade.

A jurisprudência brasileira, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, tem reiteradamente entendido que o direito de propriedade tem uma função social, de que a preservação ambiental das áreas determinadas pela lei seria uma faceta.

Realmente, toda a propriedade sofre restrições. Nenhum direito de propriedade, a exemplo da urbana e da industrial, é exercido de forma absoluta e não seria razoável que o da propriedade rural, com tantos reflexos à sociedade, o fosse.  

No entanto, têm surgido ideias e debates em torno do reconhecimento do valor dos serviços ambientais prestados pelas áreas florestais.

Muitos programas piloto estão pagando proprietários para manterem ou replantarem áreas florestais que constituem áreas de preservação permanente e reservas legais. São, sobretudo, pequenos proprietários com dificuldades financeiras em investir em mudas e mão de obra para a recomposição florestal. Há nesses projetos um equacionamento interessante quanto ao pagamento da conta ambiental, que não recai inteiramente nem na sociedade nem nesses pequenos proprietários. A questão mais complexa é quem mereceria receber. Grandes proprietários? Ou mesmo grileiros, que sequer teriam direito sobre a terra?

Aí me parece conveniente o desenho de um programa que contemplasse diferentes situações, beneficiando aqueles proprietários que venham oferecendo maior contribuição ao meio ambiente. Proprietários estabelecidos antes de alterações nos limites da reserva legal (de 50% para 80%), por exemplo, mas que cumpriam a lei ao tempo da mudança, poderiam receber algum pagamento pelo serviço ambiental de ampliação da sua reserva.

Proprietários em áreas sob pressão de desmatamento, mas com grande estoque de carbono poderiam mesmo vir a receber pagamentos provenientes do exterior, por meio de mecanismos que estão sendo desenhados no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas.

Observatório Eco: No STF (Supremo Tribunal Federal) já são duas ações que questionam a validade das regras sobre a reserva legal. Seria interessante, à exemplo, de causas emblemáticas a Corte recorrer à audiência para ouvir especialistas sobre o tema, antes de decidir?

Ana Maria de Oliveira Nusdeo: Em minha opinião, não. A matéria em questão é essencialmente jurídica. As questões técnicas existentes dizem respeito aos critérios já definidos pela lei e o Judiciário não pode alterá-los. Especialistas reconhecidos e independentes devem opinar nos projetos de lei em tramitação sobre questões ambientais, para ampla divulgação e debate na sociedade.  

Observatório Eco: Por outro lado, há grande pressão na Câmara Federal para a votação do projeto que altera o Código Florestal. Uma forma para negociar a votação dessa lei seria a diminuição do percentual de reserva legal. Uma negociação nesse sentido significa a derrota do meio ambiente, em sua opinião?

Ana Maria de Oliveira Nusdeo: Alterar a legislação agora, quando está começando a crescer o reconhecimento mundial da importância da preservação ambiental, inclusive sob o ponto de vista econômico seria inoportuno.

Afinal, poderia desencadear um processo de desmatamento para a produção de commodities e inviabilizar oportunidades relacionadas à “floresta em pé”, que tendem a se tornar mais atrativas no futuro.

Além disso, a questão não pode ser resolvida apenas no acordo político, devendo, qualquer sugestão, ser definida a partir de critérios técnicos. Quais seriam as conseqüências ambientais da redução? Em que áreas? Eventualmente, esses estudos poderiam apontar áreas cuja preservação é mais importante, estratégica do ponto de vista ecológico.

Portanto, entendo que qualquer mudança deva se pautar nesses critérios e em hipótese nenhuma legalizar maiores taxas de desmatamento, nem premiar com uma anistia aqueles que descumpriram a lei. 

Observatório Eco: Embora o Brasil possua uma vasta legislação protetiva do meio ambiente, o Código Florestal se tornou o centro das atenções, até que ponto ele realmente é significativo?

Ana Maria de Oliveira Nusdeo: O Código Florestal é uma das peças chaves da legislação ambiental brasileira, tratando de boa parte do tema florestal no país, inclusive na sua relação com a estabilidade geológica do solo e de cursos d’água, tão em voga.

Evidentemente não é a única peça. Há outras normas e até questões por disciplinar que têm grande importância para o futuro ambiental do país. Importante destacar a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal. De acordo com ele, União, Estados e Municípios podem fiscalizar condutas de impacto ao meio ambiente e realizar o licenciamento ambiental.

Há um projeto de lei para regulamentar as funções de cada um desses entes federativos que foi desvirtuado, levando a um esvaziamento das prerrogativas do IBAMA. Se isso passar pode ser tão desastroso quanto alterações radicais no Código Florestal. 




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