Unidade de conservação: maior proteção ao meio ambiente
Roseli Ribeiro em 19 August, 2010
Tuite
A lei 9.985/2000, que instituiu o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) acaba de completar 10 anos de existência e de efetiva aplicação. Para tratar do tema o Observatório Eco entrevista com exclusividade o procurador-chefe nacional, do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Daniel Otaviano de Melo Ribeiro.
A lei do SNUC, como ficou conhecida, traz vários avanços no trabalho de preservação e conservação destas unidades territoriais. “Números do Ministério do Meio Ambiente indicam que em apenas 10 anos de vigência da Lei do SNUC a área protegida mais do que dobrou, o que, a despeito de eventuais críticas dirigidas à fragilidade do Poder Público em geri-las, materializa nosso legado às futuras gerações”, ressalta o procurador.
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro é procurador federal de carreira e já ocupou os cargos de Procurador-Regional Substituto do INCRA no Distrito Federal e Entorno, Coordenador Nacional de Assuntos Territoriais de Áreas Protegidas da Procuradoria Federal Especializada junto ao IBAMA. Atualmente, também é membro titular da Câmara Especial Recursal do CONAMA.
Para o especialista, outro aspecto positivo da legislação são os benefícios econômicos que a criação destas unidades permite às populações que vivem no entrono destes parques. Segundo Daniel, “as perspectivas econômicas são enormes, considerando o grande volume de dinheiro movido pelo ecoturismo”. Entre os exemplos, temos as cidades de Foz do Iguaçu (PR), São Raimundo Nonato (PI) e Lençóis (BA). A economia local destes municípios depende diretamente dos turistas que visitam os Parques Nacionais das Cataratas do Iguaçu, da Serra da Capivara e da Chapada Diamantina. “E o melhor de tudo é que a população dessas cidades, ao trabalhar em parceria com o Poder Público, demonstra que é possível aliar conservação e desenvolvimento”, avalia.
Na avaliação de Daniel Otaviano de Melo Ribeiro, a legislação do SNUC ainda pode avançar muito mais e reconhece que “ainda existam muitos locais com características naturais relevantes desprovidos da proteção conferida pela Lei do SNUC”. Contudo ele ressalta que o “foco principal deve ser a implementação das unidades de conservação já existentes”. Veja a íntegra da entrevista concedida ao Observatório Eco.
Observatório Eco: O que é uma unidade de conservação? De que maneira ela é criada e gerenciada? Quem é responsável pela proteção deste espaço?
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro: Sintetizando a definição legal, unidade de conservação é um espaço territorial, com características naturais relevantes, submetido a um regime especial de administração com vistas à sua conservação. A lei afirma, de forma genérica, que as unidades de conservação são criadas pelo Poder Público.
Contudo, embora existam unidades de conservação instituídas por lei e até mesmo por atos do Poder Judiciário, o mais acertado é que sejam criadas por meio de decreto. Isso porque a gestão dessas áreas pressupõe a construção de toda uma estrutura administrativa apta a dar suporte aos seus objetivos, o que, por ser muito dispendioso, deve ser objeto de um planejamento prévio.
Na prática, as unidades de conservação são unidades administrativas dos órgãos aos quais se vinculam, dotadas de sede, chefe, servidores e pessoal de apoio. Esses agentes públicos, juntamente com as forças policiais, representam a guarda avançada responsável pela proteção das unidades de conservação. Institucionalmente, União, Estados e Municípios possuem órgãos ou entidades aos quais foi atribuída a competência de gerir as unidades de conservação criadas em suas respectivas esferas.
No plano federal, foi criada, em 2007, uma autarquia específica para executar a política nacional de unidades de conservação da natureza, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, também conhecido como ICMBio. A criação de órgãos e entidades por parte do Poder Público, entretanto, não retira da sociedade a obrigação de zelar e cuidar dessas áreas. A própria Constituição impõe expressamente à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente.
Observatório Eco: Quais os reflexos sócio-ambientais da lei do SNUC? De que maneira a população no entorno de uma unidade de conservação é beneficiada com a implantação deste tipo de projeto?
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro: Até a Lei do SNUC, nenhuma lei brasileira definia o conceito de unidade de conservação, o que dificultava sobremaneira a gestão e as ações do Poder Público para implementar essas áreas protegidas.
Com o advento da Lei na forma de sistema, uniformizando conceitos e englobando, além da União Federal, Estados e Municípios, os avanços foram enormes. Números do Ministério do Meio Ambiente indicam que em apenas 10 anos de vigência da Lei do SNUC a área protegida mais do que dobrou, o que, a despeito de eventuais críticas dirigidas à fragilidade do Poder Público em geri-las, materializa nosso legado às futuras gerações.
Embora todos se beneficiem da criação de unidades de conservação, não restam dúvidas de que os maiores favorecidos são as populações que vivem em seu entorno. As perspectivas econômicas são enormes, considerando o grande volume de dinheiro movido pelo ecoturismo.
Cito como exemplo as cidades de Foz do Iguaçu (PR), São Raimundo Nonato (PI) e Lençóis (BA), cujas economias dependem diretamente dos turistas que visitam os Parques Nacionais das Cataratas do Iguaçu, da Serra da Capivara e da Chapada Diamantina. E o melhor de tudo é que a população dessas cidades, ao trabalhar em parceria com o Poder Público, demonstra que é possível aliar conservação e desenvolvimento.
Observatório Eco: Existe também a possibilidade de exploração sustentável desta área protegida? De que forma?
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro: Sim, e essa clareza é outro grande avanço trazido pela Lei do SNUC, que dividiu as unidades de conservação em dois grandes grupos: as de proteção integral e as de uso sustentável. Os recursos naturais destas últimas podem ser objeto de uso direto, desde que em patamar sustentável do ponto de vista ambiental.
Algumas categorias de unidade, inclusive, como as reservas extrativistas e as florestas nacionais, são áreas que, além de um viés conservacionista, possuem verdadeira vocação para a exploração de seus recursos em bases sustentáveis, sendo a primeira voltada à coleta e à extração de produtos naturais, enquanto que a segunda à exploração de recursos florestais.
Observatório Eco: Qual a tramitação dentro do ICMBio para que seja autorizada a criação de uma unidade de conservação e permitida a exploração sustentável dela? De que forma são controlados esses processos e avaliados?
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro: Compete ao ICMBio, no plano federal, toda a parte técnica e burocrática necessária à criação de unidades de conservação. Após esses trâmites, concluindo pela possibilidade de criação da unidade de conservação, o Presidente do ICMBio encaminha a proposta ao Ministério do Meio Ambiente que, por sua vez, encarrega-se de remetê-la ao Presidente da República para a edição de um decreto. O processo de criação, entretanto, pode ser deflagrado tanto pela própria autarquia quanto pela sociedade civil.
A exploração sustentável dos recursos naturais de uma unidade de conservação é precedida, em regra, de estudos técnicos que determinam os locais e a forma como essa exploração pode ser realizada.
Os dados oriundos desses estudos são compilados num documento de observância obrigatória, denominado Plano de Manejo. Além do Plano de Manejo, compete ao ICMBio, como detentor do poder de polícia para a proteção das unidades de conservação federais, controlar e fiscalizar a forma como essa exploração está sendo realizada.
Observatório Eco: São 10 anos desta legislação, existe um bom aproveitamento deste sistema jurídico, ou poderia ser maior? O que impede o avanço no número de criação de novas unidades?
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro: Eu diria que, para o sistema funcionar em sua plenitude, é necessário um engajamento maior de Estados e, principalmente, dos Municípios, afinal, segundo a Constituição Federal, a proteção ao meio ambiente é competência comum de todos os entes da Federação.
Entretanto, embora ainda existam muitos locais com características naturais relevantes desprovidos da proteção conferida pela Lei do SNUC, eu diria que o foco principal deve ser a implementação das unidades de conservação já existentes, principalmente no que se refere ao seu passivo fundiário.
Observatório Eco: O que pode ser aperfeiçoado, em termos desta legislação em específico, para a preservação dos biomas no Brasil?
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro: Embora tenha representado um enorme avanço na proteção ao meio ambiente, a Lei do SNUC peca ao não disciplinar da forma devida a situação que precede a consolidação territorial das unidades de conservação, especialmente no que tange às bases de convivência entre os proprietários ainda não indenizados de imóveis localizados em seu interior e o órgão responsável pela sua gestão.
Essa ausência de regras claras gera um desgaste na relação entre as duas partes, fazendo com que o proprietário ou ocupante figure como inimigo do meio ambiente e os órgãos ambientais como intransigentes e autoritários, projeções que na maioria das vezes não correspondem à verdade.
Como a Lei do SNUC parte de um plano ideal, não se imiscuindo suficientemente na real situação das unidades de conservação, as saídas para sua operacionalização baseiam-se em interpretações jurídicas, o que fragiliza o sistema e fomenta a judicialização de questões que poderiam ser resolvidas no âmbito administrativo.
Observatório Eco: De que forma a sociedade pode atuar para garantir o sucesso da implantação de mais unidades de conservação?
Daniel Otaviano de Melo Ribeiro: Grande parte das diretrizes que regem o SNUC, estabelecidas no artigo 5º da lei que o instituiu, atentam para a importância da efetiva participação da sociedade na política nacional de unidades de conservação.
Exemplo prático desse traço democrático são os conselhos de que dispõem as unidades de conservação, que são constituídos por representantes de órgãos públicos, das populações do entorno e da sociedade civil em geral. Com relação à implantação dessas áreas protegidas, não são poucos os exemplos de unidades de conservação criadas em razão de demandas da sociedade. O apoio popular é crucial nesse processo.
Fabiana Trindade de Melo, 14 anos atrás
Parabéns pela entrevista. Essa lei realmente completa 10 anos de plena aplicação.
Parabéns também ao entrevistado, o procurador-chefe nacional do ICMBio, Daniel Ribeiro, tratou do assunto de forma plena, abordando os aspectos positivos e os mínimos aspectos negativos da Lei.
Espero que depois de 10 anos de existência dessa Lei haja uma mobilidade maior para minimizar a fragilidade da lei. A falta de regras claras(como bem disse o Procurador) deixa de solucionar a questão da situação das propriedades no período referente à criação da unidade e a efetivação da desapropriação.
Gostei muito da parte da entrevista quando o Procurador falou que “…essa ausência de regras claras gera um desgaste na relação entre as duas partes, fazendo com que o proprietário ou ocupante figure como inimigo do meio ambiente e os órgãos ambientais como intransigentes e autoritários, projeções que na maioria das vezes não correspondem à verdade. ”
Parabéns a TODOS!!
erika pires ramos, 14 anos atrás
Prezado Daniel,
Parabéns pela entrevista e pela competente atuação no ICMBio.
Grande abraço,
Erika Pires Ramos
Mario Perrucci, 14 anos atrás
O grande problema na criação de uma unidade de conservação é que apenas assina-se um decreto criando a unidade, como se vê assinar um decreto e publicá-lo é muito simples, e todos ficam bem na foto, como se realmente estivessem protegendo o meio ambiente. Em seguida, a lei prevê a elaboração do plano de manejo em 5 anos após a sua criação, via de regra nada é feito. A lei de desapropriações exige que todas as propriedades existentes no perímetro sejam notificadas. Nada disso é feito. Decorridos 5 anos, a declaração de domínio público caduca e as propriedades, de acordo com o Estatuto da Cidade passam a ser território do Município envolvido. Por esse descumprimento da lei, o Ministério Público nada faz.Nesse momento começam as arbitrariedades da polícia ambiental, aplicando constrangimento aos proprietários., muitos abandonam suas terras, que acabam ficando de graça para o Estado e outros continuam sendo vítimas de multas ambientais e processos de crime ambiental, apesar de estarem apenas exercendo a função social da propriedade prevista no art. 186 da CF. Assim vão se criando os parques de papel, como exemplo Itatiaia , Bocaina e Serra do Mar. Não há verbas para desapropriações, para a manutenção das unidades, sendo certo que no Brasil 50% dos parques estão fechados, entretanto, cria-se uma enorme estrutura burocrática que no fim beneficia apenas os funcionários envolvidos. Passa longe o princípio da eficiência consagrado na CF.Referidas unidades esperam por décadas sua regularização fundiária.É um verdadeiro faz de conta que protege-se a natureza agindo os orgãos públicos na maioria das vezes de forma irresponsável.