Promotor luta em defesa das veredas, o oásis do sertão
Roseli Ribeiro em 4 August, 2010
Tuite
A literatura representada pelo clássico Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, a exuberância e força de um bioma com características intrigantes, a presença do majestoso Rio São Francisco, a poluição e o desmatamento são os ingredientes que mobilizam o promotor de Justiça, Paulo Cesar Vicente de Lima, a usar a consciência ambiental junto à população local como seu maior aliado pela preservação desta região de veredas, ou como ele gosta de definir o “oásis do Sertão”.
Paulo Cesar Vicente de Lima atua como promotor público há dez anos na região do Norte de Minas Gerais e revela que até hoje não tem notícia “de nenhuma vereda degradada que foi recuperada, alguns técnicos sinalizam que não é possível a recuperação, outros dizem que isto poderia ocorrer em cerca de 100 anos. Essa dificuldade de recuperação e a fragilidade do ambiente tornam ainda mais preocupante este quadro”.
Para enfrentar essa situação o promotor foi em busca de parcerias e com a Unimontes, UFMG/ICA e Fundação Santo Agostinho surgiu o “Programa Vereda Viva”, que objetiva o resgate deste passivo ambiental e enfrentamento deste quadro desolador. “Este programa está internalizado na extensão dessas universidades e realizamos diversos seminários e alguns projetos relacionados à educação ambiental e levantamentos florísticos e socioambientais, na verdade conhece-se ainda muito pouco este importante ambiente”, explica
O especialista aponta também que a legislação brasileira e as políticas públicas relacionadas “à proteção das veredas são inócuas ou inexistentes”. Ele explica que as veredas acabam sendo tratadas como “meras” áreas de preservação permanente e “são muito mais do que isto, são a verdadeira caixa d’água do Cerrado”.
Paulo Cesar Vicente de Lima adverte que o Ministério Público e as universidades da região estão se esforçado para encontrar um caminho para a preservação deste rico bioma, “mas mesmo manejando todos os instrumentos tradicionais e atuando como coordenador do “Programa Vereda Viva”, o que sentimos é que estamos perdendo a batalha”.
Para o promotor, se não houver um engajamento geral, sobretudo dos poderes Executivo e Legislativo para a efetiva implantação de políticas públicas voltadas à preservação das veredas e de apoio aos pequenos “veredeiros”, para que esse ambiente seja mais bem conhecido e protegido, “em breve a desertificação vicejará e não teremos mais por onde trilhar para conhecer o incrível ambiente descrito por Guimarães Rosa”. Veja a entrevista que Paulo Cesar Vicente de Lima concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: Quais os problemas que a região de veredas enfrenta atualmente? Por que a conservação da região inspira preocupação?
Paulo Cesar Vicente de Lima: Inicialmente gostaria de destacar que a área de atribuição das Promotorias que coordeno no Norte de Minas Gerais abrange grande parte das áreas retratadas por Guimarães Rosa em seu Grande Sertão Veredas.
Há veredas de vários tipos, mas uma coisa todas tem em comum, são verdadeiros “oásis do Sertão”, pois acumulam água durante o curto período chuvoso e vão liberando-a aos poucos durante a estiagem. São refúgio da fauna, verdadeiros corredores ecológicos e responsáveis pela formação de vários afluentes mineiros do São Francisco.
Em razão da importância desse ambiente em 2005 realizamos uma grande operação na região, e visitamos cerca de 30 veredas em pelo menos 10 municípios. A situação é realmente muito preocupante, praticamente todas as veredas visitadas estavam em processo de assoreamento e rumo à desertificação. Isto em razão de grandes passivos ambientais decorrentes de políticas públicas equivocadas como o PRÓ-VARZEA, e FISET, programas do governo federal que há décadas incentivou a drenagem de veredas para favorecer a agricultura e o plantio de grandes áreas de reflorestamento na região, centenas de veredas foram extintas.
Durante a operação realizada esta situação foi confirmada. Foram feitos vários laudos que se tornaram inquéritos civis públicos em diversas comarcas, alguns já convolados em Termos de Ajustamento de Conduta.
Outro problema também sério é a situação dos chamados “veredeiros”, populações de pequenos agricultores, que por falta de alternativa ocupam as áreas de veredas com a agricultura familiar, utilizam fogo e acabam por destruir aos poucos este maravilhoso ambiente.
Em razão deste quadro criamos em parceria com a UNIMONTES, UFMG/ICA e Fundação Santo Agostinho o “PROGRAMA VEREDA VIVA”, que objetiva o resgate deste passivo ambiental e enfrentamento deste quadro desolador. Este programa está internalizado na extensão dessas universidades e realizamos diversos seminários e alguns projetos relacionados à educação ambiental e levantamentos florísticos e socioambientais, na verdade conhece-se ainda muito pouco este importante ambiente.
Certo é que atuando na região do Norte de Minas há quase 10 anos, não temos notícia de nenhuma vereda degradada que foi recuperada, alguns técnicos sinalizam que não é possível a recuperação, outros dizem que isto poderia ocorrer em cerca de 100 anos. Essa dificuldade de recuperação e a fragilidade do ambiente tornam ainda mais preocupantes este quadro.
Acontece que nossa legislação e as políticas públicas relacionadas à proteção das veredas são inócuas ou inexistentes. Na verdade as veredas acabam sendo tratadas como “meras” APP´s e são muito mais do que isto, são a verdadeira caixa d’água do Cerrado.
O Ministério Público e as universidades da região estão se esforçado para encontrar um caminho para a preservação, mas mesmo manejando todos os instrumentos tradicionais e atuando como coordenador do “PROGRAMA VEREDA VIVA,” o que sentimos é que estamos perdendo a batalha.
Se não houver um engajamento geral, sobretudo do executivo com a efetiva implantação de políticas públicas voltadas à preservação das veredas e ao apoio aos pequenos “veredeiros”, bem como do legislativo no sentido de melhor conhecer este ambiente buscando a alteração da legislação para dar-lhe o valor adequado, em breve a desertificação vicejará e não teremos mais por onde trilhar para conhecer o incrível ambiente descrito por Guimarães Rosa.
Observatório Eco: Recentemente, o senhor fez um trabalho sobre a região do entorno do Rio São Francisco, quais as suas conclusões?
Paulo Cesar Vicente de Lima: Atuamos na região do Norte de Minas nas Sub-bacias do Rio Verde Grande e Rio Pardo de Minas, as conclusões que chegamos é que temos problemas gravíssimos para serem enfrentados, mas eu sou absolutamente otimista. Temos alguns bons exemplos como o investimento que está sendo feito no tratamento de esgotos nos municípios ribeirinhos, e alguns pequenos projetos de recuperação de bacias hidrográficas.
Mas a situação do assoreamento decorrente da ausência de APP e de grandes erosões é patente, vimos recentemente cidades ficarem isoladas em razão de dificuldades das balsas de atravessarem o Rio, devido ao grande volume de areia acumulada.
Na verdade não há uma preocupação ou atuação específica no combate a este tipo de degradação. Há uns três anos vivemos problemas sérios em razão da qualidade da água. Primeiro surgiram as cianobactérias que proliferaram por grandes extensões da calha do Velho Chico, depois a mortandade de centenas de toneladas de peixes em razão da contaminação do Rio por metais pesados. Além disso, as lagoas marginais, onde há a reprodução dos peixes, são pouco estudadas e não há nenhum projeto abrangente tendente à sua proteção.
Observatório Eco: O senhor avalia que as áreas de preservação permanente já não podem resguardar as margens do rio São Francisco?
Paulo Cesar Vicente de Lima: Como disse anteriormente há grandes APP´s e veredas que não existem mais. Particularmente entendo que o Código Florestal atual é uma legislação que se cumprida poderia contribuir para resguardar as águas da calha do Velho Chico no que diz respeito às APP.
Mas temos uma pressão muito forte pelo desmatamento para produção de carvão, principalmente por parte de algumas siderúrgicas. Assim surgiu na região a chamada “máfia do carvão”, são pessoas que corrompem servidores públicos, forjam licenças ambientais e fomentam o desmate e produção ilegal de carvão, pagam preço vil ao pequeno produtor que tem que desmatar cada vez áreas maiores e recebem, muitas vezes, através de cestas básicas, além de serem obrigados a utilizarem mão de obra infantil para produção. Apenas uma minoria ganha dinheiro. Para se ter uma idéia, em operação no ano de 2009, identificamos determinada quadrilha que havia transportado perto de 10 mil caminhões de carvão ilegal para as siderúrgicas, o preço da nota fiscal falsa gira em torno de R$ 2 mil, assim podemos ter uma idéia dos lucros astronômicos que este pessoal tem, à custa das veredas degradadas, APP´s do São Francisco desmatadas e do trabalho infantil.
Observatório Eco: De que forma as políticas de conservação devem ser implantadas no país?
Paulo Cesar Vicente de Lima: Na nossa concepção qualquer política de conservação deve ser implantada embasada no tripé, transparência, envolvimento das esferas locais de decisão (Conselhos Municipais de Meio Ambiente) e combate às desigualdades.
O que acontece muitas vezes é que os sujeitos locais não são ouvidos, ou é ouvida apenas uma parcela com outros interesses, que não a sustentabilidade, por isso a importância do envolvimento dos colegiados locais.
Observatório Eco: O Ministério Público já se transformou em uma instituição que potencializa o desenvolvimento sustentável?
Paulo Cesar Vicente de Lima: O Ministério Público com o perfil atual tem quase 22 anos (CF/88), o conceito de desenvolvimento sustentável, embora muito utilizado, é considerado por alguns um “verdadeiro saco sem fundo”, pois manipulado de acordo com os interesses de quem o maneja.
Na nossa concepção então o desenvolvimento sustentável seria aquele que pudesse conciliar o tradicional tripé: ótimos resultados econômicos, ótimos resultados sociais e ambientais. Entendemos também que quem deve estabelecer o que seria esta sonhada sustentabilidade, são os sujeitos locais, ou seja, quem vive o dia a dia da degradação é quem estaria apto a dizer o que é melhor para garantir sua boa qualidade de vida e das futuras gerações.
O Ministério Público Mineiro deu um passo interessante neste sentido ao criar as chamadas “Promotorias do São Francisco”, ou seja, somos quatro promotores coordenadores com exclusividade para proteção das sub-bacias do Velho Chico, assim houve um avanço no sentido de superar a ficção das comarcas e as questões ambientais puderam ser tratadas a partir de uma perspectiva natural, isto é, a bacia hidrográfica passou a ser o território a ser protegido.
“Minas são muitas”, no caso específico da coordenadoria do Norte de Minas, pelas suas características, baixa disponibilidade hídrica, sérios conflitos pelo uso da água, grandioso passivo ambiental, verificamos que os instrumentos tradicionais de atuação do MP não eram suficientes para contribuir para eficácia social do direito humano ao desenvolvimento sustentável.
A partir de diagnósticos e de uma articulação interinstitucional com universidades, chegamos à conclusão da necessidade de estabelecer novas formas de atuação. Escolhemos então os projetos socioambientais como nova forma de atuação do Ministério Público. Foram estabelecidas metas e para alcançar cada uma, elaborado um projeto, que tem um professor coordenador científico.
Os projetos tornaram-se programas e hoje temos o “PROGRAMA VEREDA VIVA”, que objetiva o resgate do passivo ambiental em veredas. O “PROGRAMA RAÍZES”, que objetiva o resgate do passivo ambiental decorrente do reflorestamento. “PROGRAMA NOVAS FRONTEIRAS”, que objetiva a utilização de novas tecnologias no monitoramento dos recursos naturais. “PROGRAMA PLANTANDO ÁGUA”, que tem por finalidade a recuperação de nascentes e sub-bacias hidrográficas e o “PROGRAMA DE GESTÃO MUNICIPAL AMBIENTAL” que tem por finalidade a estruturação dos sistemas municipais de meio ambiente.
A toda evidência o Ministério Público não tem o desejo de ser o protagonista na busca da sustentabilidade, o que estamos fazendo é, buscando novos instrumentos e manejando-os de forma que possamos dar a nossa contribuição para eficácia social deste essencial direito à sustentabilidade. Os programas já começam a dar alguns resultados, foram construídos com recursos de indenização ambiental decorrente de passivos ambientais, cerca de 6000 bacias de captação de águas de chuvas, proporcionando a recuperação de dezenas de nascentes e beneficiando milhares de famílias; estão em pleno funcionamento 55 Conselhos municipais de Meio Ambiente, de um total de 89 municípios. Há avanços, estamos buscando novos caminhos. Todos os programas possuem como base um elemento essencial para sustentabilidade que é a confiança.
Com os programas, pretende-se aproximar o Ministério Público dos sujeitos locais, para que possa ser o garante da transformação social. A confiança é elemento essencial para a formação de “Capital Social”, conceito consagrado como importante para o desenvolvimento sustentável. Todos os programas então buscam a formação e potencialização do capital social existente, fortalecendo-se assim a atuação em rede, os laços de reciprocidade e solidariedade.
Entendemos que estamos contribuindo sim para o desenvolvimento sustentável, mas não agimos sozinhos, estamos simplesmente tentando plantar a semente da sustentabilidade, ou melhor, potencializando o capital social, ou ainda, mantendo e fortalecendo os laços de confiança entre as pessoas e instituições.
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Prof. Fabiano Pereira, 14 anos atrás
Parabéns ao Promotor Paulo César Vicente de Lima e a toda equipe de professores e pesquisadores do NIEA pelo importante trabalho desenvolvido em prol de nossas veredas.
A conscientização ambiental das populações que se beneficiam diretamente dos recursos naturais existentes nas veredas é essencial para a preservação, primando-se por uma utilização sustentável, quando possível.
Todavia, esse trabalho de concientização não é fácil e realmente deve partir de profissionais que detém conhecimentos científicos para demonstrar a importância deste ecossistema para a própria sobrevivência de nosso cansado Rio São Franscisco.
Giane, 14 anos atrás
Realmente, trata-se do vale do Jequitinhonha também.Essa região por estar escondida e esquecida de certa forma, acaba sendo alvo para exploração de diversas formas, como já citado na entrevista acima, a produção do carvão, e o desmatamento de lugares próximos as nascentes de pequenos córregos.E o pior, a mão-de-obra barata e necessitada de muitos acabam sendo presas fáceis, pois, precisam e desconhecem os prejuízos que podem causar a este ambiente, tão importante, mas ao mesmo tempo tão desprestiagiado.
Rubens Rodrigues Veloso, 14 anos atrás
Essa demonstração de consciência e percepção dos enormes problemas ambientais de nossa região, só confirma o promotor Paulo César como agente público comprometido e uma voz indispensável para a sensibilização e mobilização de nossa sociedade regional, na luta pelo salvamento dos recursos naturais que ainda nos restam. Parabens!
Rubens Rodrigues Veloso
Funcionário público municipal e conselheiro do Codema
Damastor Alves de Souza, 14 anos atrás
Também quero dar a minha contribuição na preservação das veredas em meu município.Quero saber como consequir parceiros para indenticação e formas de junto aos pequenos produtores rurais buscarmos a sua preservação para esta e as futuras gerações.
BRASIL ATUAL » Promotor luta em defesa das veredas, o oásis do sertão!, 14 anos atrás
[...] Veja entrevista completa: http://www.observatorioeco.com.br/index.php/promotor-luta-em-defesa-das-veredas-o-oasis-do-sertao/ [...]