Desafios da advocacia ambiental no Brasil
Roseli Ribeiro em 11 August, 2010
Tuite
Aquele que deseja advogar na área ambiental não deve esperar uma rotina monótona, questões repetitivas ou respostas mecânicas. Quem já atua neste segmento tem a certeza de que a gama de assuntos que a área proporciona permite ao profissional estar sempre em contato com novos temas e questões ainda não sedimentadas pela jurisprudência.
Estar preparado para lidar com processos de licenciamento ambiental, realizar reuniões com a sociedade civil, organizações não governamentais, tratar com o Poder Público, com os comitês de bacia hidrográfica, conselhos municipais e estaduais de meio ambiente são apenas alguns exemplos do que o mercado exige deste advogado.
Atuar em projetos de média e longa duração, na área de infraestrutura, analisar contratos, relatórios ambientais jurídicos, além das questões mais pontuais, da rotina das empresas que exercem atividade produtiva com impacto ambiental, exigem do advogado o contato com profissionais de outras áreas, por exemplo, engenheiros, biólogos e geólogos, graças ao caráter de transversalidade do direito ambiental.
Para conhecer os desafios do segmento ambiental o Observatório Eco, com exclusividade, entrevistou Gabriela de Azevedo Marques e Fabrício Soler, especialistas na área ambiental e advogados do Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade do escritório Felsberg e Associados.
Gabriela de Azevedo Marques é formada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e participante do programa ambiental da Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Fabrício Soler é especialista em Gestão Ambiental pela USP, pós-graduado em Negócios do Setor Energético também pela USP e tem MBA Executivo em Infraestrutura pela Escola de Economia da FGV. É professor de cursos de pós-graduação e responsável pela Câmara Paulista de Compensação de Emissões Atmosféricas.
Nesta entrevista, além de desvendar os caminhos da advocacia ambiental, Gabriela de Azevedo Marques e Fabrício Soler antecipam as tendências e os rumos de sustentabilidade que serão exigidos do Brasil nos próximos anos. Veja a entrevista concedida ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: Dentro da sua experiência de trabalho, qual a melhor forma de lidar com o passivo ambiental de uma empresa?
Gabriela de Azevedo Marques: O conceito de passivo vem da ciência da contabilidade. A contabilidade ambiental é o estudo do patrimônio ambiental (bens, direitos e obrigações ambientais) das entidades, buscando revelar os eventos ambientais que causam modificações na situação patrimonial da empresa, bem como realizar sua identificação, mensuração e evidenciação.
Passivo ambiental pode ser resumido como toda agressão que se praticou no passado ou que se pratica atualmente contra o meio ambiente e consiste no valor de investimentos necessários para reabilitá-lo, englobando também o valor de multas e indenizações em potencial. Simplificando, passivo ambiental é um conjunto de obrigações de uma empresa ou indivíduo relacionado ao campo ambiental. Via de regra, as obrigações resultam de uma exigência legal, como a obrigação de remediar uma área contaminada ou de reparar um dano ambiental e o custo da remediação ou reparação representa o montante do passivo ambiental.
A melhor forma de lidar com um passivo, quando uma empresa puder eventualmente gerar um passivo, ainda é a gestão ambiental preventiva, ou seja, a adoção de critérios e cuidados ambientais no planejamento, implantação, operação e desativação de empreendimentos, utilizando-se de ferramentas como avaliação prévia de impactos, programas de conscientização, formação e treinamento de mão de obra especializada, ações constantes de monitoramento ambiental, inspeções, auditorias e ações corretivas, como medidas de reparação ou compensação por danos ambientais, normalmente, precedida de um plano aprovado pelas autoridades ambientais.
Já em casos em que uma determinada empresa puder adquirir um passivo ambiental, a estratégia deve ser de precaução, adotando-se cuidados e critérios na aquisição de imóveis e ativos, mediante a realização de auditorias due diligence para investigar e avaliar os passivos, levantamento histórico dos usos do imóvel, análise das licenças ambientais, suas condicionantes, existência de TACs etc.
Observatório Eco: Já aconteceu do cliente ser surpreendido com uma estimativa de passivo ambiental e descobrir que esse montante era bem maior? Como agir nesse momento?
Gabriela de Azevedo Marques: Sem dúvida que a maior dificuldade está em se calcular um passivo ambiental efetivo. Felizmente nunca atuamos em um caso em que o passivo ambiental tenha sido subestimado, já que somos bastante criteriosos e rigorosos em nossa avaliação, contando sempre com equipe técnica especializada quando necessário.
Nesse momento o que deve ser feito é buscar alguma solução jurídica viável dentro da estruturação específica do negócio, quando possível, e adotar as medidas corretivas e de reparação cabíveis, dentro de um plano aprovado pela autoridade ambiental competente.
Observatório Eco: Outro problema enfrentado pelos escritórios são os embargos em empreendimentos de infraestrutura, por exemplo, qual a linha de defesa que geralmente é adotada?
Fabricio Soler: Inicialmente, para qualquer defesa judicial, ainda mais na área ambiental, é indispensável estar atento e acompanhar a sistemática publicação de instrumentos legais e normativos com interface nos empreendimentos de infraestrutura, a exemplo de Leis e Decretos federais, estaduais e municipais, além de Portarias, Instruções Normativas, Normas Técnicas e Resoluções de órgãos como o Ministério do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da Agricultura, Secretaria de Portos, Conama, Ibama, ICMBio, Iphan, Incra, Agência Nacional de Águas, Fundação Cultural Palmares, FUNAI, ANTAC, ANTT, ANAC, Infraero, Secretaria do Patrimônio da União, Secretarias e Conselhos estaduais e municipais de meio ambiente, autarquias de recursos hídricos, entre tantos outros.
Dessa forma, observado o princípio constitucional da legalidade, que deve nortear todo o procedimento de licenciamento ambiental e a respectiva operação de atividades estruturantes, deve-se passar à identificação, quando possível, do fator indutor do embargo. Tal fator pode estar atrelado a posicionamentos ideológicos, diante da complexidade das questões ambientais, por vezes controversa, polêmica e multidisciplinar, bem como relacionado a eventuais interesses escusos e inconfessáveis, ou de ocasião, o que demanda extrema cautela na sua avaliação.
Desenhado esse cenário, deve-se passar à desconstrução fundamentada dos argumentos que embasaram o embargo. De forma geral, inobstante as linhas de defesa que variam caso a caso, observa-se que a sustentabilidade é diretriz uniforme que tem permeado as ações judiciais, uma vez que o respeito ao meio ambiente deve caminhar de mãos dadas com o desenvolvimento econômico. Nesse sentido, depreende-se que esse tipo de situação pode envolver questões relacionadas à ofensa da ordem administrativa, bem como representar grave lesão à economia pública, frente ao comprometimento do planejamento setorial do Governo, ao afrontamento da segurança jurídica, ao custo econômico e à credibilidade do Brasil como país capaz de atrair os investimentos em infraestrutura necessários para sustentar o crescimento sustentável de sua economia.
Observatório Eco: De que maneira a jurisprudência revela como essas questões são travadas nos tribunais?
Fabricio Soler: Os Tribunais Superiores demonstram engajamento no debate e na construção jurisprudencial sobre meio ambiente, a exemplo da criação de Câmaras Especializadas e da recente iniciativa do Superior Tribunal de Justiça, que será o primeiro tribunal do mundo a disponibilizar sua jurisprudência no “Portal Judicial Ambiental”, coordenado pela Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
No entender do STJ, o tribunal tem se transformado em peça fundamental na proteção jurídica do meio ambiente no Brasil, com mais de mil decisões de mérito sobre os mais variados temas do Direito Ambiental e sobre todos os biomas brasileiros, como floresta amazônica, mata atlântica, pantanal, cerrado, caatinga e zona costeira.
Soma-se ao empenho dos Tribunais a inovação trazida pela jurisprudência, que agora tem admitido a inversão do ônus da prova em casos de atividades que respondam por eventuais danos ambientais, o que implica dizer que compete ao próprio acusado, suposto poluidor, provar que sua atividade não enseja riscos à Natureza.
Também conforme o STJ, esse entendimento está baseado na ideia de que, “quando o conhecimento científico não é suficiente para demonstrar a relação de causa e efeito entre a ação do empreendedor e uma determinada degradação ecológica, o benefício da dúvida deve prevalecer em favor do meio ambiente – o que se traduz na expressão in dubio pro ambiente, ou interpretação mais amiga da natureza.”
Diante da interdisciplinaridade e dinâmica evolutiva do Direito Ambiental, indispensável destacar a hermenêutica, ao permitir a interpretação do ordenamento jurídico-ambiental – o que deve ocorrer conjugando-se ensinamentos de engenharia, química, biologia, ecologia, antropologia, dentre outras disciplinas – dando-lhe um significado que, às vezes, não foi o almejado pelo próprio legislador.
Para tanto, deve-se observar como diretriz mandamental o principio 01 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o qual estabelece que os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável, bem como o artigo 225 da Constituição Federal Brasileira, que assegura destaque ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Observatório Eco: A ONU escolheu 2010 como o ano da biodiversidade, qual a percepção acadêmica, na área ambiental quando o tema é biodiversidade? Como essa questão se revela no dia-a-dia de um grande escritório, por exemplo?
Gabriela de Azevedo Marques: A escolha da ONU pela biodiversidade revela a importância do tema, uma iniciativa para chamar a atenção da sociedade mundial para o assunto, que, junto com a questão climática, é uma questão global que afeta a todos nós, tratada em uma convenção multilateral de extrema importância – a Convenção sobre a Diversidade Biológica, cujo texto foi adotado em Nairobi, em 22 de maio de 1992, e trata pela primeira vez da conservação da diversidade biológica do planeta e do uso sustentável de seus componentes de uma forma abrangente e não setorial, daí a importância acadêmica do tema.
A convenção alcança tamanha amplitude que não se dedica apenas à conservação da diversidade biológica nos seus aspectos selvagens in situ, mas estende-se também à conservação ex situ e de espécies domésticas. Considera o uso racional dos recursos biológicos e a forma do acesso aos recursos genéticos e às tecnologias relevantes, incluindo a biotecnologia; trata do acesso aos benefícios derivados desta tecnologia, além da segurança das atividades relacionadas aos organismos geneticamente modificados e dos recursos e mecanismos financeiros.
Em linhas gerais, a inovação da Convenção sobre a Diversidade Biológica consiste em reconhecer, de maneira inequívoca, a soberania dos países sobre a sua riqueza biológica. Submeter o acesso aos recursos genéticos, que deverá ser feito de comum acordo, à obtenção de consentimento prévio fundamentado da parte provedora dos recursos. Estipular que os benefícios (comerciais ou não) oriundos da utilização da biodiversidade e/ou de conhecimentos tradicionais a ela associados devem ser repartidos de maneira justa e eqüitativa com a parte provedora desses recursos, e estipular que a referida repartição deverá ser feita por meio de termos mutuamente acordados.
No Brasil, a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, trata especificamente do tema, regulando o acesso, dentro do território nacional, a componente do patrimônio genético e o acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético. Regula também a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração comercial de componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado, além do acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica.
Na prática, a MP define os direitos e deveres do “acessante”, do “provedor de recursos genéticos”, das instituições nacionais de pesquisa, das universidades nacionais. Prevê novos instrumentos jurídicos, como a Autorização de Acesso e de Remessa, o Termo de Transferência de Material, o Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios, tendo criado o CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) como órgão de caráter deliberativo e normativo. Assim, dentro de um grande escritório com clientes na área de fármacos, cosméticos, instituições de pesquisas privadas, pesquisas de ponta em biotecnologia, é sem dúvida um campo fértil que irá demandar cada vez mais trabalho e conhecimento especializado no assunto.
Observatório Eco: De que forma os critérios de sustentabilidade são colocados em prática na produção do etanol? De que forma o advogado ambiental participa da adoção destas práticas?
Fabricio Soler: Nos últimos anos, temos assistido à propagação de iniciativas regionais, nacionais e, principalmente, internacionais, no sentido de formatar o regime de certificação da sustentabilidade do etanol, em especial em virtude de seu potencial no combate às alterações climáticas.
Diante da farta opção de propostas que visam à sustentabilidade do etanol, cumpre mencionar tão somente algumas medidas nesse sentido, como o Relatório de Sustentabilidade da Global Reporting Initiative (GRI); a Mesa Redonda sobre Biocombustíveis Sustentáveis (MRBS), iniciativa do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Lausanne (EPFL); a Better Sugarcane Initiative (BSI), com sede em Londres, é um fórum de diálogo internacional entre produtores, traders, redes varejistas, ONGs e investidores, que estão empenhados na produção sustentável de açúcar e etanol; a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por meio da instalação da Comissão de Estudo Especial de Sustentabilidade para Biocombustível (ABNT/CEE-128); entre outras.
Recentemente, nessa mesma linha, a Comissão Européia aprovou um documento com critérios que visam a garantir que apenas sejam utilizados biocombustíveis sustentáveis, certificados a partir de toda a cadeia de produção, desde o agricultor e a unidade agroindustrial, passando pelo transportador, até o fornecedor que entrega o etanol ao ponto de abastecimento. A Comissão ainda prevê a realização de auditorias para que os biocombustíveis cumpram os requisitos inscritos na Diretiva de Energia Renovável da União Européia, o que legitimaria a conseqüente certificação ou rotulação como sustentáveis.
Tendo em vista que qualquer iniciativa voltada à certificação demanda o irrestrito atendimento à legislação aplicável, isto naturalmente implica no envolvimento direto do advogado especialista em meio ambiente, uma vez que competirá a este, em conjunto com uma equipe multidisciplinar formada por profissionais das mais variadas formações, aferir a sustentabilidade do biocombustível levando-se em consideração questões como a regularidade ambiental das propriedades rurais, em especial no que tange aos institutos do Código Florestal.
Outro aspecto é o compartilhamento de responsabilidades quanto à observância dos critérios, o atendimento à norma regulamentadora de segurança e saúde no trabalho na agricultura. Observar o procedimento de licenciamento ambiental de unidades agroindustriais, as licenças ambientais e o respectivo cumprimento às condicionantes, a outorga de uso de recursos hídricos, a conservação da biodiversidade e preservação das áreas especialmente protegidas.
Além disso, devemos atentar para o zoneamento agroambiental ou zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, o adequado gerenciamento de resíduos e efluentes, em especial pela aplicação da vinhaça na lavoura; autorizações e licenças associadas ao motorista e ao transportador de produtos químicos, dentre outras possíveis variáveis de interferência.
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Cecilia, 14 anos atrás
Valiosas considerações.
Observatório Eco, parabéns!
Rivanildo P da silva, 13 anos atrás
GOSTARIA de saber se hoje ja se tem algo parecido com gps para esta efeituando a aplicação de vinhaça
para que não tem mais faixa sem esta aplicando