Soluções de mercado não vão salvar o Planeta

em 15 October, 2009


Sílvia Cappelli, procuradora de Justiça do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, é atuante na área do direito ambiental, desde a década de 90. Participa, também, de duas organizações jurídicas brasileiras comprometidas com a promoção e defesa do Meio Ambiente, o Instituto o Direito por um Planeta Verde e a Abrampa (Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente).

 

Ao avaliar questões como a sobrevivência da vida no Planeta, Silvia Cappelli acredita que “enquanto nos mantivermos nessa visão limitada, no sentido de que toda ação em prol do meio ambiente merece uma compensação econômica, estaremos nos desvirtuando de um caminho mais amplo, que contemple os valores de uma vida digna a todos os seres vivos, inclusive aos humanos”. Ela compartilha a visão do secretário executivo da Convenção de Mudança do Clima, Ivo de Boer, de que o mercado de carbono tem seus méritos, porém não é suficiente para reduzir os efeitos da poluição lançada na atmosfera.

 

A procuradora de Justiça, já presidiu o Instituto o Direito por um Planeta Verde, e atualmente participa da diretoria de assuntos internacionais. Às vésperas da reunião da ONU sobre mudanças climáticas, a especialista sustenta que são necessários “outros meios de mobilização de recursos financeiros” para combater o aquecimento global.  

 

Em entrevista ao Observatório Eco, Sílvia Cappelli defende a especialização da justiça ambiental. Para ela, somente um juiz especializado terá a experiência e a sensibilidade necessárias para compreender o alcance e expressão das lides ambientais e sua ligação com a defesa da dignidade humana. 

 

Para a especialista, faltam investimentos adequados para a área ambiental, “enquanto não houver orçamentos dignos não haverá efetividade”, ressalta. Sílvia tem especialização em Ecologia Humana e coordena a “Revista de Direito Ambiental”, da Editora Revista dos Tribunais.

 

Ela sustenta a necessidade de maior “transparência nos licenciamentos” públicos e a participação da população, que precisa tomar conhecimento das discussões que antecedem a aprovação de licenças ambientais. Veja os melhores trechos da entrevista, que Sílvia Cappelli concedeu ao Observatório Eco, com exclusividade.

 

 

Observatório Eco: O IPEA divulgou que no Brasil os ricos gastam em três dias o que os pobres levam um ano para gastar, nesse contexto, o que significa sustentabilidade ambiental?

 

Sílvia Cappelli: A sofisticação do capitalismo e sua necessidade constante de re-invenção nos leva a refletir que os problemas ambientais estarão sempre ligados ao modelo econômico e à distribuição não equitativa da riqueza.

 

Vivemos numa sociedade pós-industrial, notabilizada pelos riscos associados ao desenvolvimento tecnológico e científico, que submete as pessoas a processos produtivos cuja potencialidade lesiva não pode ser conhecida ou afastada através das técnicas que dominamos.

 

Dessa maneira, não se pode reconhecer uma sustentabilidade ambiental, pelo menos de forma generalizante. No quadro de divisão econômica, que o Brasil reproduz, o consumo insustentável é apenas uma dessas percepções.

 

Observatório Eco: As ONGs (organizações não governamentais) que defendem a causa ambiental, em suas últimas campanhas buscam demonstrar que preservar o Planeta é lucrativo. Em sua opinião, só o lucro comove a elite por uma atitude ambientalmente correta?

 

Sílvia Cappelli: “Preservar” o Planeta através de mecanismos de mercado é uma idéia que não pode ser descartada e vale como incentivo à hegemônica lógica capitalista.

 

Entretanto, o próprio Secretário Executivo da Convenção de Mudança do Clima, Ivo de Boer, no discurso proferido em 26 de janeiro de 2009, em Londres advertiu que as atuais estruturas do mercado de carbono, certamente valiosas, são insuficientes para responder ao desafio. Ele ressaltou que o mercado faz o que podem fazer os mercados, selecionar as opções menos custosas e isso não garante uma distribuição geográfica justa.

 

São necessários, portanto, outros meios de mobilização de recursos financeiros para o atendimento das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa.

 

O mercado não vai salvar o Planeta, portanto. Enquanto nos mantivermos nessa visão limitada, no sentido de que toda ação em prol do meio ambiente “merece” uma compensação econômica, estaremos nos desvirtuando de um caminho mais amplo, que contemple os valores de uma vida digna a todos os seres vivos, inclusive aos humanos.

 

Observatório Eco: No contexto da Amazônia Legal, principalmente, ora os indicadores dizem que o desmatamento diminuiu, em seguida, outra notícia afirma que aumentou.  Há chances reais de ser preservar a Amazônia, ou ela um dia se tornará a Mata Atlântica que temos hoje?

 

Sílvia Cappelli: As maiores contribuições do Brasil à mudança climática são o desmatamento e as queimadas, correspondendo a 75% de suas emissões, o incluindo, sob essa perspectiva, entre os cinco países maiores emissores de CO2 no mundo. Evitar o desmatamento e as queimadas deve ser, portanto, prioritário para o País.

 

A preservação da Amazônia passa pela implementação de uma série de mecanismos na ordem de políticas públicas, intervenção efetiva do Estado e efetivação de mecanismos viáveis ambientalmente de produção de riqueza para o povo amazônico.

 

Há, porém, uma inegável incoerência entre a postura brasileira externa e sua política interna. Enquanto biomas como a Mata Atlântica, o Cerrado e a Amazônia vêm sendo fortemente impactados pela ação do homem, decorrentes do desmatamento e das queimadas, percebem-se internamente fortíssimos movimentos para enfraquecer o Código Florestal, principalmente para reduzir a área de reserva legal, que na Amazônia é de 80% do imóvel.

 

O aumento ou a redução do desmatamento na Amazônia está intimamente ligado à expansão da agricultura e ao preço dos produtos agrícolas, de maneira que o incremento da fiscalização se mostra insuficiente para contê-lo.

 

Observatório Eco: Qual deveria, em tese, ser a postura ideal do Brasil na COP-15, que se aproxima?

 

Deveria ser a proposição de um mecanismo novo no âmbito da Convenção do Clima, complementar ao Protocolo de Quioto, contemplando o desmatamento evitado e o estabelecimento de uma estratégia de redução compensada do desmatamento.

 

Observatório Eco: O Judiciário tem uma postura prol Meio Ambiente, ou a tendência é preservar empregos quando o assunto é a disputa entre o desenvolvimento e preservação da Natureza?

 

Sílvia Cappelli: Essa resposta não pode ser dada nos moldes do “tudo ou nada”. O Brasil já conta com expressiva jurisprudência reconhecendo o meio ambiente como um direito fundamental, facilitando o acesso ao Judiciário, revisando atos administrativos em licenciamentos mal conduzidos, aplicando os princípios da prevenção e precaução, antecipando tutelas, inibindo ilicitudes.

 

Sempre por detrás de um conflito ambiental haverá um conflito econômico mas o Judiciário tem dado significativas mostras de conhecer os princípios de direito ambiental e aplicá-los em contraponto a outros valores, a partir da proporcionalidade e razoabilidade.

 

Basta uma consulta aos inúmeros julgados do STJ, por exemplo, para se constatar uma mudança de postura se comparada, por exemplo, há 20 anos atrás. Uma mostra de que a legislação ambiental está sendo aplicada são os inúmeros movimentos para enfraquecer a legislação a florestal. Se esta legislação estivesse “somente no papel” não haveria tal movimento.

 

Incluo na mudança desse perfil o Ministério Público, órgão que tem atribuição constitucional para a defesa do meio ambiente e que vem se estruturando, há muitos anos, para essa missão constitucional. Há hoje uma 4ª Câmara de Coordenação e Revisão no âmbito do Ministério Público Federal, Centros de Apoio Operacionais nos Ministérios Públicos estaduais, divisões de assessoramento técnico e constante capacitação.

 

Existe, inclusive, uma Abrampa (Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público) na área ambiental muito atuante e mais recentemente foi criada uma Rede Latinoamericana de membros do Ministério Público, cujo principal objetivo é intercambiar informações e propor trabalhos conjuntos.

 

Observatório Eco: Muitos defendem a especialização ambiental da Justiça, qual a sua opinião? Seria um assunto para ser tratado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), algum dia?

 

Sílvia Cappelli: Sou totalmente favorável à especialização de Varas Judiciais, Câmaras e Turmas de Tribunais para a área ambiental. As experiências atuais são totalmente exitosas, como as Varas Federais Especializadas e algumas no âmbito do Judiciário dos Estados, como a de Manaus. A Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo é outro exemplo de efetividade.

 

A sociedade, com razão, espera dos Poderes e dos órgãos públicos efetividade. A mera subsunção do fato à uma norma válida já não é uma resposta adequada, especialmente se considerarmos as transformações do Direito neste início de século: uma plêiade de normas que vão desde lei em sentido formal, passando por resoluções, portarias, inclusive fontes não estatais, como ISO, ABNT.

 

Não vejo outra maneira para que institutos jurídicos evoluam e sejam corretamente interpretados que não seja através da especialização. Como conhecer a terminologia própria da área, como se sensibilizar para a dificuldade de comprovação do nexo causal numa ação civil pública, como não vislumbrar diferenças entre um crime praticado com violência à pessoa e um desmatamento em APP?

 

Para mim, somente um juiz especializado terá a experiência e a sensibilidade desta advinda para bem aquilatar a importância do Direito para a higidez da vida, que nada mais representa do que a dignidade humana.

 

Entretanto, penso que essa discussão ou proposta não envolve as atribuições do CNJ por relacionar-se com a autonomia de cada Poder Judiciário Estadual ou Federal na criação de Varas ou cargos.

 

Observatório Eco: Como motivar os operadores do Direito para a causa ambiental?

 

Sílvia Cappelli: Através da capacitação que já vem sendo feita por muitas instituições como a Escola Nacional da Magistratura e o Instituto o Direito por um Planeta Verde, por exemplo. No âmbito do Ministério Público essa tarefa é realizada pela ABRAMPA e na advocacia pública, pelo IBAP.

 

Observatório Eco: Alguns especialistas afirmam que nossas leis ambientais são boas, porém, na hora da implementação o país deixa a desejar. Em sua opinião, como podemos transpor essa barreira da falta de aplicação das leis? Como exigir do governo fiscalização?

 

Sílvia Cappelli: A implementação, no plano estrutural, passa por investimentos adequados. A área ambiental precisa ser contemplada com orçamentos condizentes com as tarefas de Estado nesta área. Enquanto não houver orçamentos dignos não haverá efetividade.

 

Por outro lado, precisa haver menos política na condução dos órgãos ambientais. Os órgãos de meio ambiente quase sempre ficam à mercê de outros interesses, igualmente importantes na tomada de decisão, mas que são “vencedores” às vezes em razão da falta de interlocução ambiental.

 

É preciso também aumentar a transparência nos licenciamentos e conhecer a posição dos técnicos que subsidiam ou deveriam subsidiar as decisões das chefias. A população precisa tomar conhecimento das discussões que antecederam as decisões.

 

Observatório Eco: Desde a década de 90 a senhora tem se dedicado à defesa do Meio Ambiente, qual a lição mais importante dessa escolha? Em algum momento pensou em desistir dessa luta?

 

Sílvia Cappelli: A lição mais importante é que ninguém faz nada sozinho na área ambiental. É preciso conhecer a realidade da cidade, do Estado. É preciso trabalhar em conjunto, compartilhar informações, pontos de vista e propostas. 

 

A maior gratificação para quem trabalha com o Direito Ambiental é ver o resultado positivo de um compromisso de ajustamento onde, depois de muitas reuniões, obtenção de prova técnica sempre difícil, se logra o consenso.

 

O resultado positivo, nesses casos, não é a vitória de um e a derrota de outro. Os resultados positivos de um TAC ou de uma ação civil pública terão como beneficiários muitas pessoas e outros seres vivos e esse resultado pode ser perene.

 

Desistir da atuação ambiental seria desistir da vida e eu acredito nela, mesmo com seus percalços. 

 

Observatório Eco: Para os jovens que irão herdar o Planeta, dê 3 conselhos.

 

Sílvia Cappelli: Consumir menos. Valorizar as coisas simples, como contemplar um espaço público, um bem de valor cultural e se ver em todas as coisas. Entender a importância da água para a vida e para isso, pelo menos, entender o que é uma APP (Área de Preservação Permanente) e lutar por ela.




4 Comentarios

  1. Daniel Martini, 15 anos atrás

    Excelente a visão da Dra. Sílvia, um ícone em matéria de direito ambiental no Brasil, sempre na vanguarda das questões ambientais.
    Parabéns pela entrevista.

  2. Franklin Brum Jr., 15 anos atrás

    Concordo plenamente com a Drª. Sílvia quando diz que devemos ter varas especilaizadas em questões ambientais, e exigir uma maior seriedade dos órgãos ambientais, com postuura profissional e comprometida. Enqunto não houver investimentos na área ambiental, orçamento condizente, estrutura técnica bem preparada e remunerada, para não ficar à mercê dos “outros interesses”, o meio ambiente continuará a viver a crise atual.
    Prabéns pela postura que já conhecemos do curso da UFRGS.

  3. carlos de jesus, 15 anos atrás

    Prezada Dra. O seu discurso é mui bem estruturado, objetivo e sincero. Mas vamos olhar o outro lado da moeda deste discurso ecológico…Quantas familiais sabem o que é realmente desperdicio ? quantas crianças são instruidas desde cedo sobre o uso adequado da agua e de outros recursos naturais ? Todos sabemos como anda a situação escolar em alguns estados brasileiros, se não for em todos os estados…Situação caótica, e profundamente abandonada a transmissão do ensino em nosso país…Por tudo isso vejo que as concepções ambientais deviam ser desde cedo nas nossas escolas ..matéria obrigatória como é a história e geografia..etc..etc..Paralelo a essa devia-se também incentivar as ciências da humanidade nas escolas, pois de nada adianta, estudar meio ambiente, se os jovens nada sabem sobre humanidades…mas vejo que estamos caminhando para uma tênue consciência do que é o meio ambiente.

  4. D GOMES, 14 anos atrás

    NÃO SOU CONTRA PRESERVAR, MAS SOU CONTRA O QUE ESTÃO FAZENDO, OU SEJA,
    ESTÃO TENTANDO PARALIZAR O NOSSO PROGRESSO COM ATUAÇÕES DE ONGS
    INFLUENCIANDO AS NOSSAS LEIS E PENALIZANDO OS NOSSOS AGRICULTORES COM
    MULTAS PESADAS E EXIGÊNCIAS DESNECESSÁRIAS.
    SÓ DEUS SABE ONDE ISSO VAI PARAR, PORQUE ELES, OS AMBIENTALISTAS
    FANÁTICOS, CADA VEZ EXIGEM MAIS E NUNCA SE SACIAM.
    PARA PIORAR, NO BRASIL PRETENDE-SE GASTAR ATÉ 18
    BILHÕES DE DÓLARES ATÉ 2020, TUDO PARA TENTAR CONTER UM SUPOSTO
    “DESMATAMENTO”, EM OUTRAS PALAVRAS, CONTER O PROGRESSO DE NOSSO PAÍS,
    UMA VEZ QUE ESTE PAPO DE AQUECIMENTO GLOBAL É BALELA.
    QUEM IRÁ PAGAR A CONTA?
    DIZEM ELES QUE SÃO OS PAÍSES RICOS…
    SE FOR ESSE O CASO, ESTAMOS MESMO NAS MÃOS DELES.
    SE FOR O POVO BRASILEIRO, ESTAMOS MESMO PERDIDOS.
    ENQUANTO ISSO, A POBREZA E VIOLÊNCIA TOMAM CONTA DO BRASIL


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