OMC quer conciliar comércio sustentável e meio ambiente
Roseli Ribeiro em 18 August, 2009
Tuite
A OMC (Organização Mundial do Comércio) surgiu em 1994, através do Acordo de Marrakech. Possui sede em Genebra e funciona desde 1995, em substituição ao GATT/47 – ‘General Agreement on Tariffs and Trade‘ (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). A organização tem como principal objetivo a condução e a regulação das relações comerciais.
Em entrevista exclusiva, ao Observatório Eco, o advogado Fabiano Augusto Piazza Baracat destaca que a OMC vem assumindo “um papel importante na conciliação entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente”.
Ele lembra que a “OMC não é uma agência ambiental, é uma organização que visa regular o comércio”, porém, dentro desse papel que exerce impulsiona o avanço de tecnologias e métodos de produção que preservam o meio ambiente.
Segundo o advogado, que estuda o tema em seu trabalho de pós-graduação, pela PUC do Paraná, quando há conflito entre o comércio internacional e a proteção do meio ambiente, muitas vezes a OMC é convocada para se manifestar, através de seu órgão de solução de controvérsias, pelo país ou países que se sentem prejudicados pela barreira comercial implantada.
Baracat defende que o controle ambiental desde que dentro de parâmetros adequados não causa prejuízo algum aos países, “mas se for utilizado de maneira extremada, desarrazoada ou disfarçado de protecionismo”, com certeza pode desestabilizar o comércio praticado por determinado país. Veja trechos da entrevista concedida por Fabiano A. Piazza Baracat.
u Observatório Eco: Quando a OMC (Organização Mundial do Comércio) passou a lidar com assuntos relacionados ao Meio Ambiente?
Fabiano A. Piazza Baracat: A OMC foi constituída pelo Acordo de Marrakech em 1994, no final da Rodada Uruguai de comércio multilateral, possui sede em Genebra e está em funcionamento desde 1995, em substituição ao GATT/47 – ‘General Agreement on Tariffs and Trade‘ (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), tendo como principal objetivo a condução e a regulação das relações comerciais.
Existem uma série de tratados e convenções internacionais ‘multilateral environmenal agreements‘ (MEA´s) que repercutem diretamente no comércio exterior, além de inúmeras barreiras ambientais unilaterais estabelecidas pelos países ao comércio de determinados produtos.
Quando há conflito entre o comércio internacional e a proteção do meio ambiente, muitas vezes a OMC é instada a se manifestar, através de seu órgão de solução de controvérsias, pelo país ou países que se sentem prejudicados pela barreira comercial implantada.
Ainda influenciada pelos princípios do antigo GATT, a OMC quando era instada a se manifestar, por ter como fim precípuo a regulação do comércio internacional, através da eliminação constante de tarifas, restrições e barreiras, julgava as barreiras ambientais como restrições ao comércio que deveriam ser evitadas e consideradas.
u Observatório Eco: Na área ambiental, como a OMC vem assumindo um papel de importância crescente a favor do Meio Ambiente?
Fabiano A. Piazza Baracat: Recentemente, a OMC passou a ter uma postura diferente em prol do meio ambiente, considerando que o Acordo de Marrakech incluiu dentre suas atribuições a sustentabilidade do comércio como um objetivo a ser atingido, de forma que as restrições ambientais, quando não travestidas de um protecionismo disfarçado, começaram a ser entendidas como legítimas, desde que inseridas nas exceções previstas no GATT/94 (art. XX, alíneas “b” e “g”) para proteção: da vida ou saúde humana, animal ou vegetal; do tesouro nacional ou do patrimônio artístico, histórico ou arqueológico; relacionadas à conservação de recursos naturais não renováveis, acompanhadas neste caso, de restrições à produção e consumo nacional; ou as constantes nos acordos multilaterais da própria OMC sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) e sobre a aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS).
Também houve uma abertura maior da OMC em seu processo decisório, admitindo, inclusive, a realização de audiências públicas e a participação de ONG´s e cidadãos como “amicus curiae” (amigos da corte) apresentando documentos e estudos que possam auxiliar na solução da controvérsia.
O OMC vem assumindo, portanto, um papel importante na conciliação entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente. O comércio somente será sustentável se agregar como instrumento determinados valores que preservem a própria circulação de bens e serviços.
u Observatório Eco: De que maneira essa interferência se reflete na balança comercial brasileira?
Fabiano A. Piazza Baracat: Quando as barreiras ambientais afetarem produtos integrantes da pauta exportadora.
u Observatório Eco: De que forma as empresas brasileiras estão se adaptando a essas exigências?
Fabiano A. Piazza Baracat: Adequando-se a legislação ambiental que já é bastante avançada e investindo em tecnologia para redução dos impactos da produção no meio ambiente.
u Observatório Eco: De que forma a OMC decide vedar a importação de produtos, sob a alegação de ausência de comprometimento ambiental do país produtor? Qual o parâmetro deste controle? Quanto é preocupação ambiental genuína e quanto é apenas um assunto comercial?
Fabiano A. Piazza Baracat: Como já ressaltado, desde que as restrições ambientais não sejam um protecionismo disfarçado, podem ser admitidas. Por exemplo, quando Brasil e Venezuela contestaram o “Clean Air Act” dos Estados Unidos, que fixava padrões de qualidade para a gasolina ser comercializada dentro dos Estados Unidos.
A OMC decidiu que a exigência era legítima como forma de proteção da qualidade do ar, mas quando fixou linhas de base e critérios diferenciados entre produtores nacionais e estrangeiros, constitui-se na verdade como medida protecionista e por esta razão foi condenada.
u Observatório Eco: Essas restrições podem ser revogadas? Qual o procedimento para isso ocorrer?
Fabiano A. Piazza Baracat: A OMC privilegia sempre a conciliação entre as partes. Antes mesmo da instalação do painel para a solução da controvérsia é fixado um prazo para resolução entre as partes.
Durante o procedimento de solução a qualquer momento as partes podem transigir e, mesmo após a decisão final, pode ser solicitada a arbitragem como meio para execução da medida. Quando inviável a resolução amigável, a decisão do órgão de solução pode fixar um prazo para remoção da causa do pedido, inclusive, com medidas compensatórias em favor do país prejudicado.
u Observatório Eco: No caso brasileiro isso já é uma realidade na exportação de madeira, as vedações estão mais rigorosas?
Fabiano A. Piazza Baracat: A exportação de madeira deve observar além das regras gerais de comércio do GATT/94, o Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais (Unctad, Genebra, 1994) e as regras internas dos países importadores.
Os Estados Unidos, por exemplo, começaram a fiscalizar desde 1º de maio de 2009 o cumprimento da Lei Lacey, que exige que os exportadores de móveis, celulose e madeira comprovem a origem de cada tipo de madeira usado nos produtos, para garantir que não provêm de extração ilegal.
O impacto estimado nas exportações brasileiras é de US$ 1.75 bilhão em decorrência dos altos custos para certificação e rastreamento da cadeia.
u Observatório Eco: No caso da madeira, que o senhor citou há restrições, por outro lado, parece que na questão dos pneus usados há interesse da OMC de que o Brasil mantivesse a importação desse material? A recente decisão do STF interfere na decisão da OMC?
Fabiano A. Piazza Baracat: A decisão da OMC entendeu como legítima a restrição à importação dos pneus implantada pelo Brasil, mas decidiu que o país deveria tomar providências para evitar a ampla importação através de liminares em território nacional e para negociar a exceção prevista para importação de pneus recauchutados dentro do Mercosul, fixando prazo para tanto.
A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, proposta pelo presidente da República, por intermédio da Advocacia Geral da União, questionando decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados, foi um dos argumentos utilizados pelo Brasil para demonstrar que estava tomando providências para atender as determinações da OMC.
u Observatório Eco: O controle ambiental pode ser uma ferramenta para desestabilizar as exportações de um país? E retirar a competitividade comercial dele?
Fabiano A. Piazza Baracat: O controle ambiental desde que dentro de parâmetros adequados não causa prejuízo algum, mas se for utilizado de maneira extremada, desarrazoada ou disfarçado de protecionismo, com certeza irá desestabilizar o comércio.
u Observatório Eco: A China vermelha sobre pressões fortes da OMC pode vir a se tornar uma China verde?
Fabiano A. Piazza Baracat: A OMC não é uma agência ambiental, é uma organização que visa regular o comércio. As pressões sobre a China decorrem dos países que implantaram leis e agências ambientais para preservação do meio ambiente, o que implica em custos maiores para produção, e pretendem que a China aja da mesma forma e internalize os custos ambientais de sua produção.
O avanço dos métodos e tecnologias para preservação ambiental é objetivo da humanidade que inexoravelmente, cedo ou tarde, deverá ser observado por todos os países.
u Observatório Eco: Um dos receios do presidente Obama é criar leis rígidas de controle ambiental e as indústrias saírem dos EUA e irem para a China. Como o presidente Obama pode superar esse impasse, em sua opinião?
Fabiano A. Piazza Baracat: Exigindo que os produtos importados atendam os mesmos critérios ambientais dos produtos e serviços produzidos dentro do país.