Mineradora prejudica comunidades quilombolas
Da Redação em 24 March, 2011
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A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), da Advocacia-Geral da União (AGU), esteve em Paracatu (MG), para conhecer as comunidades quilombolas prejudicadas por mineradora. A AGU atua no município para solucionar controvérsia envolvendo a demarcação de territórios quilombolas. A área é explorada pela mineradora canadense Kinross Brasil Mineração S.A e está em processo de demarcação pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Para conhecer a realidade das comunidades remanescentes de quilombo – Machadinho, São Domingos e Família dos Amaros – instaladas no município desde o século XIX, estiveram no local procuradores federais e técnicos das procuradorias federais especializadas (PFE) junto ao Incra e à Fundação Cultural Palmares (PFE/FCP), a conciliadora do caso, Procuradora do Banco Central do Brasil que está cedida à AGU, Luciane Moessa, representantes da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e das áreas de fiscalização e de controle ambiental do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
A conciliadora Luciane Moessa avaliou a visita como extremamente produtiva. “A partir dela, houve uma grande aproximação entre os órgãos federais envolvidos e o DNPM decidiu promover uma série de ações na esfera da fiscalização, que podem contribuir para identificar medidas necessárias que vão amenizar os impactos negativos do empreendimento, que é uma das maiores minerações de ouro do país”, afirmou.
Luciane Moessa lamentou que nesta viagem o representante do Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), não pôde comparecer, mas afirmou que o órgão já se comprometeu a participar dos próximos encontros, já que também faz parte do procedimento conciliatório. “Acredito plenamente numa solução consensual para o problema, diz ela, mas, para isso, será necessário que os órgãos públicos com competências relacionadas ao conflito falem uma única voz perante a mineradora, intermediando de maneira firme e coerente as relações desta com a comunidade quilombola”, observou, informando que os órgãos ambientais de Minas Gerais também estão sendo convidados a participar da conciliação.
Comunidades e o impacto ambiental
Os quilombolas reclamam que há mais de 20 anos sofrem com os impactos ambientais e com o avanço das atividades da mineradora Kinross. No município, o grupo colheu informações junto aos quilombolas e visitou São Domingos, única das três comunidades que ainda se preserva no local onde foi historicamente instalada. O objetivo foi verificar os impactos ambientais que as atingem, em decorrência da exploração mineral, bem como as dificuldades que os moradores enfrentam para manter a posse do território.
A procuradora federal Paula Renata Fonseca, que atua junto ao Incra, destacou que “com a expansão de um empreendimento minerário, deve existir maior cuidado com as atividades relacionadas, de modo que os estudos de impacto de cada uma delas deve ser feito em conjunto e não de forma compartimentada, o que poderia prejudicar o levantamento de todos os danos ambientais possíveis de serem causados”.
Constatações
O grupo conheceu e constatou que a situação mais difícil é a de São Domingos. Adjacente à área da mineradora, os quilombolas relatam encontrar dificuldade de plantar pequenas roças devido à qualidade do solo, não podem mais usar a água do córrego São Domingos que, segundo eles, está contaminada. Os moradores também disseram que sofrem com as explosões que ocorrem diariamente na Mina do Ouro. “A mineradora solta bomba todos os dias. Teve uma explosão tão grande que o ventilador caiu da geladeira”, relatou Luiza Ferreira Gomes, quilombola que mora na comunidade.
Outro problema enfrentado em São Domingos, segundo a moradora, é a pressão por parte da empresa para que eles saiam das proximidades da exploração do ouro, mediante a compra das posses dos imóveis. Luiza Gomes afirmou que já recebeu oferta da Kinross para que vendesse seu imóvel, mas refutou a proposta. “Não queremos sair daqui, onde eu e minha família toda nascemos. É muito tranquilo, podemos até dormir de porta aberta”, justifica.
Na comunidade de Machadinho, cerca de 60 famílias lutam para retomar as terras que foram expropriadas, a partir dos anos 60, por fazendeiros da região. Outras 13 famílias que viviam no território da comunidade, mas não se reconhecem como quilombolas, também venderam as propriedades para a Kinross e foram indenizadas. Os valores giram em torno de R$ 50 a R$ 100 mil.
Com vocação para o trabalho rural, os remanescentes de Machadinho e da Família dos Amaros vivem hoje na cidade, em condições que eles consideram piores do que eram no local onde foram criados. Moram na periferia e a maioria dos homens teve que trabalhar como pedreiro para sustentar as famílias, o que aumenta o desejo de retornar ao local de origem. “Não é questão de recompensa financeira, cada um quer sua terra, criar sua galinha, seu porco. Essa cidade não é boa para viver”, explicou Maria Abadia Pereira, da comunidade Família dos Amaros, à qual pertencem o senhor Moacir e sua esposa Cândida, os últimos que ainda permaneciam no território, mas que tiveram que de sair em novembro do ano passado.
Segundo o relato dos quilombolas, eles deixaram o local depois que Moacir sofreu dois acidentes vasculares celebrais, que teriam sido provocados pela pressão exercida pela empresa para que eles saíssem da área.
Termo de Compromisso
No dia 2 de março deste ano, o grupo enlvolvido no procedimento conciliatório se reuniu com o promotor de justiça do Ministério Público Estadual (MPE/MG) e curador de meio ambiente de Paracatu, Daniel dos Santos Rodrigues, que participou da elaboração de um Termo de Compromisso celebrado entre o MPE/MG e a mineradora.
Frequentemente, a empresa é alvo de denúncias da população local de causar diversos danos ambientais que comprometem o bem estar dos habitantes da cidade. O termo firmado é resultado de um inquérito civil que tramita desde 2004, criado para examinar os diversos impactos ambientais do empreendimento. A investigação realizou estudos sobre a qualidade do ar, água e solo da região.
As obrigações da Kinross são: não minerar sem licença ambiental e cumprir as condicionantes; regularizar a averbação das reservas legais de todos os imóveis da empresa; adquirir insumos minerais e vegetais somente de fornecedores licenciados; implantar projeto de rede otimizada de monitoramento da qualidade do ar; elaborar e executar Projeto de Reabilitação; adotar medidas para garantir a integridade da barragem de dejetos, bem como protocolos a serem seguidos em caso de emergência; depósitos anuais de R$ 1 milhão durante a exploração, como compensação ambiental; além do custeio de um estudo técnico, a ser realizado por instituição escolhida pelo MPE-MG, no valor de até R$ 1,5 milhão, para verificar se de fato existe a contaminação dos recursos hídricos na cidade por arsênio, como atestam várias denúncias no âmbito da comunidade local.
Na reunião, tratou-se do licenciamento ambiental fracionado do empreendimento – licenças expedidas de acordo com a expansão das fronteiras de exploração do ouro, a cada nova área explorada. Para o MPE/MG, isso evidencia a necessidade de avaliação de todo o empreendimento, para que os órgãos ambientais possam conceder uma licença global, que contemple todos os aspectos da atividade minerária efetivamente realizada no Morro do Ouro. A proposta chegou a ser levada ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), mas não foi aprovada.
Audiência pública
No dia 3 de março, a conciliadora da CCAF, os procuradores federais e técnicos dos órgãos envolvidos participaram de audiência pública realizada pelo MPE/MG na Câmara Municipal de Paracatu, para apresentar o conteúdo do Termo de Compromisso à população e tratar dos impactos ambientais decorrentes da extração do minério pela Kinross.
Na audiência, Luciane Moessa informou à comunidade sobre a existência da Câmara de Conciliação e o técnico do DNPM, Roger Cabral, salientou que o empreendimento gera um volume significativo de contribuições, arrecadadas pelo órgão sobre a produção de ouro. Segundo ele, 65% dos recursos são repassados ao município de Paracatu e 23% ao Estado. Por isso, a população deve investigar como o dinheiro está sendo aplicado.
A procuradora federal Paula Renata Fonseca afirmou que a audiência pública foi essencial para “confirmar que a atuação da mineradora na cidade causa impactos não apenas às comunidades quilombolas, mas afeta a qualidade de vida dos demais cidadãos”. Para ela, suspeitas de contaminação do ar, do solo e da água ainda são investigadas e existem fortes indícios de que tais impactos não são suficientemente monitorados e controlados, de modo que há grande repúdio de boa parte da população de Paracatu às atividades da mineradora.
No próximo mês de abril, a Câmara de Conciliação da AGU realizará em Paracatu outra audiência pública, para tratar das questões fundiárias que envolvem os conflitos entre as comunidades quilombolas e a Kinross.
Além da conciliadora, Luciane Moessa, dos quilombolas e de representantes da empresa, participarão também representantes do Incra, da Procuradoria-Geral da União (PGU) e da Procuradoria-Geral Federal (PGF), da Fundação Cultural Palmares, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Instituo Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e do Ministério Público Federal (MPF). Com informações da AGU.