Concauma repudia a reforma do Código Florestal
Da Redação em 10 March, 2011
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O Conselho Nacional dos Centros de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente (CONCAUMA), que congrega os CAOs dos Ministérios Públicos estaduais, lançou, nesta quarta-feira (09/03), moção de repúdio ao substitutivo de projeto de lei 1876/99, aprovado por comissão especial da Câmara dos Deputados em 6 de julho de 2010, que pretende alterar o atual Código Florestal (Lei Federal 4771/65).
O documento contesta o “evidente retrocesso na proteção ambiental atualmente conferida pelo Código Florestal” representado pelo substitutivo aprovado, que traz “alterações, supressões e adições conceituais, de forma equivocada, descontextualizada e ambientalmente lesiva”.
Em sua conclusão, a moção afirma que “o substitutivo aprovado pela Comissão Especial é ambientalmente lesivo, contém gravíssimos vícios, não conta com embasamento científico, afronta a Constituição Federal e é integralmente inaceitável” e pondera que as discussões nacionais e internacionais referentes à emissão de gases-estufa e mudanças climáticas não estão sendo devidamente consideradas no substitutivo. Com informações do MPSP.
Leia a íntegra da moção:
Considerando que o Código Florestal (Lei Federal 4.771/65) é um dos pilares fundamentais da legislação ambiental brasileira, e uma das poucas normas abrangentes a todo o território nacional, senão a única, com alcance para estabelecer diretrizes, limites, critérios e parâmetros mínimos voltados para a preservação e restauração dos ecossistemas, de seus atributos, de seus processos essenciais e funções ambientais, sendo, portanto, indispensável para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da qualidade ambiental e da qualidade de vida para presentes e futuras gerações.
Considerando o contexto ambiental atual, não só em nível local como mundial (aquecimento global, mudanças climáticas, controle de emissões), no qual vêm ocorrendo redução e o prejuízo progressivo a áreas protegidas, a perda de serviços ecossistêmicos de florestas nativas e de outros ambientes, havendo destruição de habitats, de interações ecológicas e de componentes bióticos da flora e da fauna silvestre, incluindo muitas espécies endêmicas e ameaçadas, isso sem falar na perda do potencial de restauração ambiental em áreas degradadas irregularmente.
Considerando que as funções ambientais estabelecidas pela legislação para as Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal devem ser vistas também como fundamentais para a manutenção dos processos ecológicos essenciais em relação ao seu efeito conjunto (efeitos cumulativos e sinérgicos) no âmbito das bacias hidrográficas como um todo, sendo um exemplo, o papel regulador do ciclo hidrológico, e sua interferência em processos como infiltração, percolação e escoamento superficial, tanto em áreas urbanas como rurais.
Considerando que o substitutivo adotado pela Comissão Especial (PL 1876 e apensados), aprovado em 06 de julho de 2010, que altera o Código Florestal e revoga a Lei 4771/65, deriva de uma tramitação conduzida de forma temerária, e que foi objeto de muitas críticas, tanto no que se refere a carências agudas em sua sustentação científica como em face de seu caráter atentatório à democracia participativa.
Considerando que apesar dos inúmeros questionamentos feitos tanto em relação aos procedimentos de condução adotados, bem como em relação aos resultados dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão Especial, não só ao longo de diferentes momentos da sua tramitação, mas também em relação à formatação de seu produto final, mostra-se evidente que foram mantidos, majoritariamente, gravíssimos vícios, envolvendo aspectos técnicos e legais; refletindo não só anomalias na condução do processo de discussão da matéria, como evidentes precariedades em termos de embasamento científico.
Considerando que o substitutivo adotado pela Comissão Especial, na prática, ignora não só os questionamentos vindos da sociedade em geral, como no âmbito dos votos em separado de parlamentares integrantes da própria Comissão, apresentados entre 24/06/2010 e 06/07, tais como os votos dos deputados Ivan Valente, Sarney Filho, Edson Duarte e Paulo Teixeira. Considerando que a aprovação do substitutivo adotado pela Comissão Especial configura de modo notável o atropelo de um processo unilateral de alteração, desvirtuamento, depauperamento e desfiguração dos conceitos, critérios, diretrizes, e orientações atuais da Lei 4771/65, tanto no que se refere às áreas urbanas como rurais, interferindo também nas questões afetas aos reservatórios artificiais, à revelia do conhecimento científico e das instituições de pesquisa do país, de modo inverossímil, ao estilo das estratégias que somente avançam se alimentando da ignorância, da conveniência e do oportunismo.
Considerando que os elementos destacados na relatoria do Deputado Aldo Rebelo para embasar seu entendimento são meras distorções e primam por abordagens fragmentadas, reducionistas, generalistas e não sistêmicas, sendo que um dos sintomas mais evidentes de tais debilidades é a contraposição entre a produção rural e a preservação dos recursos ambientais, nos moldes observados nas alegações das justificativas das proposições de alteração do Código Florestal.
Considerando que a produção agrícola depende visceralmente da manutenção dos bens ambientais (solo, água, biodiversidade, etc), bem como da manutenção e do equilíbrio dos seus componentes, fatores, e processos ecológicos essenciais que dão suporte à vida, interagindo com os mesmos em caráter permanente, e participando da sua perpetuação.
Considerando que, assim como a agricultura depende do meio ambiente, as sociedades humanas dependem da agricultura, mas para que a forma de praticá-la não as prejudique, esta precisa ser empreendida de forma responsável e comprometida com a sustentabilidade ambiental e social.
Considerando que o Código Florestal é fundamental no sentido de assegurar o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a qualidade ambiental, sendo digno de nota que as restrições (parâmetros, limites, distâncias, etc) definidos pelo seu texto atual equivalem a um patamar mínimo a ser respeitado, em nível nacional para que se atinjam estes propósitos.
Considerando que o debate focado no conceito de “produção agropecuária” procura deliberadamente evitar os necessários confrontos e discussões envolvendo a precariedade constatada por vezes, em relação à produtividade no âmbito do sistema agropecuário brasileiro, pois, à exceção de poucos produtos que integram a pauta de exportações, mesmo as maiores e tradicionais propriedades, para não dizer a maioria dos médios e minifúndios, apresentam índices de produtividade baixíssimos.
Considerando que a questão da ampliação da produção passa também, necessária e preliminarmente, pelas discussões referentes à implantação de uma Política Agrícola, incluindo a discussão de alternativas de ação, incluindo aspectos como questões fundiárias e Reforma Agrária, levando a implantação de medidas que se mostrem capazes de prover ao produtor rural todos os recursos organizacionais, econômicos e tecnológicos necessários para que sejam atingidos índices de produtividade satisfatórios.
Considerando o princípio da função social da propriedade estampado em nossa Constituição Federal.
Considerando que o futuro não poderá ser sustentado com legislações divorciadas de seus propósitos fundamentais, licenciamentos e certificações ambientais enganosas ou débeis.
Considerando a magnitude dos esforços que ainda devemos empreender para evitar colapsos nos processos ecológicos essenciais e lidar com um quadro de mudanças climáticas, de múltiplas conseqüências, que não podem ser desprezadas, levando em conta, inclusive, a recente edição da Lei 12.187/2009, sobre Mudanças Climáticas, que assume metas e propósitos que entram em flagrante conflito com as pretensões do Substitutivo aprovado pela Comissão Especial.
Considerando que o Brasil é signatário de vários compromissos internacionais, como a Convenção da Biodiversidade (2010 foi o ANO INTERNACIONAL DA BIODIVERSIDADE), com os quais a proposta de alteração do Código Florestal em análise colide frontalmente.
Considerando que o substitutivo aprovado é um evidente retrocesso na proteção ambiental atualmente conferida pelo Código Florestal, e um alto risco para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que pode ser ilustrado, entre outros, por alguns de seus aspectos mais nefastos, tais como:
- Alterações, supressões e adições conceituais, de forma equivocada, descontextualizada e ambientalmente lesiva
- Supressão, redução ou fragilização de situações protegidas como Áreas de Preservação Permanente, tais como de topos de morro e montanhas, áreas com altitudes superiores a 1.800 metros, restingas, bem como desguarnecimento de proteção das várzeas e Apps delas decorrentes.
- Redução da App ripária para os rios de menos de 5 metros de largura, para uma faixa de 15 metros, e a adoção do leito menor como referencial para fins de delimitação das Apps de cursos d’água.
- O Cômputo de Apps na Reserva Legal
- A dispensa da Reserva Legal para pequenos proprietários que passaram a ser considerados aqueles que possuem áreas com até 04 módulos fiscais.
- A possibilidade de compensação de Reserva Legal no mesmo bioma.
- A recomposição da Reserva Legal com espécies exóticas na proporção de 50%, sem maiores especificações, com destaque para os prejuízos causados por estas espécies.
- Anistias e mecanismos de regularização que aniquilam passivos ambientais articuladas a diretrizes improcedentes, incorporando graves vícios de ordem conceitual, técnica e legal.
Considerando o enorme prejuízo que estas alterações promovem no sentido do aumento da fragmentação de ecossistemas, em termos de perdas de vegetação e de habitas para a flora e a fauna silvestre, e em termos de perdas de qualidade ambiental; configurando atentado à biodiversidade.
Considerando que o substitutivo em questão não só configura atentado ao princípio do “não retrocesso” na proteção ambiental como afronta ao princípio da precaução, sendo que em tais princípios se expressa a obrigação de não piorar o meio ambiente, ou seja, a impossibilidade de retrocesso ambiental.
Considerando que seja com base em princípios internacionais, seja pela constitucionalização da matéria ambiental, a doutrina brasileira é vasta em reconhecer o direito ambiental como direito fundamental.
Conclui-se que:
O substitutivo aprovado pela Comissão Especial é ambientalmente lesivo, contém gravíssimos vícios, não conta com embasamento científico, afronta a Constituição Federal, e é integralmente inaceitável.
Não há contexto, no âmbito nacional e internacional; nem sustentação científica para redução da proteção ambiental conferida atualmente pelo Código Florestal. As alterações normativas só devem ser concebidas e aceitas para promover a melhoria da qualidade ambiental. Retrocessos neste contexto são inaceitáveis e vedados pela Constituição Federal.
A gestão ambiental no Brasil deve respeitar a Constituição Federal, a Política Nacional do Meio Ambiente, a legislação ambiental e os princípios consolidados do Direito Ambiental Brasileiro, bem como os compromissos assumidos pelo Governo, a exemplo da Convenção da Biodiversidade, da Convenção RAMSAR; bem como aqueles assumidos no âmbito das discussões nacionais e internacionais referentes à emissão de gases estufa e mudanças climáticas. Estes aspectos não estão sendo devidamente considerados no substitutivo aprovado pela Comissão Especial.
Nesse contexto o CONCAOUMA – Conselho Nacional dos Centros de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente apresenta moção de rejeição do Substitutivo de Projeto de Lei n. 1876/99.