Brasil precisa fazer a reforma ambiental tributária
Roseli Ribeiro em 6 February, 2011
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“A complexidade da legislação tributária é um óbice não só para o uso do tributo como ferramenta indutora de práticas ecológicas como para o desenvolvimento do país como um todo”, na avaliação da professora e advogada Janaina Daniel Varalli.
Para a especialista, o que incentiva o setor produtivo não é apenas uma redução ou isenção pontual de um tributo. Ela considera que para existir desenvolvimento sustentável, “toda a tributação deve ser revista”, tendo como foco o bem estar social.
Janaina Daniel Varalli é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Unimes, (Universidade Metropolitana de Santos), pós-graduada em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, sócia do escritório Varalli e Costa Advogados, e professora do Curso de Pós-Graduação em Direito Ambiental Empresarial da FMU/SP.
Segundo a advogada, nossa legislação tributária é complexa, “o que é muito ruim”, e embora a redução da carga tributária, possa permitir que as empresas se tornem mais modernas e competitivas, desde que existam investimentos do valor da redução em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a medida ainda seria pequena. “O ideal é que ‘saia do papel’ a tão falada reforma tributária e que ela considere a questão ambiental”, defende a especialista.
A especialista também ressalta que na moderna teoria do Direito Tributário, o tributo é instrumento de concretização da sadia qualidade de vida, ou seja, de proteção aos bens ambientais. E que “sem a arrecadação, a própria defesa do meio ambiente estaria prejudicada”. Veja a entrevista que Janaina Daniel Varalli concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: De que forma podemos definir o direito ambiental tributário?
Janaina Daniel Varalli: Podemos definir o Direito Ambiental Tributário como o ramo do Direito dedicado ao estudo dos tributos como instrumento de implementação do chamado piso vital mínimo, ou seja, como forma de efetivação do princípio da dignidade humana. Como sabemos, o princípio da dignidade humana é basilar no Estado Democrático de Direito, mas por óbvio, não basta apenas prever legalmente a dignidade – esta deve efetivada – e os tributos são instrumento para tanto.
É interessante notar que não se trata de Direito Tributário Ambiental e sim Ambiental Tributário. Esta diferença, que a princípio parece irrelevante, é, na verdade, fundamental. Com tal nomenclatura, nos afastamos da noção do tributo como algo que existe “per si” – dinheiro que o Estado arrecada para manter-se, sem contraprestação definida. No Estado Democrático de Direito esta visão é superada – o tributo é instrumento de concretização da sadia qualidade de vida, ou seja, de proteção aos bens ambientais. O Estado, assim como toda a coletividade, tem o dever de proteção e promoção do bem ambiental.
O Direito Tributário tem o foco na arrecadação, no tributo e o Estado como ente principal. O Direito Ambiental Tributário, por sua vez, tem como foco a proteção e defesa do meio ambiental e vê no tributo um instrumento para tanto – salienta o caráter dito “extrafiscal” do tributo.
Observatório Eco: Alguns projetos de lei que visam aplicar o incentivo fiscal, geralmente, acenam com isenções por volta de 4% para empresas que adotam praticas sustentável. Mas sinceramente, se a carga tributária no Brasil é na média 37%, como uma isenção de 4% de IPI se torna atrativa para o setor produtivo?
Janaina Daniel Varalli: Acredito que qualquer redução da carga tributária é bem vinda ao setor produtivo. Um exemplo bastante claro e recente que podemos citar é a redução do IPI na indústria automobilística e para a produção da linha branca de eletrodomésticos com baixo consumo de energia. A par da discussão sobre outros impactos – como, por exemplo, no caso dos automóveis, os maiores congestionamentos e emissão de gases poluentes – o que se verificou foi que, com a redução do imposto e seu repasse para os consumidores, a economia foi fomentada, ou seja, mais pessoas compraram. Tendo em mente o consumo inteligente e consciente, temos que, havendo mais consumo, há mais arrecadação (embora com carga reduzida, há aumento na base de arrecadação).
Ainda, com a redução da carga tributária, é possível que as empresas se tornem mais modernas e competitivas – investindo este valor em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, por exemplo. Mas é claro que apenas a redução de IPI não resolve a questão. O ideal é que “saia do papel” a tão falada reforma tributária e que ela considere a questão ambiental.
As empresas devem encarar a redução da carga tributária como forma de criar oportunidades e novos produtos. Já há algum tempo se tem percebido que produtos “ecologicamente corretos” tem tido a preferência do consumidor. Em diversas notícias e entrevistas, inclusive publicadas no próprio Observatório Eco, lemos que as empresas tem se preocupado cada vez mais com a imagem de “ecologicamente corretas”.
Saliento, no entanto, que o uso dos tributos como forma de proteção e defesa dos bens ambientais é um importante instrumento, mas não basta. Os incentivos fiscais e a alocação correta da arrecadação devem andar ao lado da educação ambiental, da modernização da legislação também em outras áreas do Direito e do investimento em boas práticas e investimentos (advindos da redução). Para ilustrar a questão, o caso de uma empresa de andaimes que criou uma máquina de fazer tijolos a partir de entulho, o que reduz o impacto ambiental da obra.
De qualquer forma, não adianta falar somente no IPI sem atentar para o ICMS – por isso a necessidade de uma reforma ambiental tributária.
O que incentiva o setor produtivo não é apenas uma redução ou isenção pontual. Para que haja desenvolvimento toda a tributação deve ser revista, tendo outro foco que não a arrecadação por ela mesma e sim o desenvolvimento sustentável e o bem estar social.
Observatório Eco: Uma vez que existe uma legislação extremamente sofisticada no Brasil, isso não dificulta ainda mais usar o tributo como uma ferramenta indutora de práticas ecológicas e eficientes nas empresas?
Janaina Daniel Varalli: A legislação, infelizmente, não é sofisticada e sim complexa, o que é muito ruim. A complexidade da legislação tributária é um óbice não só para o uso do tributo como ferramenta indutora de práticas ecológicas como para o desenvolvimento do país como um todo.
Novamente estamos diante de questões há muito debatidas: a necessidade de uma reforma tributária que tenha como foco a real capacidade contributiva e a destinação correta da arrecadação.
Por isso defendo que as questões tributárias devem passar por uma revisão, sendo a legislação modernizada para atender aos ditames constitucionais. A legislação deve ser simplificada e eficiente, mas claro que para isso é necessário haver vontade política.
Na verdade, trata-se não de uma reforma tributária, mas do que podemos chamar de “reforma ambiental tributária”, salientando ainda que, ao falarmos de meio ambiente, não estamos falando apenas de seu aspecto natural. Uma reforma que contemple a proteção e defesa dos bens culturais é tão importante quanto.
Um exemplo do uso do tributo como ferramenta é o IPI, do qual já falamos. Sendo a alíquota diferenciada conforme a essencialidade do produto, pode-se estabelecer alíquota diferenciada em razão do impacto ambiental do produto ou de seu processo de produção. Isso incentivaria o consumidor a adquirir o produto com menor preço e impacto.
Outras medidas que podem ser adotadas é a reforma do imposto de renda e a desoneração da folha de salário; aliás, a desoneração dos meios de produção.
Observatório Eco: Muitas prefeituras, em geral as mais simples buscam aqui no Observatório informações de como podem lucrar com o ICMS ecológico. Noto que as pequenas cidades não possuem orientação jurídica suficiente para usar o tributo favoravelmente para a região. O que deve ser feito?
Janaina Daniel Varalli: O ICMS ecológico é um instrumento para a preservação e gestão ambiental, na medida em que considera o percentual que os municípios possuem de unidades de conservação em seus territórios.
De acordo com a Constituição Federal (artigo 158), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) arrecadado pelos estados deve ser dividido na proporção de 75% para o estado e 25% aos municípios que o geraram.
Ainda, estabelece o texto constitucional que o montante pertencente aos municípios serão creditadas de acordo com o seguinte critério: I – três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.
Sobre este ¼ é que se fala em ICMS ecológico. A lei infraconstitucional pode estabelecer critérios ambientais para tal repasse. Com efeito, o uso do ICMS desta forma, atende ao plano constitucional, especialmente no que tange ao princípio da participação.
No que diz respeito aos municípios que ainda não se beneficiam do ICMS ecológico, é necessário que haja a formação de órgãos e programas voltados para tanto. Isso porque, cada estado define os critérios ambientais.
No Paraná, por exemplo, há técnicos do Instituto Ambiental do Paraná para avaliar as prefeituras. É necessário que o município se organize para tanto, com assessoria jurídica e técnica especializada; é necessário que haja uma organização executiva mínima.
Mas de maneira geral, o que as leis estaduais tem positivado para o repasse é que a prefeitura efetive práticas ambientais, como tratamento de esgoto, promoção de coleta seletiva, aprimoramento de áreas verdes municipais, formar uma estrutura ambiental (com Conselho Ambiental e, a depender do tamanho do município, uma Secretaria). Como parâmetro destas diretrizes, cito o programa “município verde azul” do Estado de SP.
Observatório Eco: Um projeto de lei audacioso que tramita pela Câmara Federal é o Projeto de Lei 6729/10, que pretende incentivar o setor produtivo a adotar processos ambientalmente adequados. Para tanto, a proposta isenta dos tributos federais, de imediato, e por 20 anos, as empresas que os adotarem. Pelo projeto, 20% dos tributos economizados pelas empresas serão utilizados, pela própria empresa, para conscientizar seus funcionários e familiares, comunidades do entorno, ou ainda alunos de escolas públicas, ensinando como produzir de forma sustentável para a economia verde. Após os 20 anos de isenção, a cobrança dos tributos será feita progressivamente. Pergunto: Dentro de uma reforma tributária, quais são as propostas que realmente podem se tornar reais no campo tributário? Em sua avaliação projetos nessa tese da proposta (6729/2010) possuem poucas chances de serem leis?
Janaina Daniel Varalli: Em minha opinião o projeto [6.729/2010] não é realista. Num primeiro momento ele parece ideal para o setor produtivo já que prevê isenção do pagamento dos impostos por 20 anos, ou seja, muito tempo.
No entanto, sem arrecadação não há instrumento para implementação de políticas públicas que realmente promovam a vida digna, saudável. A idéia central do artigo 225 da Constituição Federal é a defesa e proteção dos bens ambientais para a geração atual e futuras gerações. Sem a arrecadação, a própria defesa do meio ambiente estaria prejudicada. Acredito que o país não suportaria tal medida.
O próprio projeto de lei fala em conscientização de alunos de escolas públicas e comunidades do entorno. Mas com que dinheiro são construídas tais escolas? Além disso, se não houver empresa ecologicamente correta no entorno, a comunidade não recebe educação ambiental?
A meu ver estamos diante de uma visão setorizada do problema, que foca apenas na alta carga tributária suportada para as empresas. Com efeito, este é um problema grave, mas não o único.
A Constituição Federal é o parâmetro para qualquer interpretação legal que se queira fazer e nos dita os parâmetros para elaboração das leis. Nesta medida, devemos nos lembrar que a vida digna e, portanto saudável vai além do meio ambiente natural – é preciso haver emprego, escola, lazer, saúde – e isto deve ser implementado pela arrecadação de tributos. Este é o desenvolvimento sustentável – desenvolvimento econômico, social e proteção do meio ambiente natural em consonância.
Entendo que os projetos como o referido na pergunta tem pouca chance de tornarem-se leis e não são os melhores para o desenvolvimento sustentável. Propostas com real chance de se tornarem leis devem ser aquelas que contemplem redução de carga tributária com obrigatoriedade de reversão daquilo que for economizado, em prol da sociedade.
Não defendo que não haja isenção, mas que ela seja por período menor e com critérios mais objetivos. Ainda que seja necessário discutirmos melhor as propostas, cito como exemplos o projeto de lei (5832/09) que isenta da cobrança de IPI por um ano (Imposto sobre Produtos Industrializados) os produtos de limpeza biodegradáveis e o Projeto de Emenda à Constituição 353/2009, cujo objetivo é dar incentivos fiscais para bens, serviços e propriedades rurais com reduzido impacto ambiental e que preservem recursos naturais.
É importante que se entenda que a falta de clareza das regras fiscais afasta investimentos e por conseqüência, o desenvolvimento.
Tweets that mention Brasil precisa fazer a reforma ambiental tributária « Observatório Eco -- Topsy.com, 13 anos atrás
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Roberta Nechar Gorni, 13 anos atrás
Parabens pela ótima entrevista.
Necessitamos de reforma urgente que adeque a real capacidade contributiva e a destinação correta da arrecadação.
izildinha elisa barbon, 13 anos atrás
Parabens pela sua entrevista refente a arrecadação tributaria, que sua destinação crie mecanismo para protegermos nosso planeta e o futuro das novas gerações
Mauricio Alves, 13 anos atrás
Louváveis são contribuições como esta entrevista da Dra.Janaina D.Varalli.
Em vedade, suponho que não necessitamos chegar a uma profunda e extensa reforma tributária ambiental.
Há de se ter em mente, que o Direito ambiental deve ter por princípio não ser um instrumento de perseguição aos ruralistas, mas voltado a um ordenamento racional e incentivador.
O proprietário de terras hoje paga um “tributo” muito elevado pelo o que não fez… Recebeu a culpa transferida de seus antecessores.
Aliás, não se pode perder de vista ainda as políticas públicas de outrora de incentivos aos desmatamentos indiscriminados, aos esgotamentos das várzeas, instituído no Programa PROVARZEAS, à pesada tributação de florestas(?).
O proprietário de terra precisa é de incentivo fiscal e não ser judiado, conforme já ocorre em órbitas municipais.
Por que não se remunera, generalizadamente, aqueles que cuidam das águas e do ar, essenciais à humanidade?
É muito mais simples, racional e produtivo adotar-se um procedimento incentivador.
É preciso premiar esses beneméritos agentes ocultos ao invés de constrangê e vexá-los.
Sugiro que se “abra a roda”, porquanto há muito que se aprender…
Parabéns!
Clara, 13 anos atrás
Excelente entrevista.Estava pesquisando sobre o tema e me esclareceu muito!Parabéns!