Brasil ainda carece de um mercado de negociação pública de carbono
Roseli Ribeiro em 21 November, 2010
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Embora o Brasil seja um dos principais países no mundo que gere os certificados de créditos de carbono, aqui a negociação desses títulos “ainda é bastante incipiente”, afirma Flavio Leoni Siqueira, sócio do escritório Leoni Siqueira Advogados, que recentemente realizou sobre o tema o estudo “Regulamentação dos Ativos Ambientais no Brasil”, coordenado pela BM&FBovespa.
“Fora uma plataforma para leilões de créditos de carbono disponibilizada pela BM&FBovespa para operações específicas, não há no Brasil um ambiente de negociação pública secundária de créditos de carbono”, explica o advogado.
Falta no país a criação de um mercado de bolsa, de mercadorias e futuros ou de balcão para a negociação secundária de créditos de carbono, que permita os fundos de investimento e fundos de pensão participarem, segundo o especialista.
Flavio Leoni Siqueira é formado em Direito pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Mestre em Direito pela Universidade de Northwestern e certificado em Business pela Faculdade de Kellogg, ambas americanas.
Para o especialista, entre os muitos entraves para o mercado de carbono prosperar, “a principal deficiência jurídica é a falta de uma definição sobre a tributação das operações com créditos de carbono”, principalmente no que se refere ao mercado primário, isto é, a geração do crédito de carbono pelo desenvolvedor do Projeto de MDL. Ao regulamentar o mercado e incentivá-lo, o governo poderia “prever benefícios fiscais no âmbito do IRPJ, CSLL, PIS, e COFINS, no que se refere aos resultados ou receitas com a venda de créditos de carbono pela pessoa que os gerou”, avalia o advogado. Veja a entrevista que o advogado Flavio Leoni Siqueira concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: Atualmente, o que representa e de que maneira é operacionalizado o Mercado de Carbono, no Brasil?
Flavio Leoni Siqueira: No Brasil, o Mercado de Carbono está, hoje em dia, basicamente restrito à negociação privada de RCEs (Reduções Certificadas de Emissão) geradas em projetos de MDL (Mecanismo Desenvolvimento Limpo) previstos no Protocolo de Quioto.
Estas operações muitas vezes envolvem um contrato de compra futura de RCEs e normalmente ocorrem entre aqueles que geraram as RCEs no Brasil e estrangeiros, que possuem metas de redução sob o Protocolo de Quioto e, portanto, desejam utilizar essas RCEs para cumprimento de tais metas.
Fora uma plataforma para leilões de créditos de carbono disponibilizada pela BM&FBovespa para operações específicas, não há no Brasil um ambiente de negociação pública secundária de créditos de carbono.
Apesar de já termos investidores institucionais interessados em negociar com estes ativos – como os fundos de investimento e fundos de pensão -, uma plataforma deste gênero ainda não foi implementada por aqui.
Observatório Eco: Então, comparando os demais países com o Brasil a negociação de créditos de carbono ainda é pequena.
Flavio Leoni Siqueira: Mesmo sendo o Brasil um dos principais geradores de RCEs no Mundo, a negociação de créditos de carbono por aqui ainda é bastante incipiente, ficando, restrita às negociações privadas entre os interessados. Na Europa, por exemplo, existem mercados de créditos de carbono com muita liquidez. Na Ásia também já foram implementados mercados para a negociação destes ativos.
O que falta no Brasil é justamente a implementação de um mercado de bolsa, de mercadorias e futuros ou de balcão para a negociação secundária de créditos de carbono, que permita aos fundos de investimento e os fundos de pensão ingressarem no mercado. Ambos já possuem autorização regulatória para negociar com RCEs, mas sem um mercado público não têm como operacionalizar sua participação. Esse é o principal ajuste necessário para que os investidores (principalmente os institucionais) entrem no mercado brasileiro. Com a liquidez que estes investidores podem prover, outros investidores também se interessariam pelo mercado brasileiro.
Observatório Eco: Em sua opinião faltam instrumentos jurídicos no Brasil para garantir o impulso neste mercado? Quais os gargalos jurídicos, tributários e até contábeis?
Flavio Leoni Siqueira: Fora a falta de um mercado público de negociação secundária, a principal deficiência jurídica que temos é justamente a falta de uma definição acerca da tributação das operações com créditos de carbono, principalmente no que se refere ao mercado primário, (a geração do crédito de carbono pelo desenvolvedor do Projeto de MDL).
Há dúvidas sobre como se deve registrar as RCEs quando geradas e como estas devem ser tributadas quando alienadas. Esta indefinição acaba sendo mais uma questão relevante, que é levada em consideração pelas empresas brasileiras quando decidem se vão realizar Projetos de MDL.
Se não chega a inibir, ao menos dificulta bastante a tomada de decisão. O efeito disso pode ser justamente uma redução no montante de RCEs geradas pelo Brasil e, consequentemente, uma menor liquidez no mercado local.
Observatório Eco: Quais os princípios que devem nortear uma futura regulamentação deste mercado?
Flavio Leoni Siqueira: A regulamentação deste mercado deve ter como princípio fundamental fomentar o desenvolvimento sustentável do País através do estímulo à implementação de projetos de redução ou sequestro de gases do efeito estufa.
Deve considerar, também, a importância dos mecanismos de mercado como meio de se reduzir o custo marginal da redução ou sequestro destes gases. Assim, a regulamentação deve, por um lado, incentivar o mercado primário de créditos de carbono, principalmente através de incentivos fiscais, e, por outro, auxiliar a implantação de um mercado secundário líquido e transparente no Brasil.
Observatório Eco: Quais os incentivos fiscais que o governo já poderia dar ao MDL para incrementar o Mercado de Carbono?
Flavio Leoni Siqueira: A regulamentação deste mercado poderia prever benefícios fiscais no âmbito do IRPJ, CSLL, PIS, e COFINS, no que se refere aos resultados ou receitas com a venda de créditos de carbono pela pessoa que os gerou. Poderia haver, também, reduções de alíquota de IPI e/ou depreciação acelerada dos custos de equipamentos, máquinas e outros aparelhos usados no projeto de redução de gases.
Observatório Eco: De que forma as discussões sobre o Protocolo de Quito impactam esse mercado?
Flavio Leoni Siqueira: As incertezas sobre o próximo período do Protocolo de Quioto são ruins para o mercado e impactam tanto na disposição dos envolvidos para começar novos projetos de redução de gases – que são necessariamente de longo prazo -, como na cotação dos créditos de carbono nos mercados secundários.
Contudo, o Protocolo de Quioto não é o único instrumento para se obter redução de gases ou negociar créditos de carbono. Existem, também, os mercados voluntários e a possibilidade, que se abre cada vez mais, de países celebrarem acordos bilaterais com metas de redução e mecanismos de mercado para auxiliar no seu cumprimento.
Observatório Eco: Recentemente, o Brasil aprovou a lei nº 12.187/09, que trata da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Essa lei prevê a criação do MBRE (Mercado Brasileiro de Redução de Emissões). De que maneira provavelmente se dará os contornos legais dele?
Flavio Leoni Siqueira: Foi a primeira vez que uma Lei Federal previu expressamente a existência de um mercado secundário de negociação de créditos de carbono no Brasil. Apesar de este mercado ainda não ter sido regulado e não haver prazo para a sua implementação, me parece uma sinalização clara do Legislativo e do Governo Federal no sentido de reconhecer a importância que o mercado de negociação tem para auxiliar na redução de emissões do país.
O MBRE deverá ser implementado através de bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela CVM. As bolsas e mercados de balcão brasileiros já estão de olho neste mercado e é possível que a Lei n°. 12.187/09 tenha sido o pontapé que faltava para que algum “player” do mercado decida finalmente implementar o mercado de carbono brasileiro.
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