O valor da biodiversidade
Roseli Ribeiro em 19 October, 2010
Tuite
“Qualquer mecanismo que sirva para entender o que é biodiversidade é válido. Estamos precisando mesmo de um painel que reúna e divulgue o estado da arte do conhecimento científico sobre esse assunto e que dê subsídios para incluir o valor da biodiversidade nas contas dos países”, a opinião é de Malu Nunes, que atua na “Fundação O Boticário de Proteção à Natureza” há dezenove anos, e desde 2006, é diretora executiva da instituição. Porém, a especialista ressalta que “precisamos ficar atentos sobre como valorar a Natureza, pois isso é uma faca de dois gumes”
Sobre a COP – 10 (Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica) a especialista espera que os compromissos assumidos “sejam efetivamente implementados e que não fiquem só no discurso”. Malu Nunes é mestre em Conservação da Natureza e em Ciências Florestais pela Universidade Federal do Paraná, e especialista em Manejo de Áreas Protegidas pela Colorado State University, dos Estados Unidos.
Autora de publicações sobre arborização urbana, manejo de áreas protegidas e conservação da natureza demonstra sua oposição à reforma do Código Florestal. “Quem defende essas propostas de mudanças não mede as conseqüências delas para a manutenção dos ciclos ecológicos, que garantem não só a vida no planeta, mas também, a médio e longo prazo, as atividades econômicas que são as justificativas para essas mesmas alterações”, afirma. Veja a entrevista que Malu Nunes concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: Estudiosos sobre o tema afirmam que a biodiversidade no mundo continua em declínio, o que a senhora espera da próxima COP-10, que ocorre em Nagoya (Japão)?
Malu Nunes: Espero que as discussões e os compromissos virem prática. Que sejam efetivamente implementados e que não fiquem só no discurso.
Observatório Eco: A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, divulgou de que está em estudo a elaboração de um painel mundial, no estilo do IPCC existente para as questões de mudanças climáticas, para que seja possível quantificar economicamente o que representa a perda da biodiversidade. Qual a sua avaliação sobre essa iniciativa?
Malu Nunes: Qualquer mecanismo que sirva para entender o que é biodiversidade é válido. Estamos precisando mesmo de um painel que reúna e divulgue o estado da arte do conhecimento científico sobre esse assunto e que dê subsídios para incluir o valor da biodiversidade nas contas dos países.
Precisamos ficar atentos sobre como valorar a natureza, pois isso é uma faca de dois gumes. Esse valor pode ser subestimado se virmos somente a extração direta dos produtos ou recursos da natureza. Porém, ele se torna bastante significativo se forem consideradas todas as cadeias econômicas que dependem das espécies e dos ecossistemas e os grandes serviços prestados pela biodiversidade (como produção de água, regulação do clima, e polinização).
Observatório Eco: 2010, ano da Biodiversidade no mundo, o que existe para comemorar em termos de preservação e conservação da biodiversidade no Brasil?
Malu Nunes: Está difícil comemorar algo diante do cenário da possível aprovação da alteração do Código Florestal, o que pode desconstruir tudo o que já foi conquistado. A nova proposta do Código Florestal dá muitas brechas para o desmatamento e anistia para quem já desmatou.
Observatório Eco: Se a senhora fosse indicada para criar um planejamento público de defesa da biodiversidade no país, quais as 3 medidas que tomaria de imediato e por quê?
Malu Nunes: Primeiro, eu impediria as alterações que estão sendo propostas no Código Florestal. Se fosse para alterá-lo, a mudança deveria ser feita ampliando as áreas mínimas de preservação, jamais as diminuindo.
Segundo, eu daria maior prioridade ao Ministério do Meio Ambiente, reforçando o seu orçamento – que hoje é um dos mais baixos entre os ministérios, pois sem estrutura não tem como fazer muito.
Terceiro, tomaria decisões que trouxessem resultados melhores em longo prazo e não medidas mais populares que trazem resultado (muitas vezes ilusório) de curto prazo.
Ainda em relação ao Código Florestal, o argumento de que as mudanças vão beneficiar os produtores rurais é uma dessas medidas populares e de curto prazo. Quem defende essas propostas de mudanças não mede as conseqüências delas para a manutenção dos ciclos ecológicos, que garantem não só a vida no planeta, mas também, a médio e longo prazo, as atividades econômicas que são as justificativas para essas mesmas alterações. Uma alternativa efetiva é o estabelecimento de mecanismos que privilegiem quem realmente preserva, como o pagamento por serviços ecossistêmicos.
Observatório Eco: Quais as lições, que a atuação da Fundação O Boticário tem, que servem de modelo no planejamento de conservação da biodiversidade no Brasil?
Malu Nunes: A Fundação O Boticário considera que a melhor forma para manter a integridade da biodiversidade e seus processos naturais é a conservação das áreas naturais, principalmente por meio de unidades de conservação de proteção integral.
As duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) da instituição conservam uma amostra significativa dos biomas em que estão localizadas – a Mata Atlântica e o Cerrado, os mais ameaçados do Brasil.
Nessas áreas, estão protegidos diferentes tipologias vegetacionais e estágios evolutivos naturais, bem como a fauna a ela associada, garantindo assim proteção à biodiversidade local.
A Reserva Natural Salto Morato, a primeira a ser criada, em 1994, é considerada hoje referência no manejo de reserva privada e campo de pesquisa para pesquisas científicas.
A Fundação também se dedica a incentivar outros a conservarem suas áreas. É o caso do Projeto Oásis, que remunera proprietários particulares de terras que conservam remanescentes de Mata Atlântica, por meio de um mecanismo de pagamento por serviços ecossistêmicos.