Leis de proteção ao mar dificilmente são respeitadas
Roseli Ribeiro em 27 April, 2010
Tuite
A poluição marítima é “um problema mundial, independentemente do grau de riqueza do país”, na opinião do advogado Dario Almeida Passos de Freitas. Em entrevista ao Observatório Eco, o especialista aponta que as cidades litorâneas podem tratar o esgoto, controlar a densidade populacional, o lixo pode ser destinado para locais adequados. “Mas há custos para isto, e nem todo administrador está disposto a gastar altas somas para esta finalidade, ou proibir a instalação de indústrias em suas regiões, que geram rendas e empregos”, enfatiza.
No país, a proteção do mar conta com inúmeros tratados internacionais, além de leis brasileiras e até resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar é uma das mais importantes. Concluída em Montego Bay, na Jamaica, em 1982, foi promulgada no Brasil pelo Decreto 1.530, de 1995. Há também a Lei de Gerenciamento Costeiro, lei 7.661/88, que “não soluciona a maior parte das questões complexas referentes ao meio ambiente costeiro”, segundo o advogado.
Dario A. Passos de Freitas, formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, conta que nasceu na cidade de Santos (SP) e em razão do surfe que pratica já cansou “de ver cenas lamentáveis, como grandes manchas de óleo, lixo de tudo que é tipo nas areias ou mesmo boiando, animais mortos por algum tipo de poluição”. Isso o levou a estudar o assunto para entendê-lo melhor e também conhecer suas conseqüências aos seres vivos que ficam em contato com o mar. Recentemente, escreveu o livro “Poluição Marítima”, pela Juruá Ed., em que apresenta o tema pelo enfoque da legislação, doutrina e jurisprudência.
Sobre a pesca predatória, o autor avalia que se trata de “problema de solução muito distante e difícil”. “Os barcos pesqueiros de vários países vão para o alto-mar, onde se sentem seguros por não serem fiscalizados, e exploram indiscriminadamente vários tipos de peixes, inclusive espécies protegidas, sem qualquer controle”, ressalta. Veja a entrevista que Dario A. Passos de Freitas concedeu ao Observatório Eco, com exclusividade.
Observatório Eco: O mar é uma fonte econômica incalculável, todos os países reivindicam uma parte dele, por outro lado, quando se trata de protegê-lo, por exemplo, cuidar da poluição marinha, a impressão que fica é que todos fogem dessa missão. De que maneira o senhor avalia esse problema?
Dario A. Passos de Freitas: Realmente este é um problema mundial, independentemente do grau de riqueza do país. Por exemplo, um artigo da Revista Veja informava que em países desenvolvidos como Itália, França e Espanha, o turismo deixa cerca de 15 milhões de toneladas de lixo por ano e que 9 milhões de resíduos sem tratamento são despejados em seus mares.
O que muitos municípios e Estados querem é que haja desenvolvimento local e regional para gerar-lhes riquezas. Entretanto, esquecem, ou não dão importância, para o fato de que isto também traz graves conseqüências: alta densidade demográfica na zona costeira, aumento da produção de esgoto sem tratamento e da quantidade de lixo sem local adequado de armazenamento, o que acaba, direta ou indiretamente, acarretando impactos negativos ao meio ambiente marinho.
O esgoto pode ser tratado, a densidade populacional pode ser controlada, o lixo pode ser destinado para locais adequados, mas há custos para isto, e nem todo administrador está disposto a gastar altas somas para esta finalidade, ou proibir a instalação de indústrias em suas regiões, que geram rendas e empregos.
A Cia. de Saneamento do Paraná – SANEPAR, por exemplo, tomou a seguinte atitude no município litorâneo de Matinhos: caso o proprietário de uma residência que, mesmo tendo disponível rede de coleta de esgoto não faça a ligação de sua residência à rede, terá seu abastecimento de água cortado. Foi necessária esta atitude, pois grande parte do esgoto produzido nas residências era despejado diretamente em rios e córregos da região, vindo a desaguar no mar.
A cidade de Santos (SP), mesmo com um alto custo, solucionou o problema da poluição causada pelo despejo de esgoto no mar. Em 1978 construiu um emissário submarino, no qual o esgoto coletado é tratado e lançado ao mar, a alguns quilômetros de distância da costa.
Observatório Eco: O gerenciamento costeiro é tratado pela lei 7.661/88, quais os pontos positivos e negativos dessa lei?
Dario A. Passos de Freitas: A Lei de Gerenciamento Costeiro é boa, mas bastante genérica e com poucas normas auto-aplicáveis. Não soluciona a maior parte das questões complexas referentes ao meio ambiente costeiro.
No entanto, possui importantes previsões, como a definição de praia, sua qualidade de bem de uso comum do povo, instituição do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, prevendo não só normas referentes ao meio ambiente natural, mas também, histórico, étnico e cultural.
Importante também a previsão para a necessidade de licenciamento de obras a serem realizadas na zona costeira. Apesar de ter sido editada antes da Constituição de 1998, ela foi devidamente recepcionada por esta. Foi regulamentada pelo Decreto 5.300, de 2004.
Observatório Eco: O Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) inclusive, também tem normas que tratam do gerenciamento costeiro?
Dario A. Passos de Freitas: Uma vez que o Conama não pode legislar através de suas Resoluções, seu campo de ação fica um pouco limitado. Entretanto, já editou algumas Resoluções interessantes que têm relação com a proteção da zona costeira e conseqüentemente da poluição marinha, como por exemplo, a de nº 398/2008, que trata do Plano de Emergência Individual em caso de incidentes de poluição por óleo.
Também a de nº 393/2007, que dispõe sobre o descarte contínuo de água decorrente de processos de produção em plataformas marítimas de petróleo. Ambas objetivam evitar ou minimizar a poluição marinha que possa ser causada nestes casos.
Observatório Eco: As reportagens sobre o período do verão mostram a irresponsabilidade absoluta na preservação e limpeza das praias, falta vontade pública das cidades litorâneas no assunto? E como exigir providências para sanar esse problema?
Dario A. Passos de Freitas: Este é um grande problema que tem vários responsáveis. A quantidade de pessoas que vão para as cidades litorâneas no verão é enorme, muitas vezes incompatível com a capacidade das cidades em recebê-las. Faltam lixeiras. O sistema de coleta municipal não consegue dar conta do lixo doméstico produzido. A própria população deixa uma quantidade enorme de lixo nas areias: bitucas de cigarros, latas, sacolas plásticas, etc., ao invés de jogarem nas lixeiras (quando existem) ou levarem seu próprio lixo para casa, dando-lhe a destinação adequada.
Falta vontade política sim em alguns casos, mas também há falta de educação de muitos veranistas. Poderiam ser feitas algumas ações, como campanhas de conscientização e educação ambiental, distribuição de sacolas nas praias, aumentar a freqüência da coleta do lixo durante o verão, criar locais para reciclagem, etc.
Uma fórmula para sanar estes problemas é difícil, mas muitas vezes é possível através de ONGs ou do Ministério Público, que tomam atitudes que acabam por minimizar ou até resolver a situação, aquelas realizando mutirões ou campanhas, e este através de ações civis públicas.
Observatório Eco: Na prática qual a importância da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar?
Dario A. Passos de Freitas: A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar é uma das mais importantes. Foi concluída em Montego Bay, na Jamaica, em 10/12/1982, e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 1.530, de 22.06.1995. É composta por 320 artigos e propõe uma ordem jurídica para os mares e oceanos que facilite as comunicações internacionais e promova os usos pacíficos dos mares e oceanos, a utilização equitativa e eficiente dos seus recursos, a conservação dos recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação do meio marinho.
Sua importância se dá pelo grande número de aspectos que ela aborda, como, por exemplo, os mamíferos marinhos, os direitos dos Estados sobre a plataforma continental, medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio ambiente marinho, planos de emergência contra a poluição, avaliação ecológica, entre outros.
Esta Convenção também criou o Tribunal Internacional do Direito do Mar, que tem sua sede em Hamburgo, Alemanha. É uma entidade judicial independente, formada para solucionar os litígios relativos à interpretação ou aplicação da Convenção e de acordos internacionais que tenham relação com os objetivos estabelecidos pelos Estados aderentes. É um dos Tribunais mais importantes.
Observatório Eco: Conta um pouco mais sobre o Tribunal.
Dario A. Passos de Freitas: O Tribunal é composto por 21 membros independentes, eleitos, que tenham grande conhecimento no campo do direito marítimo. Temos um representante brasileiro no Tribunal, o professor Vicente Marotta Rangel, da Universidade de São Paulo, e que lá se encontra desde 1996.
Não conheço decisão do Tribunal envolvendo o Brasil em caso de poluição marítima. Existe uma questão recente envolvendo a Irlanda e a Grã-Bretanha, na qual a Irlanda reclama que navios britânicos navegam por sua costa transportando material nuclear. Requereu uma medida cautelar ao Tribunal, a qual foi concedida.
Observatório Eco: A Convenção da Jamaica reafirmou, para o Alto-Mar, o princípio da liberdade de navegação para os navios de todos os Estados, tenham ou não litoral. Com isso a exploração de cardumes de peixes é algo violento, sem respeito ao equilíbrio ambiental. De que forma lidar com esse problema?
Dario A. Passos de Freitas: Este é um problema de solução muito distante e difícil. Os barcos pesqueiros de vários países vão para o alto-mar, onde se sentem seguros por não serem fiscalizados, e exploram indiscriminadamente vários tipos de peixes, inclusive espécies protegidas, sem qualquer controle. Por exemplo, o Japão, que caça de forma brutal golfinhos e baleias, em grande quantidade, sem se preocupar com o risco de extinção de certas espécies.
Como a fiscalização é extremamente difícil, o que muitas ONGs fazem são campanhas de informação da população para evitarem o consumo de alguns tipos de peixes, ou que boicotem os produtos vendidos por determinados países.
Observatório Eco: A Capitania dos Portos do Ministério da Marinha, no Brasil, deveria ter mais presença na fiscalização da costa e dos portos, porém, é praticamente nula. Quem se beneficia dessa omissão? Quais as responsabilidades legais da Capitania dos Portos que não são realizadas?
Dario A. Passos de Freitas: Os que se beneficiam com a falta de fiscalização, seja por parte do IBAMA, seja por parte da Capitania dos Portos, são aqueles que atuam em desconformidade com a lei. Importante salientar que estes órgãos também são prejudicados pela falta de pessoal e de material.
Há principalmente duas leis que determinam as atribuições da Capitania dos Portos e que guardam relação com a poluição marinha. A Lei 9.966/2000, em seu artigo 27, dispõe que é atribuição da autoridade marítima, a Capitania, entre outras, fiscalizar navios, plataformas e suas instalações de apoio, e as cargas embarcadas, de natureza nociva ou perigosa, autuando os infratores na esfera de sua competência. Também levantar dados e informações e apurar responsabilidades sobre os incidentes com navios, plataformas e suas instalações de apoio que tenham provocado danos ambientais.
A Lei de Crimes Ambientais, 9.605/98, em seu artigo 70, parágrafo 1º, apenas reforça, dispondo que as autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo são os funcionários de órgãos ambientais e também os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
Observatório Eco: O que te motivou a escrever sobre o assunto?
Dario A. Passos de Freitas: Nasci em Santos, litoral paulista, passei minha infância morando em outras cidades litorâneas, e até hoje mantenho um contato muito próximo ao mar em razão do surfe, esporte que pratico há muitos anos.
Cansei de ver cenas lamentáveis, como grandes manchas de óleo, lixo de tudo que é tipo nas areias ou mesmo boiando, animais mortos por algum tipo de poluição. Por esses motivos resolvi estudar o assunto para entendê-lo melhor e também conhecer suas conseqüências aos seres vivos que mantém contato com o mar.
Observatório Eco: Para os estudantes que querem estudar mais sobre esse assunto, seu livro “Poluição Marítima” traça um roteiro básico, que pode ser seguido?
Dario A. Passos de Freitas: Escrevi o livro “Poluição Marítima”, preocupado com aquele que quer saber mais sobre o assunto, em linguagem simples, inclusive para quem não é da área jurídica. Inicio com a abordagem dos diversos tipos de poluição e suas conseqüências para o meio ambiente marinho, que é o primeiro passo para se estudar o assunto. Depois, trato da legislação relacionada ao tema, os tipos de responsabilidades e a questão da competência, que desperta muitas controvérsias.
Inclusive, na parte final, há um tópico com modelos de petições, como por exemplo, ação civil pública proposta por ONG, pedido de providências ao IBAMA e ao Ministério Público, entre outras.
Observatório Eco: O Brasil já tem regras sobre a água de lastro nos navios, porém, os jornais noticiam sistematicamente que essas regras não são cumpridas por embarcações estrangeiras e ficam no descaso. Há inclusive a pirataria de águas puras que são levadas pelos navios estrangeiros. De que maneira lidar com esses problemas?
Dario A. Passos de Freitas: O Brasil assinou em 2005 a Convenção Internacional para o Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Embarcações, a qual foi elaborada pela International Maritime Organization – IMO. Ela tem como objetivo principal reduzir a introdução de espécies exóticas através da água de lastro. Entretanto, esta Convenção ainda não foi ratificada pelo Congresso.
Há a Resolução 217, de 21/11/2001, da ANVISA, que possui um título exclusivo sobre a água de lastro. Entre outras determinações, dispõe que: o lançamento da água de lastro captada em área geográfica considerada como de risco à saúde pública ou ao meio ambiente, fica condicionado à autorização prévia da autoridade sanitária, ouvido o Órgão Federal de Meio Ambiente e a autoridade marítima, segundo o artigo 27.
Toda embarcação se sujeita à coleta de amostra de água de lastro para análise, conforme o artigo 28. Além disso, é proibida a utilização dos tanques próprios para água de lastro para outros fins conforme o artigo 29. Já o artigo 3º dispõe que a inobservância ou desobediência ao disposto na presente Resolução, configura infração de natureza sanitária, na forma da Lei 6.437, de 20/08/1977, a qual estabelece as sanções relativas às infrações perante a legislação sanitária federal.
Merece destaque a NORMA 20, da Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil, que é a mais importante norma que dispõe sobre a água de lastro no país. Determina, por exemplo, que as trocas da água devem ser realizadas a pelo menos 200 milhas náuticas da terra mais próxima, e também em águas com pelo menos 200 metros de profundidade. Além disso, os navios deverão realizar a troca com uma eficiência de pelo menos 95%.
O que ocorre é que, em razão de nosso extenso litoral, não há fiscalização suficiente para coibir tais práticas. Assim, muitas embarcações acabam por despejar a água de lastro em locais não apropriados, próximos à costa, que podem vir a prejudicar o ecossistema local, além da saúde da população.
Este não é um problema somente brasileiro, mas mundial. O ideal, apesar de difícil execução, seria aumentar a fiscalização e também realizar análises das águas que estão sendo descartadas, para se saber se estão ou não contaminadas.
Observatório Eco: O avanço tecnológico das embarcações mostra que cada vez mais os navios lançam poluição sonora no fundo do mar prejudicando a vida marinha. Sinceramente, tem como proteger essa vida marinha e exigir dos construtores uma tecnologia mais adequada?
Dario A. Passos de Freitas: Essas tecnologias, como por exemplo, as utilizadas por navios-sondas, que servem para perfuração de poços, entre outros, são muito necessárias hoje em dia, tendo em vista que podem alcançar grandes profundidades, cerca de 6.000m. Como é uma questão bem técnica, não sei se seria possível um sistema que emitisse ondas sonoras de baixa freqüência, ou que interferisse o mínimo possível no ecossistema marinho.
Poderia ser exigido algo dos construtores sim, mas não tenho conhecimento da existência de estudos que apontem os danos que eventualmente ocorram, ou o que poderia ser feito para diminuí-los. Uma medida que poderia ser tomada seria a de limitar ou proibir o uso de sondas em determinadas áreas protegidas, ou áreas que sejam berçários de determinadas espécies, por exemplo.
Heverthon Rocha, 14 anos atrás
Fantástica a entrevista. Os problemas relacionados a poluição dos mares deveria ser abordada com maior frequência pela mídia. O que não acontece. O que vemos é que somente quando uma grande tragédia acontece, e que se noticia a importância dos mares e oceanos.
claudio b. marques, 13 anos atrás
Sou proprietário de casa na praia Tabatinga, município de Caraguatatuba, há mais de 30 anos. Apesar da legislação sobre as proibições de trafego de carros, jet skies e barcos em praias, proibição de fechamento de praia, o que se vê é uma permissividade que tem degradado sistematicamente a citada praia com a leniência dos orgãos municipais e da marinha. Chegamos ao cúmulo de terem colocado avisos para que os usários da praia TOMEM CUIDADO COM O TRAFEGO DE TRATORES já que estes transportam os barcos pelas ruas do bairro desde 500 a 700 metros de distância da praia até a mesma.
William Schepis, 13 anos atrás
“A cidade de Santos (SP), mesmo com um alto custo, solucionou o problema da poluição causada pelo despejo de esgoto no mar. Em 1978 construiu um emissário submarino, no qual o esgoto coletado é tratado e lançado ao mar, a alguns quilômetros de distância da costa.”
O esgoto de Santos/São Vicente recebe somente tratamento primário, o ideal seria tratamento secundário, que eliminaria diversos agentes contaminantes. O local onde se encontram os difusores no final do emissário não é o ideal. Encontra-se dentro da baía de Santos a uma profundidade de 10 metros, influenciando na balneabilidade das praias da região que possuem média anual péssima/ruim segundo a Cetesb.
Fora as cerca de 30 mil pessoas que vivem em palafitas na região estuarina, lançando esgoto in natura e lixo doméstico, incluindo entulho, móveis, eletrônicos e eletrodomésticos.