Próxima lei de ação civil pública é mais eficiente, diz juiz
Roseli Ribeiro em 23 February, 2010
Tuite
Para aqueles que militam na área, a ação civil pública é um dos instrumentos processuais mais utilizados na defesa dos direitos ambientais desde 1985, com o surgimento da lei 7.347/85. Decorridos vinte e cinco anos, esta legislação será em breve substituída pela nova lei da ação civil pública, que atualmente tem seu projeto tramitando no Congresso Nacional. “O projeto não representa uma ruptura com a legislação vigente, mas um aprimoramento”, na avaliação do juiz federal, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, integrante da Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto desta nova legislação.
Em entrevista ao Observatório Eco, Mendes ressalta que a tramitação da lei da ação civil pública se tornará uma prioridade legal, o que beneficia os feitos ambientais que ganharão maior celeridade processual.
Outra alteração do projeto 5.139/2009 está relacionada à competência, que também irá favorecer a tramitação das causas ambientais na opinião do jurista. “O projeto traz melhorias, porque deixa de concentrar, de modo absoluto, as ações coletivas nas capitais e no Distrito Federal. Só haverá a competência das capitais e do Distrito Federal quando estes forem também atingidos, o que não ocorre atualmente”. E completa “hoje, se o dano for regional, a competência será da capital, ainda que o problema diga respeito apenas a uma área totalmente afastada da capital. Isso acaba atrapalhando várias demandas ambientais”.
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes é favorável à criação de órgãos especializados para tratarem de ações relacionadas ao direito ambiental, em razão de considerar essas causas “fundamentais para a própria sobrevivência da humanidade”. Mendes, atualmente é convocado do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e acaba de lançar pela Editora Revista dos Tribunais, a 3ª edição do livro “Competência Cível da Justiça Federal”, o autor ressalta que nosso sistema processual é “extremamente rígido”. E considera que as regras de competência podem ser “suavizadas”. “De fato, no Código de Processo Civil e nas leis extravagantes há uma enorme profusão de regras pertinentes à competência, causando confusão e insegurança jurídica, afirma o especialista.
Nesta entrevista exclusiva concedida ao Observatório Eco, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes lista vários exemplos de inovação da futura lei de ação civil pública, que irão dar mais eficiência às demandas coletivas. Entre elas, o juiz federal cita a criação dos Cadastros Nacionais de Processos Coletivos, sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça, e de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público. Menciona também a elaboração de um programa extrajudicial de prevenção ou reparação de danos, que poderá existir antes ou no curso do processo coletivo. Aponta também a flexibilização de normas procedimentais e o aperfeiçoamento da liquidação e execução, que devem ser preferencialmente coletivas. Veja a seguir a íntegra da entrevista.
Observatório Eco: Em sua opinião por que temos uma jurisdição tão sofisticada quando o tema é competência?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: A sofisticação decorre do incremento do tamanho e da estrutura do Poder Judiciário. Por um lado, temos um Estado federado, que reparte as funções e órgãos judicantes mantidos pela União e pelos Estados-membros.
Por outro, a ampliação gradativa do acesso à Justiça e a maior conscientização da sociedade produzem um número crescente de demandas. Com isso, há a necessidade contínua de especializações, para que os tribunais e juízes possam se concentrar cada vez mais em menos matérias, decidindo, assim, com maior rapidez e qualidade.
Ocorre, entretanto, que, nem sempre, o crescimento e a especialização da Justiça ocorrem no tempo ideal. Portanto, por vezes, a ampliação do número e a especialização de órgãos judiciais somente surgem tardiamente, atenuando, mas não resolvendo, a situação de acúmulo de processos e de demora na resolução dos litígios.
A organização do Poder Judiciário e a sua competência precisam ser bem conhecidas e estudadas pelos profissionais do Direito. É tão importante quanto a triagem e o encaminhamento correto de pacientes para uma especialidade em um hospital. Se o doente for diagnosticado erradamente e encaminhado para outro setor, o seu tratamento poderá sofrer prejuízos com a demora. Por fim, o nosso sistema processual é extremamente rígido, em termos de nulidades, especialmente no que diz respeito ao tema da competência, o que agrava ainda mais a situação.
Observatório Eco: Muitos afirmam que essa sofisticação acaba prejudicando a tramitação do feito, quando já no início há conflitos de competência. Por que definir a competência de um foro se torna uma tarefa complicada?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: É claro que há questões complexas, como pode ocorrer quando há uma repartição de competência ou atribuições concorrentes entre entes políticos. A questão da saúde e do meio ambiente são exemplos. Mas, de qualquer modo, a existência de uma responsabilidade conjunta não pode ser entendida como ausência de dever do ente demandado. Pelo contrário, qualquer um deles pode ser chamado a juízo.
De qualquer modo, para que não se corra risco maior de delongas, a parte autora deve analisar como a doutrina e a jurisprudência estão se posicionando, para que a demanda seja proposta corretamente diante do órgão judicial competente.
A existência de impugnação em relação à competência não pode ensejar o retardamento do processo. A rigor, apenas a exceção de incompetência pode suspender o processo, sem impedir a apreciação de medidas urgentes e deve ser rapidamente resolvida. Considero, entretanto, que as regras de competência devem ser, em regra, suavizadas. Por exemplo, penso que, em termos de ação civil pública ou mesmo de ações coletivas em geral, a incompetência territorial não deva ser absoluta, mas, sim, relativa.
Portanto, se não for alegada pela parte demandada no prazo para a resposta, melhor que haja a prorrogação da competência, desaparecendo, assim, qualquer vício decorrente da incompetência territorial inicial.
Observatório Eco: Que modelo o Brasil poderia adotar para simplificar a competência? Tantos critérios, como em razão do lugar, em razão da matéria, em razão da pessoa são realmente necessários?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: De fato, no Código de Processo Civil e nas leis extravagantes há uma enorme profusão de regras pertinentes à competência, causando confusão e insegurança jurídica. Problema semelhante ocorre também em relação aos procedimentos. Há muitos procedimentos especiais, com mudanças acessórias em um prazo ou em determinado detalhe, sem que estas alterações revelem importância significativa, mas que acaba tornando a compreensão do sistema processual algo hermético e incompreensível. Portanto, é um tema que merece ser reflexão e mudança.
Observatório Eco: Quais os critérios que devem ser analisados pelo operador do direito quando se tratar de ações ambientais dentro da justiça federal?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: O caminho que costumo, em geral, indicar, para se verificar a competência, passa, basicamente, por cinco passos: a) se a demanda é da competência do STF, como no caso de um mandado de segurança contra o Presidente da República; b) se é da competência do STJ, como no mandado de segurança contra ato praticado por Ministro de Estado; c) não sendo da competência originária do STF ou do STJ, qual o ramo da Justiça competente (para tanto, se deve verificar, primeiro, se a matéria é de um ramo especializado, militar, eleitoral ou do trabalho), pois, do contrário, será da Justiça Comum e, neste caso, há que se perquirir se a competência é da Justiça Federal, com a incidência de um dos incisos do art. 109 da Constituição da República. Do contrário, por exclusão, será da competência da Justiça Estadual; d) definido o ramo da Justiça, o próximo passo será a definição do foro, ou seja, do local em que a ação deve ser proposta; e) por fim, definido o local da demanda, se houver mais de um órgão judicial, devem ser consultadas as normas de organização, para se descobrir qual deles será o competente.
Em se tratando de ações ambientais da competência da Justiça Federal, a legislação vigente indica que a ação deve ser proposta no lugar do dano ou onde ele poderá ser sofrido, se de natureza local. Mas, se o alcance do problema for regional, a demanda deve ser proposta na Capital de um dos Estados envolvidos. E, se for nacional, poderá ser proposta em uma das Capitais dos Estados ou no Distrito Federal.
Observatório Eco: No âmbito ambiental, quando já no início se instala um conflito de competência a tutela ao meio ambiente corre o risco de ficar desprotegida?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: Sim, se um dos órgãos em conflito ou o tribunal competente para a resolução do conflito não tomar nenhuma decisão e houver o risco de que o ato ilícito possa ser pratica ou o dano efetivado.
Observatório Eco: O senhor tem acompanhado as discussões sobre a criação de uma nova ação civil pública, essa mudança de paradigma - processos coletivos – é realmente necessária?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: Tive a honra de ser nomeado pelo Ministro da Justiça para compor a Comissão Especial que elaborou o Anteprojeto da nova Lei da Ação Civil Pública, que se encontra, dentro da segunda fase do Pacto Republicano, em tramitação na Câmara dos Deputados, na forma do PL 5.139/2009. A legislação vigente da Ação Civil Pública data de 1985 e pode ser aprimorada.
Em termos de competência, por exemplo, o Projeto traz melhorias, porque deixa de concentrar, de modo absoluto, as ações coletivas nas capitais e no Distrito Federal. Só haverá a competência das capitais e do Distrito Federal quando estes forem também atingidos, o que não ocorre atualmente. Hoje, se o dano for regional, a competência será da capital, ainda que o problema diga respeito apenas a uma área totalmente afastada da capital. Isso acaba atrapalhando várias demandas ambientais.
Observatório Eco: De que forma a nova ação civil pública será melhor que a atual? A jurisprudência firmada ao longo desses anos será totalmente perdida?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: O Projeto não representa uma ruptura com a legislação vigente, mas um aprimoramento. As ações civis públicas não dispõem de prioridade legal. O Projeto estabelece esta necessária prioridade. O projeto de nova Lei da Ação Civil Pública incorporou inúmeras proposições dos dois anteprojetos de Código Brasileiro de Processos Coletivos anteriormente formulados, aprimorando institutos e acrescentando outros, representando, nos termos do anteprojeto elaborado no Ministério da Justiça e do Substitutivo apresentado, uma proposta extremamente criativa e positiva.
Possui, como principais pontos de inovação, a previsão de um rol mais amplo, embora exemplificativo, de bens jurídicos que podem ser objeto de proteção; uma definição mais precisa para os direitos individuais homogêneos; o estabelecimento de princípios pertinentes ao processo civil coletivo; o aprimoramento das regras pertinentes à competência; a indicação mais detalhada e expressa dos legitimados; a criação dos Cadastros Nacionais de Processos Coletivos, sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça, e de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público; a positivação da distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz; a derrogação da limitação territorial para a coisa julgada; a determinação de especialização de órgãos judiciais e de prioridade legal para os processos coletivos; o fortalecimento da coisa julgada “pro et contra” nas questões de direito; o incremento da eficiência das ações coletivas, com a suspensão cogente dos processos individuais pertinentes; um programa extrajudicial de prevenção ou reparação de danos, que poderá existir antes ou no curso do processo coletivo; a flexibilização de normas procedimentais; e o aperfeiçoamento da liquidação e execução, que devem ser preferencialmente coletivas.
Observatório Eco: Na nova ação civil pública, quais as regras que poderão dar mais celeridade aos feitos ambientais?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: Em especial, a determinação de prioridade legal.
Observatório Eco: O senhor avalia que seria interessante a criação de uma jurisdição exclusiva para tratar do meio ambiente, unindo a possibilidade de julgar tanto os feitos da justiça federal, quanto da estadual?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: As causas ambientais são fundamentais para a própria sobrevivência da humanidade, razão pela qual elas devem receber a devida atenção de toda a sociedade e do Poder Judiciário. Nesse sentido, a criação de órgãos especializados, no âmbito da Justiça Federal e Estadual, me parece fundamental.
Observatório Eco: Na esfera legislativa há discussões sobre um novo código de processo civil, um novo código de processos coletivos. Será que essas novas legislações estão em harmonia processual? Pois um dos argumentos para a criação do código coletivo foi justamente o fato de que muitas regras do processo civil são incompatíveis com o processo coletivo. O código processual civil poderá ainda ser usado subsidiariamente na nova ação civil pública?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: O Direito Processual Coletivo precisa de normas específicas, considerando, principalmente, a peculiaridade de que interesses da sociedade, de grupos ou de várias pessoas passam a ser defendidos por um ou mais “representantes”, devendo, para tanto, haver mecanismos de controle. Se estas normas estarão em uma parte ou livro especial do Código de Processo Civil ou em um estatuto próprio não me parece ser o mais importante. As normas específicas somente precisam disciplinar o que for necessário, ou seja, as normas peculiares ao processo coletivo. No mais, as regras comuns do Código de Processo Civil poderão ser aplicadas subsidiariamente.
Observatório Eco: Como cidadão, quando o senhor acompanha tantas notícias sobre desmatamento, desastres climáticos, qual a sua avaliação sobre os rumos do Planeta e do homem no Planeta? Pensando na dimensão ecológica, quais as práticas o senhor adotou no seu cotidiano?
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: Penso que sempre tive uma consciência bem elevada em relação ao meio ambiente. Procuro me orientar, em geral, nesse sentido. Fui educado, pelos meus pais, sempre no sentido de valorizar o eco-sistema, de racionar os recursos, evitando o desperdício, de preservar as florestas, vegetações e animais, e, principalmente, de direcionar a nossa conduta neste sentido.
Tive, por ocasião dos meus estudos de doutoramento e pós-doutoramento na Alemanha, a oportunidade de aprender e de fortalecer ainda mais estes valores, pois a consciência ecológica na Alemanha é marcante: a separação do lixo e a sua reciclagem, a valorização de meios não poluentes de transporte, o sentido de economia e a condenação ao desperdício, a preservação do meio ambiente no dia a dia, como na utilização de sacolas de pano e não as de plástico etc.
Quando voltei para o Brasil, senti uma diferença enorme: o barulho, o lixo, a falta de consciência em relação ao meio ambiente. Os desastres ecológicos que estão afetando o Brasil nos últimos anos mostram a gravidade da situação. Os meus filhos estão sendo criados dentro de uma filosofia e educação, bem mais ecológicas. Espero, assim, como cidadão, pai, juiz e professor, colaborar com a preservação do ecossistema.
Francisco Nazareno Lima, 14 anos atrás
Parabéns , pela entrevista, projeto bem estruturado e moderno deve ser transformado em lei.
Autor da Editora RT comenta a próxima Lei de Ação Civil Pública « RT 2.0, 14 anos atrás
[...] Clique aqui para ver a entrevista na íntegra! [...]