A tributação a serviço do meio ambiente

em 2 November, 2009


 

O que é melhor para a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável quando consideramos o aspecto tributário? Deve o governo aplicar as isenções fiscais ou diminuir a carga tributária? Para o advogado tributarista, Jorge Henrique de Oliveira Souza, “as possibilidades de utilização dos instrumentos tributários com fins ambientais são amplíssimas”. Ele avalia que em razão da elevada carga tributária brasileira, “a concessão de incentivos fiscais estimulará as empresas a melhorarem seus produtos e processos produtivos com vistas a obterem redução da carga tributária e aumentarem a competitividade no mercado”.

 

Para o especialista, as diversas espécies tributárias, ou seja, impostos, taxas, contribuição de melhoria, podem atuar de forma distinta na preservação do meio ambiente. Ele explica que não há um tributo específico, ou melhor, “cada espécie tributária poderá, ao seu modo, contribuir para a preservação ambiental”.

 

Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Jorge Henrique de Oliveira Souza é sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano & Renault advogados associados.   Em entrevista ao Observatório Eco, ele disse que o grande equívoco do legislador ao tratar da tributação ambiental é “utilizar com muita timidez e em pouquíssimos casos, este valioso instrumento”.

 

Com pós-graduação em Direito Tributário, pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributário) da USP/SP e mestrado pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), o tributarista defende que o uso correto da tributação pode permitir “a efetiva criação de um tributo ambiental, e não apenas o aumento da carga tributária sob a justificativa de preservação do meio ambiente”.

 

Recentemente, ele lançou, pela Del Rey Editora, o livro, Tributação e Meio Ambiente, que traz o resultado de seu trabalho de mestrado feito na PUC-SP sob a orientação de professor Roque Carrazza.  Veja a entrevista que o advogado Jorge Henrique de Oliveira Souza concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.

 

Observatório Eco: De que maneira o regime tributário pode incentivar as práticas sustentáveis direcionadas à preservação do Meio Ambiente?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: Os instrumentos tributários são valiosas ferramentas à disposição dos legisladores para a preservação ambiental, e a própria Constituição Federal indica esta possibilidade, conforme os artigos 170 e 225.

 

Estes instrumentos podem ser utilizados tanto para arrecadar recursos que o Poder Público empregará em atividades de preservação ou recuperação ambiental, como ferramenta para orientar e estimular a adoção de condutas com menor impacto ambiental, o que comumente chamamos de caráter extrafiscal do tributo.

 

Cada uma destas possibilidades, arrecadar recursos ou induzir condutas irá atuar de forma distinta para o alcance de um meio ambiente equilibrado, como previsto na Constituição Federal. Devemos destacar que as distintas espécies tributárias, impostos, taxas, contribuição de melhoria, também irão atuar de forma distinta na preservação do meio ambiente.

 

Um regime tributário preocupado com a questão ambiental incentivará a adoção de práticas sustentáveis ao permitir uma economia tributária para os contribuintes, que prefiram produtos com menor impacto ambiental, ou processo produtivo menos agressivo ao meio ambiente, ou então ao aumentar o valor dos tributos incidentes sobre atividades/produtos ambientalmente prejudiciais a natureza.

 

Como exemplo, podemos citar a desoneração de produtos cultivados sem agrotóxico ou que utilizam insumos recicláveis. Outro exemplo seria a possibilidade de empresas, que adotam filtros ou que recolhem seus produtos de alto impacto ambiental, como o caso de pilhas e baterias, poderem deduzir da base de cálculo de seus tributos, como o imposto de renda, os valores usados nestas atividades que guardam relação direta com a melhoria do meio ambiente. As possibilidades de utilização dos instrumentos tributários com fins ambientais são amplíssimas.

 

Observatório Eco: O que o legislador deve considerar ao elaborar uma regra tributária relacionada às questões ambientais?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: O legislador ao elaborar uma norma de tributação ambiental deve ter presente, em primeiro lugar, os princípios fundantes do direito tributário, como o princípio da igualdade, da capacidade contributiva, do não confisco, entre outros. Em segundo lugar, deve respeitar o regime jurídico de cada espécie tributária e, em terceiro, colher na realidade fática os elementos que permitirão que aquela norma efetivamente realize a almejada proteção ambiental.

 

Nesta trilha, o legislador deverá, entre outros aspectos, verificar o custo marginal de produção e contaminação de determinado produto ou serviço, de modo a ter parâmetros para internalização dos custos ambientais (as externalidades negativas), analisar a essencialidade do produto e serviço para a população, ou ainda se este é de demanda inelástica; a existência ou não de similares ou correspondentes que não causam impacto ambiental, bem como o grau de desestímulo ou estímulo se pretende conferir a cada conduta.

 

A criteriosa conjugação destes elementos permitirá a efetiva criação de um tributo ambiental, e não apenas o aumento da carga tributária sob a justificativa de preservação do meio ambiente.

 

Observatório Eco: A isenção parece ser o expediente tributário mais utilizado pelo legislador, esse uso é o mais adequado?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: Sem dúvida que a isenção, especialmente para os produtos de menor impacto tributário, é uma grande ferramenta para a preservação do meio ambiente. Veja um exemplo bem ilustrativo: dois produtos destinam-se a uma mesma finalidade. Um com alto grau de contaminação do solo e outro com menor potencial poluidor. Desconsiderados outros elementos, é indiscutível que a concessão de isenção de determinados impostos para o produto de menor impacto ambiental estimulará o seu consumo, em razão de seu valor e, consequentemente, acarretará uma menor poluição do solo. No caso, a isenção foi data diretamente para o consumidor final, mas é possível pensarmos também na isenção para insumos e máquinas de determinado processo produtivo.

 

Além da isenção, podemos citar a redução de base de cálculo, na hipótese de aquisição de determinado filtro, o diferimento do tributo, entre outras medidas fiscais de estímulo a preservação ambiental.

 

Observatório Eco: Uma empresa sustentável deve realmente obter mais incentivos fiscais? Como incentivar uma empresa com maior impacto ambiental através de incentivos fiscais? Afinal, é melhor o incentivo ou a diminuição da carga tributária?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: Certamente a concessão de incentivos fiscais é uma ótima ferramenta para estimular as empresas a contribuírem com a preservação ambiental.

 

Uma vez que no Brasil a carga tributária é elevada, a concessão de incentivos fiscais estimulará as empresas a melhorarem seus produtos e processos produtivos com vistas a obterem redução da carga tributária e aumentarem a sua competitividade no mercado.

 

É importante que a concessão destes incentivos fiscais não seja passageira, mas sim que esteja inserida num grande projeto voltado a preservação ambiental, para que possamos colher frutos duradouros e efetivamente melhorarmos nosso meio ambiente.

 

Observatório Eco: É adequada a isenção de IPTU para as propriedades, que preservam suas áreas verdes? O Município pode fazer algo mais além dessa medida que favorece os proprietários?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: É indiscutivelmente adequada a concessão de isenção ou descontos do IPTU para os proprietários que preservam suas áreas verdes. Mais ainda, a isenção pode contemplar os imóveis que mantém áreas não impermeabilizadas, como fez o município de São Carlos (Lei Municipal n. 13.692/2005) especialmente ante a preocupação com as crescentes enchentes nas grandes cidades.

 

Pode ainda o Município conceder descontos para os proprietários que preservam imóveis de interesse histórico e cultural, neste sentido, vale destacar a Lei de São Luis do Maranhão que concede incentivos fiscais para os imóveis que preservam os azulejos coloniais (patrimônio da humanidade).

 

O município poderá ainda, por meio do IPTU, orientar a ocupação dos espaços urbanos direcionando a ocupação de áreas de seu interesse, como por exemplo os centros em que já há instalada grande infra-estrutura de serviços públicos (escolas, creches, hospitais) ao conceder isenções para os imóveis desta região ou empresas que se estabelecerem na região, nesta linha podemos citar o Programa de Incentivos Seletivos para a região adjacente a Estação da Luz, no Município de São Paulo, instituído pela Lei 14.096/2005.

 

Com base no IPTU progressivo no tempo, estabelecido no artigo 182 da Constituição Federal, o município também poderá induzir o proprietário a cumprir a função social de sua propriedade, nos termos do Plano Diretor, por meio do aumento progressivo das e alíquotas do IPTU no caso de descumprimento da função, indo até a desapropriação do bem. Neste caso, o IPTU apresenta nítido caráter ambiental, voltado a defesa do meio ambiente urbano.

 

Observatório Eco: Qual tributo poderia alcançar mais resultados dentro da cadeia produtiva em prol da preservação dos recursos naturais?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: Entendo que não há um específico ou “melhor” tributo para se alcançar a preservar do meio ambiente.

 

Cada espécie tributária poderá, ao seu modo, contribuir para a preservação ambiental.

 

Pensemos apenas nos impostos federais: o IPI (imposto sobre produtos industrializados), que a Constituição Federal estabeleceu que deve ser seletivo, conforme a essencialidade do produto, pode contribuir para a preservação ambiental, ao estabelecer alíquotas diferenciadas em razão do impacto ambiental de cada produto ou do seu processo produtivo.

 

Do mesmo modo, o IR (imposto de renda) também pode ter finalidade ambiental, ao considerar para fins de apuração da base de cálculo da exigência, os valores gastos para recuperação e preservação do meio ambiente. O ITR (imposto sobre a propriedade territorial rural) também é um ótimo exemplo de imposto que pode ser utilizado para a preservação ambiental. Este, inclusive, já leva em consideração na apuração do tributo devido a área florestal preservada, conforme Lei 9.393/96.

 

Também as taxas podem ser instituídas com viés ambiental, seja na prestação de um serviço público específico e divisível de limpeza e recuperação ambiental, seja em razão do exercício do poder de polícia para preservação ambiental, como na concessão de licenças e atividades de fiscalização.

 

Neste sentido ainda, até a contribuição de melhoria pode ser cobrada, em razão da valorização de imóveis decorrente de obras públicas de caráter ambiental, como a construção de um grande parque. Como disse, e pude analisar com vagar no meu livro, os exemplos são vários e não há que se falar em um único imposto ambiental, mas sim num projeto tributário voltado a preservação ambiental, considerando os tributos de todas as esferas (União, Estados e Município) e a forma de atuação de cada exigência, tudo para a preservação ambiental.

 

Observatório Eco: Qual o grande equívoco do legislador ao tratar da matéria tributos e meio ambiente, dentro de nosso sistema constitucional?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: O grande equívoco do legislador ao tratar da tributação ambiental é o de justamente não utilizar, ou melhor, utilizar com muita timidez e em pouquíssimos casos, este valioso instrumento.

 

Nosso estágio de degradação da natureza e as prescrições da Constituição não permitem que nos furtemos a manutenção de leis tributárias que não contemplem a preocupação ambiental.

 

Observatório Eco: O ICMS-Verde é uma forma valorosa dentro desse painel?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: O ICMS-Verde ou ecológico é uma forma de repartição das receitas tributárias do ICMS entre os Estados e seus Municípios.

 

O artigo 158, inciso IV, da Constituição Federal estabelece que 25% do produto do ICMS arrecadado pelos Estados será distribuído aos Municípios e, desta parcela, um percentual será dividido conforme parâmetros fixados nas respectivas Lei Estaduais. A partir desta autorização, alguns Estados com objetivo de estimularem a preservação e à recuperação ambiental, bem como recompensar municípios que sofrem restrições a implantação de áreas industriais têm destinado parcela do ICMS para tais Municípios.

 

Adotam o ICMS-Verde os Estados do Paraná (o primeiro Estado, no ano de 1991), São Paulo (1993), Minas Gerais (1995), Rio Grande do Sul (1997), Mato Grosso (2001), Mato Grosso do Sul (2000), Pernambuco (2001), Tocantins (2002), Rondônia (1996), Amapá (1996), Acre (2004), Goiás e Rio de Janeiro (2007).

 

Nestes Estados são adotados como critérios para partilha do ICMS a existência de áreas de conservação e preservação ambiental; sistema de disposição e tratamento de resíduos sólidos; sistema de controle e combate a queimadas; existência de reservas indígenas; a qualidade ambiental dos recursos hídricos e rede de saneamento básico, também chamado de ICMS-Marrom, entre outros fatores.

 

A ampliação e aprofundamento das regras do ICMS Ecológico são de enorme importância para a preservação do meio ambiente vez que fomenta a efetivação de políticas públicas pelos Municípios para a preservação ambiental.

 

Observatório Eco: Aquele que polui ou desmata voluntariamente deveria receber uma pena de confisco dos seus bens?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: Tendo em vista o que dispõe nossa Constituição não acredito que esta seja a forma mais eficaz de preservação ambiental.

 

Devemos nos antecipar a poluição e ao desmatamento. Devemos criar ferramentas e estímulos, entre eles os fiscais, para que o particular seja induzido a preservar o meio ambiente, para que ele reconheça a preservação ambiental não como um entrave para seu desenvolvimento, mas sim sua grande aliada. Neste ponto, as características geográficas, de fauna e flora do Brasil nós coloca numa posição privilegiada, que não podemos perder.

 

Se para que isso ocorra é necessário aumentarmos a fiscalização, ajustarmos as normas ambientais, atualizarmos nosso sistema tributário, que o façamos com a urgência que a questão ambiental exige.

 

Observatório Eco: As multas ambientais são contestadas, em juízo por anos, além disso, o Erário pouco recebe dessas penalidades aplicadas, o que está errado no sistema de cobrança dessas penalidades?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: Esta questão tem íntima relação com o que respondemos anteriormente.

 

O melhor caminho para preservarmos o meio ambiente não é punirmos com multas as pessoas que praticam infrações ambientais, mas sim estimulá-las a realizar a preservação. É nos anteciparmos, estarmos à frente da ocorrência do dano ambiental.

 

Não precisamos de opositores, mas sim de parceiros na causa ambiental.

 

É inegável que devem existir multas por infrações ambientais e penas para os crimes ao meio ambiente, os quais deverão ser apurados e punidos com celeridade respeitando-se sempre as garantias constitucionais, o devido processo legal, a ampla defesa, o direito de propriedade, todavia este não deve ser o primeiro instrumento para preservação. Devemos estimular todos a preservarem o meio ambiente.

 

É justamente neste contexto que os instrumentos econômicos, especialmente os fiscais, ganham importância por sua rapidez e eficiência, além de baixo custo de fiscalização e existência de toda estrutura administrativa para efetivação.

 

Observatório Eco: Quando surgiu seu interesse pela relação: tributação e o meio ambiente?

 

Jorge Henrique de Oliveira Souza: O interesse sobre o tema da tributação ambiental surgiu quando, ainda, procurador do município de Santo André participei de discussões sobre o Plano Diretor, conforme a Lei 10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade. Esta lei prevê a utilização de instrumentos tributários (como o IPTU, taxas e incentivos fiscais) para a proteção/ordenação do espaço urbano, ou melhor, do meio ambiente urbano.

 

A partir desta experiência, comecei a estudar como os instrumentos econômicos, entre eles a tributação, interferem nas escolhas e relações sociais e descobri que a tributação poderia ser utilizada como um eficaz instrumento para orientar as condutas humanas.

 

Neste ponto, e à luz do que dispõe os artigos 170 e 225 da Constituição Federal, que estabelecem que a proteção do meio ambiente é princípio constitucional de fundamental importância, realizei a análise de quais espécies tributárias poderiam ser utilizadas para a preservação do meio ambiente e como esta atuação se daria. Este estudo foi o tema da minha tese de mestrado na PUC-SP, orientada pelo professor Roque Carrazza, da qual surgiu o livro Tributação e Meio Ambiente, pela Del Rey Editora.




2 Comentarios

  1. Sílvia Cappelli, 15 anos atrás

    Parabéns, Dr. Jorge. Sua entrevista é muito elucidativa. O Brasil precisa discutir e aprofundar o uso de instrumento econômicos para incentivar a preservação ambiental através do estabelecimentos de mecanismos que incentivem a concorrência pró-ambiente. Num país com tanta impunidade, há que se reconhecer o empresário que além de cumprir a lei diferencia seu produto com ações efetivas em benefício do ambiente. O poder público deve incetivar tais iniciativas e uma das formas efetivas podem ser os incentivos fiscais.

  2. Sônia, 12 anos atrás

    Matéria clara e objetiva, perfeita para esclarecer dúvidas em relação ao tema, que ainda é considerado novo em nosso ordenamento jurídico.


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