Estado incentiva a criação de favelas nas áreas urbanas

em 1 April, 2013


A modernização e urbanização em São Paulo nas primeiras décadas do século 20 forçaram a população pobre e rural a constituir uma massa trabalhadora urbana que, diante da ausência de moradias acessíveis, formaram os primeiros núcleos de habitação informal da cidade, como antiga Favela Vergueiro, área hoje ocupada pela Chácara Klabin. Neste contexto, entre outros fatores, o Estado assumiu o papel de agente formador de favelas ao permitir a capitalização do acesso a moradias em condições adequadas.

Esses apontamentos estão na pesquisa de Fernão Lopes Ginez de Lara, realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Segundo o autor, formado em Geografia, políticas sustentadas pelo Estado oferecem mais garantias às empresas do que às pessoas e seus direitos básicos. “As políticas de desfavelamento tiveram e ainda tem ampla aceitação pública, e esse público não percebe que elas são estritamente intervencionistas e aplicam fortes restrições à vida das pessoas”, diz o pesquisador.

O trabalho de mestrado Mobilização e desenvolvimentismo: formação das primeiras favelas de São Paulo e a favela Vergueiro, orientado pelo professor Anselmo Alfredo, do Departamento de Geografia da FFLCH, permite inferir que as políticas e as legislações desfavorecem o direito à moradia. Lopes destaca que mesmo a constituição do Estado é determinada por interesses do capital e não das pessoas, ao garantir a propriedade imobiliária e dispor meios para particulares recuperarem as áreas reivindicadas utilizando, inclusive, a polícia militar no processo.

Fatores

Segundo Lopes, é consenso que a formação de favelas teve maior crescimento em 1970, porém sua pesquisa mostra que já anteriormente houve ascensão desses núcleos de habitação e tentativas de implantar políticas de desfavelamento. Os fatores que favoreceram a formação destes núcleos foram a vinda de imigrantes, a valorização de áreas centrais da cidade, a industrialização e o êxodo rural da população pobre.

Submetidas à atuação do mercado imobiliário, famílias se viram obrigadas a habitar de maneira precária alguns terrenos para, em seguida, serem determinadas como invasoras. “As favelas funcionavam como receptáculo desta população” diz o pesquisador. Para ele, as políticas de desenvolvimentismo e sanitarismo estimulavam a indústria, com construção de avenidas e grandes obras públicas, e criavam condições que ampliaram o mercado em São Paulo, ao mesmo tempo em que desalojavam moradores pobres para “abrir caminho para o progresso”. “O desenvolvimentismo também ampliou as condições para a pobreza e miséria, próprias desse novo momento do capitalismo”, explica Lopes, acrescentando que “as pessoas desalojadas eram realocadas em locais inadequados e provisórios, com limite de escolha mínimo”.

Ainda sobre a Favela Vergueiro, Lopes diz que, inicialmente, a própria família Klabin oferecia seus terrenos para arrendamentos rurais, na tentativa de manter a posse da grande área — 775 mil metros quadrados (m²) —, mas perdeu o controle sobre os lotes e apelou para a disputa jurídica para retomar o terreno. O que foi um problema para a família Klabin, após 40 anos se tornou um grande negócio. “Após a desapropriação das famílias que ali moravam, houve um incrível aumento do preço da terra” conta Lopes. A sua pesquisa baseou-se em processos judiciais, jornais, filmes e literatura associada à época, além de algumas entrevistas de alguns vizinhos à área ocupada pela antiga Favela Vergueiro.

Histórico

Lopes também estudou na sua dissertação a formação de movimentos de desfavelamento, empenhados na extinção das favelas, iniciados na década de 1960 e apoiados tanto por representantes conservadores da sociedade quanto pela esquerda católica da época. Políticas como reassentamentos em regiões isoladas e envio de famílias migrantes a suas cidades de origem eram já bem aceitas por setores da população. Essas políticas eram externas, assistencialistas e não contavam com a participação dos moradores das áreas ocupadas. Nos anos 1980, a sociedade começou a questionar as políticas de desalojamento e houve crescimento dos movimentos sociais de defesa dentro das próprias comunidades.

Durante a preparação do mestrado, o pesquisador pode acompanhar a retomada da posse do terreno ocupado pela Comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, e narrou os fatos no seu trabalho. “Essas desapropriações remetem à Canudos” conta. O objetivo de sua pesquisa era investigar a modernização capitalista do Brasil e a os problemas surgidos com a ela. “Tentei fazer um paralelo da urbanização com a formação brasileira”. O grupo de pesquisa do qual Lopes participou para escrever sua dissertação promove leituras da obra O Capital, de Karl Marx. Com informações da Agência USP.




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