Falta uma lei moderna e sustentável para o garimpo no Brasil
Da Redação em 22 January, 2013
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Autorizada pela Constituição Federal, a atividade de garimpo vive cercada de polêmicas: se, por um lado, contribui para o desenvolvimento econômico do País; por outro, provoca a destruição de comunidades indígenas e do meio ambiente. O Executivo prepara novo marco regulatório para o setor; na Câmara Federal, propostas buscam melhorar as condições de trabalho de garimpeiros. Veja a reportagem especial feita pela Agência Câmara sobre o tema.
O Brasil deve suas atuais fronteiras e sua extensão continental à polêmica atuação dos bandeirantes do período colonial. Até o fim do século 16, esses desbravadores estavam restritos ao litoral, onde se concentrava a produção da cana-de-açúcar. Já no século 17, a busca por minas de ouro levou vários aventureiros a entrarem na mata, rumo ao interior, ultrapassando, e muito, o meridiano de Tordesilhas, que deveria delimitar as terras portuguesas e espanholas da América do Sul.
Os historiadores contam que, de um território com menos de 3 milhões de km², que era o tamanho original definido em Tordesilhas, o Brasil passou a ter quase todos os seus 8 milhões de km² que possui hoje, já a partir do século 18. O principal ponto de partida dos bandeirantes era São Paulo. De lá, eles desbravaram Minas Gerais, onde encontraram ouro em Cataguases, Sabará e Ouro Preto, além de diamante no Arraial do Tijuco, atual Diamantina.
As expedições bem sucedidas levaram a uma corrida do ouro rumo a Goiás e ao atual Mato Grosso. Outra frente de desbravadores partiria do Forte do Presépio, atual Belém do Pará, rumo ao interior amazônico. No Amapá, esses bandeirantes de origem portuguesa enfrentaram a concorrência dos franceses, segundo o superintendente do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Antônio Feijão. “As primeiras incursões de mineração no Amapá não foram lusitanas. Foram de cidadãos franceses que subiram o rio Cricou e, depois, o rio Cassiporé, chegando até a mina de Salamangon. Uma figura chamada Clotilde Salamangon teve concessões francesas em território brasileiro”, informa.
Nesse caminho, os desbravadores protagonizaram atos de heroísmo de um lado, e de atrocidades de outro. É difícil não associar essa expansão territorial ao extermínio de indígenas e à escravidão de negros.
Expansão do ouro
A descoberta de ouro no Brasil foi celebrada em Portugal como solução para a crise econômica da produção açucareira. Mas, na prática, boa parte do minério foi parar nos cofres britânicos, de quem os lusitanos eram dependentes militarmente, ressalta Eduardo Pini, do Instituto Jari Socioambiental e estudioso do assunto.
Várias casas de fundição foram criadas no Brasil para deixar o ouro em forma de barras e, assim, tentar conter o contrabando crescente. O ouro do Brasil, no entanto, era de aluvião (encontrado nas margens dos rios), o que facilitava a extração e o rápido esgotamento das jazidas.
Serra Pelada
Na década de 1980, uma nova corrida surgiria rumo ao Pará, onde foi aberto o maior garimpo a céu aberto do mundo: Serra Pelada. Lá, um verdadeiro formigueiro humano retirou, oficialmente, 30 toneladas de ouro. O estrago socioambiental foi imenso: vários garimpeiros morreram na extração do ouro e uma cratera gigante abriu-se em meio ao bioma amazônico. A imagem do caos correu o mundo e, durante o Governo Fernando Collor, em 1992, o garimpo gigante foi fechado. Estima-se que lá ainda existam 350 toneladas de metais preciosos.
Retomada
Existe a possibilidade de Serra Pelada ser reaberta a exploração em 2013. Só que, desta vez, o trabalho manual dará lugar a modernas máquinas. Conforme acordo assinado, a empresa canadense Colossus Minerals terá direito a atuar na região, desde que repasse parte dos lucros para a Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp).
Desafios
Explorar de forma sustentável a imensa riqueza mineral já mapeada em seu subsolo, sem repetir os estragos do passado e eliminando os garimpos clandestinos é um dos desafios atuais do Brasil. O Congresso e o governo federal já apresentaram propostas com esse intuito. A ideia central é aproveitar o potencial mineral do País de forma legal para gerar emprego e renda a garimpeiros e demais trabalhadores da área.
No caso do ouro, o momento é extremamente propício para essa exploração legal. Depois de enfrentar uma crise a partir de 2008, o metal voltou a se valorizar no mercado internacional.
Agência reguladora
Estima-se que, atualmente, de 300 mil a 500 mil pessoas trabalhem em garimpos no País. A Constituição Federal (artigo 174) determina que o Poder Público deve favorecer a “organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social” dos operários. Essa é, portanto, uma das principais bases legais para a extração mineral.
Para corrigir rumos e ajustar o setor à regra constitucional, o Executivo trabalha na elaboração do novo marco regulatório da mineração, a ser enviado ao Congresso – o código em vigor é de 1967 (Decreto-Lei 227/67). Pela proposta do governo, serão criados um conselho e uma agência nacional para reforçar o papel regulador e de fiscalização do Estado. A criação de um ambiente de segurança jurídica para atrair investimento privado também faz parte dos planos, como explica o ex-secretário de geologia e mineração do Ministério de Minas e Energia Claudio Scliar, que participou da elaboração do texto. “O grande desafio da nova agência será manter a competitividade do mercado de minérios. Queremos que o Brasil continue sendo um país onde a pesquisa e a extração mineral sejam bem-vindas e que a agência permita fazer esse controle, a fim de que as atividades não fiquem paralisadas por anos e anos”, diz.
Impacto ambiental
Scliar acrescenta que um dos objetivos da nova legislação é reduzir o impacto ambiental da mineração. “Indiretamente, a organização do setor mineral da forma como estamos propondo vai resultar em uma extração sustentável, porque é esse controle do Estado que viabiliza que todas as atividades econômicas possam ser benfeitas legalmente”, declara.
Para a região amazônica, por exemplo, será dada ênfase ao macrozoneamento ecológico-econômico da Amazônia Legal para consolidar os diferentes usos do solo e do subsolo, tendo como base os estudos da biodiversidade e da geodiversidade local. Essas ações estão sendo articuladas pelos Ministérios de Meio Ambiente e de Minas e Energia.
Garimpos clandestinos
Na repressão aos garimpos clandestinos, o foco do marco regulatório, segundo Scliar, estará no incentivo à formalização, ou seja, na conscientização dos garimpeiros de que a mineração pode ser um vetor de desenvolvimento regional.
“Algumas situações, muitas vezes e infelizmente, se tornam questões policiais, como em terras indígenas ou invasões de áreas onde é proibida a atividade extrativa mineral, como parques nacionais. Mas há muitas outras regiões nas quais o papel do ministério era o de contribuir para a regularização, a formalização da atividade dos pequenos produtores no Brasil, entre os quais estão os garimpeiros”, comenta.
Esse esforço pela formalização da atividade pode ser vista em Lourenço, distrito do município de Calçoene, no norte do Amapá, que vive praticamente do garimpo. A extração do ouro por lá está em fase final de legalização, coordenada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão que libera a permissão de lavra garimpeira. Para consegui-la, os trabalhadores se organizaram em cooperativas, como manda a Constituição.
“Hoje, trabalhamos com 1.200 cooperados, com base em duas portarias de lavras concedidas pelo DNPM e uma área em torno de 7 mil hectares, onde os garimpeiros estão agregados. Temos uma comunidade de quase 5 mil pessoas que dependem e sobrevivem do garimpo”, informa o presidente da Cooperativa de Lourenço, Antônio Pinto.
Termo de Ajustamento de Conduta
O Ministério Público (MP) supervisiona a extração do ouro em Lourenço e determinou algumas condicionantes para o funcionamento do garimpo por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), sobretudo quanto a questões ambientais e de segurança do trabalho.
Conforme Antônio Pinto, o TAC impôs a contratação de empresa terceirizada para suprir o garimpo de alguns profissionais, como engenheiro de mina, engenheiro ambiental, técnico de segurança e técnico de mina. “Agora, estamos trabalhando e cumprindo as condicionantes do MP. Está sendo muito bom para nós, porque a gente vem cumprindo as metas, apesar de os gastos serem grandes”, declara o dirigente da cooperativa.
Garimpo em áreas indígenas
O novo marco regulatório da mineração terá de ser analisado e aprovado no Congresso Nacional antes de entrar em vigor. Enquanto isso não acontece, os parlamentares contribuem com propostas individuais para melhorar as condições socioambientais dos garimpos.
Já está pronta para votação no Plenário da Câmara uma proposta de emenda à Constituição (PEC 405/09), do deputado Cleber Verde (PRB-MA), que inclui os garimpeiros e os pequenos mineradores no Regime Geral da Previdência Social. Na prática, a PEC garante a eles o recebimento de aposentadoria no valor de um salário mínimo, independentemente de ter ou não produção comercializada, além de benefícios por acidentes do trabalho.
Outro tema analisado pela Câmara é a exploração mineral em terras indígenas. O Projeto de Lei 1610/96, do Senado, condiciona a concessão de áreas exploradas ao licenciamento ambiental e assegura a participação econômica das comunidades afetadas pela mineração. Mesmo depois de várias audiências públicas sobre o assunto com lideranças indígenas em vários estados, ainda não há consenso, ressalta o relator da matéria, deputado Edio Lopes (PMDB-RR). “Em São Gabriel da Cachoeira, onde reunimos as 12 principais etnias do estado do Amazonas, vimos uma manifestação praticamente unânime à regulamentação. Em Rondônia, entre os índios cinta larga, por exemplo, os que não estão participando do garimpo ilegal na mina de diamantes de Roosevelt também são favoráveis; já as lideranças que participam dessa exploração irregular são contra. E aqueles indígenas que estão muito próximos dos flashes da grande mídia e das ONGs são rigorosamente contrários à proposta”, explica.
E preocupado com o nível de contaminação das minas, o deputado Nilton Capixaba (PTB-RO) apresentou proposta (PL 4087/12) que determina o monitoramento semestral dos níveis de mercúrio em áreas garimpeiras.
Resíduos sólidos
Vale lembrar que várias medidas já aprovadas no Congresso também tentam assegurar a legalidade e a sustentabilidade dos garimpos. A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), aprovada pelos parlamentares em 1981, já obriga o Ibama a controlar o uso do mercúrio no Brasil, sobretudo nas atividades de mineração. Mais recentemente, em 2010, o Parlamento aprovou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), que estabelece a responsabilidade compartilhada do importador, do produtor, do comerciante e do usuário no gerenciamento e na destinação adequada do mercúrio metálico.
Congresso decidirá acordo feito com a França
Texto assinado pelos ex-presidentes Lula e Sarkozy, em 2008, prevê regras mais rígidas para a pesquisa e a lavra de ouro na fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Autoridades amapaenses dizem que a medida resultará no enfraquecimento da economia local e na expulsão de brasileiros que trabalham em garimpos no território francês.
Você sabia que o Brasil é a nação que tem a fronteira mais extensa com a França? Essa porta de entrada brasileira na União Europeia se estende por 730 quilômetros, no extremo norte do País, em plena região amazônica: de um lado, o estado do Amapá; do outro, o departamento ultramarino da Guiana Francesa. O rio Oiapoque faz a divisa natural na maior parte da fronteira e é rota do garimpo clandestino de ouro, sobretudo por parte de brasileiros que invadem o território francês. Com o intuito de tentar conter essa atividade ilegal, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy assinaram, em 2008, um acordo bilateral sob o argumento de ampliar a proteção ambiental na região.
Para entrar em vigor, o acordo Brasil-França (Mensagem 668/09) precisa da aprovação do Congresso Nacional; o texto, no entanto, é alvo de críticas pesadas no Amapá, único estado brasileiro afetado pelo documento. O repúdio dos amapaenses vem de todos os lados, a começar pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão responsável pelas permissões de lavras garimpeiras. Superintendente do DNPM no Amapá, o geólogo Antônio Feijão avalia que o acordo terá pouca eficácia porque muitos dos brasileiros que garimpam ilegalmente na Guiana Francesa chegaram lá pela tríplice fronteira com o Suriname, país que teria regras menos rígidas na concessão de registros para os garimpeiros.
Feijão lembra ainda que, décadas atrás, o território francês incentivou a entrada de brasileiros. “A Guiana Francesa, no fim da década de 1970, estimulou os brasileiros a irem ao seu território construir a base de lançamento de foguetes de Kourou. No entanto, quando a parte mais importante da obra foi finalizada, essa mão de obra da construção civil passou a vagar por Caiena [a capital] e a na própria cidade de Kourou. Essas pessoas se refugiaram no ouro, porque, no início da década de 1980, o ouro chegou a ultrapassar 1,1 mil dólares a onça-troy [unidade de medida para metais precisoso]“, informa.
O que diz o acordo
O texto assinado por Lula e Sarkozy determina que cada país se compromete a submeter à autorização prévia as atividades de pesquisa e lavra de ouro, assim como a compra e a venda do metal e as atividades das empresas que comercializam as peneiras de garimpeiro e o mercúrio. Na repressão ao garimpo clandestino, as autoridades policiais poderão apreender, confiscar ou até mesmo destruir os materiais encontrados.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Amapá, Gilberto Pinheiro, porém, afirma que o ato de destruição de bens apreendidos não faz parte da legislação brasileira. “Por exemplo, quando se faz a apreensão de um carro ou de um avião, não se destrói, destina-se. No caso em questão, os bens apreendidos poderiam ser destinados a uma comunidade indígena. Agora, imagine os franceses dizendo: ‘não, vocês estão obrigados a destruí-los’. Isso não faz parte da nossa lei. E depois, se esse bem patrimonial for legal? É igual pena de morte: não tem volta”, argumenta.
Como parte dessa fiscalização na fronteira ficaria a cargo do Exército brasileiro, Antônio Feijão teme que haja uma submissão das autoridades e da legislação nacional, caso o acordo seja aprovado. “A função lamentável desse documento bilateral é transformar nosso Exército em uma subpolícia da Guiana Francesa. Lamentavelmente, teremos mais uma lei para criminalizar o difícil mundo da mineração garimpeira. A França, que tem a sua Constituição embasada em igualdade, liberdade e fraternidade, traz para nós uma ditadura, uma inibição da Constituição brasileira dentro do nosso território”, sustenta.
Desemprego
E as críticas não param. O secretário de Indústria, Comércio e Mineração do Amapá, José Reinaldo Picanço, lembra que o acordo abrange toda a faixa de fronteira entre Brasil e Guiana Francesa, com uma largura de 150 quilômetros para dentro de cada território. No caso do Amapá, que já tem 72% de sua área protegidas por unidades de conservação ambiental, teme-se por ingerência estrangeira no pouco que resta para a autonomia administrativa do estado.
Além disso, Picanço avalia que o acordo terá graves impactos socioeconômicos, sobretudo diante da perspectiva de expulsão de milhares de brasileiros que estão irregularmente na Guiana Francesa e poderão atrapalhar as ações governamentais para a legalização de garimpos ambientalmente corretos. “Certamente, uma parcela desses garimpeiros virão para o Amapá e ocuparão a parte urbana de Oiapoque. Não há emprego suficiente e outros riscos sociais, como o aumento da violência e a reativação de garimpos inativos, virão à tona”, declara.
Principal município brasileiro da fronteira com a Guiana Francesa, Oiapoque já tem taxa de desemprego em torno de 90%, segundo o prefeito Aguinaldo Rocha. Ele rebate a motivação ambientalista que Lula e Sarkozy usaram na defesa do acordo e prevê uma situação de caos diante do que ele chama de “engessamento do município” por unidades de conservação e da possível expulsão em massa de brasileiros que estão no território vizinho.
“De 22 mil hectares, Oiapoque só tem hoje 3 mil e poucos hectares para trabalhar. Além disso, sequer conseguimos a legalização fundiária e urbana do município. Sabemos que é necessário preservar o meio ambiente, mas também temos de mostrar para o governo federal e os ambientalistas que ali moram pessoas, principalmente os ribeirinhos, que dependem do pão de cada dia nas áreas preservadas”, diz o prefeito.
Negociação
A palavra final quanto ao acordo Brasil-França caberá à Câmara dos Deputados e ao Senado, que não podem alterar o texto: devem apenas aprová-lo ou rejeitá-lo. A tendência é de aprovação, até para evitar desgaste diplomático. O relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), entretanto, ainda aposta no entendimento com os governos dos dois países em busca de uma solução. “Vamos conduzir, em Brasília, reuniões de negociação política da bancada do Amapá, para ver se convencemos a presidente Dilma a retirar esse acordo da Câmara. Caso não seja possível, teremos de votá-lo. Não dá para aprovar o texto do jeito que está; não posso garantir um parecer favorável”, comenta.
Na opinião de Bala Rocha, a grande falha de Lula e Sarkozy foi terem assinado o documento sem a prévia discussão com as comunidades diretamente afetadas.
Difícil fiscalização
O garimpo é permitido pela Constituição, desde que praticado com respeito ao meio ambiente e gere emprego e renda aos garimpeiros, principalmente àqueles reunidos em cooperativas. Em tempos de crise financeira internacional, o ouro voltou a ser um refúgio seguro de muitos investidores, o que tem elevado a sua cotação no mercado e provocado novas corridas em busca do metal.
No Brasil, tanto a permissão da lavra garimpeira quanto a fiscalização da extração de ouro cabem ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), uma autarquia do Ministério de Minas e Energia. Mas para dar conta da repressão ao garimpo clandestino, o DNPM costuma realizar operações conjuntas com o Ibama, o Instituto Chico Mendes e a Polícia Federal, entre outros órgãos. As fronteiras no norte do País estão entre as áreas mais críticas.
Oficial de ligação da Polícia Federal na Guiana Francesa, Jorielson Nascimento cita a extensão territorial brasileira como um dos desafios para o combate à mineração ilegal. “Somos um país de dimensões continentais e a nossa fronteira é muito extensa. É difícil fiscalizar? É difícil, porém o governo federal e o Ministério da Justiça têm ampliado o efetivo de policiais com equipamentos, tecnologia e inteligência. É o caminho que estamos seguindo”, diz.
Amazônia
A título de exemplo, imaginem a região amazônica: uma imensa área coberta por florestas densas, repletas de rios e igarapés meandrantes, que são aqueles cheios de curva. Como fazer uma fiscalização eficaz nessas condições? O superintendente do DNPM no Amapá, Antônio Feijão, reconhece que, mesmo com a junção de esforços de vários órgãos públicos e a criação de unidades de conservação ambiental, essa fiscalização ainda é pífia.
“O Estado sempre foi um turista na Amazônia. O governo precisa, de fato, se instalar, mas não com esses pingados pelotõezinhos que agregam de 40 a 50 soldados, que mais estão para hastear o pavilhão nacional do que para defender geopoliticamente a nação”, critica. “Se você sair de Vila Brasil e caminhar pela fronteira até BV-8, você andará mais de mil quilômetros sem ter uma viva alma representando o Brasil. Há uma desertificação da sociedade nacional das fronteiras em nome do meio ambiente e dos grandes latifúndios indígenas”, completa.
Vila Brasil, citada por Feijão, é um distrito do município de Oiapoque, no Amapá, fronteira com a Guiana Francesa; e BV-8 é como era conhecida a atual cidade de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, em Roraima. Essa região, por exemplo, está protegida por um mosaico ambiental de parques nacionais, florestas estaduais, terras indígenas e outras unidades de conservação.
O secretário de Indústria, Comércio e Mineração do Amapá, José Reinaldo Picanço, entretanto, afirma que o número de guardas florestais é pequeno e ainda não estão prontos nem mesmo os planos de manejo, que definem se determinada unidade de conservação pode ou não abrigar atividades econômicas. “Por si só, as áreas protegidas não impedem a atividade de minerária. É preciso ter um plano de manejo, o que não encontramos em quase nenhuma unidade de conservação do estado. Certamente, se formos pedir uma autorização para funcionamento [de garimpo] – e já existe caso dessa natureza – em uma área protegida, ela será negada pelo órgão gestor porque o plano de manejo não existe”, informa.
Sem áreas disponíveis, os estados são obrigados a engavetar os projetos de implantação de garimpos legais, ao mesmo tempo em que temem o surgimento de minas clandestinas em regiões remotas ou a reativação daquelas que já foram desativados. Estima-se que de 10 mil a 30 mil garimpeiros brasileiros atuem ilegalmente hoje em terras e rios de países vizinhos como Suriname e Guianas francesa e inglesa.
Operações do Ibama
Recentemente, o Ibama realizou várias ações de repressão ao garimpo ilegal no País, a maior parte nas regiões Norte e Centro-Oeste. A tecnologia foi uma aliada de peso: com base em satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), os fiscais detectaram, em outubro de ano passado, desmatamento em uma área de 25 hectares de garimpo clandestino em Novo Mundo, no Mato Grosso. A operação, batizada Soberania Nacional, apreendeu motores de bomba para sucção de água, escavadeiras e tratores de esteira usados para derrubar árvores e escavar a terra em busca do ouro.
Em outra operação conjunta de Ibama, Polícia Federal e Funai, foram apreendidos, em agosto, mais de R$ 1 milhão em equipamentos de um garimpo ilegal de diamantes na Reserva Indígena de Roosevelt, em Rondônia. Um mês antes, três áreas de extração de ouro também foram fechadas pelo Ibama e pela Polícia Militar do Amazonas em Apuí, às margens da Transamazônica, na divisa com o Pará, onde 50 garimpeiros atuavam clandestinamente. Além do material de garimpo, foram encontradas três espingardas, dez cartuchos calibre 16 e um circuito interno de TV.
Também em julho, a Vila Taboca, no município paraense de São Félix do Xingu, foi alvo de uma operação para desativar um garimpo ilegal de cassiterita. O Ibama encontrou por lá uma estrutura moderna de garimpagem, apreendeu equipamentos avaliados em R$ 1,3 milhão, aplicou multa de R$ 780 mil, mas não conseguiu evitar a morte do rio Pium, assoreado pelos sedimentos de mais de 100 pontos de garimpagem espalhados em cerca de 500 hectares.
Estrutura
O ex-secretário de geologia do Ministério de Minas e Energia Claudio Scliar afirma que, apesar de a estrutura de fiscalização ainda estar longe da ideal, com carência de pessoal e de equipamentos, a atuação conjunta de órgãos na repressão ao garimpo ilegal tem surtido efeito. Ele menciona o caso do contrabando de ouro, que ainda existe, mas nem se compara ao que ocorria em outros tempos. Na década de 1990, a Câmara chegou a pedir ao governo explicações sobre o contrabando de ouro para o Uruguai. “Naquela época, tínhamos uma situação anômala: um país vizinho nosso, ao sul, exportava uma grande quantidade de ouro sem ter minas que suportassem aquela quantidade – provavelmente, aquele metal provinha de garimpos clandestinos daqui. Hoje, felizmente, situações desse tipo não têm ocorrido mais. A Polícia Federal tem feito um trabalho importante, e o DNPM se modernizou”, sustenta.
Faltam oportunidades de trabalho legal
A ação garimpeira é cheia de contradições: contribuiu para a expansão territorial do Brasil colônia, mas às custas da destruição de várias comunidades indígenas; ajuda o equilíbrio da balança comercial brasileira, ao mesmo tempo em que danifica o meio ambiente; e tem potencial para enriquecer e adoecer os garimpeiros, só para citar alguns desses paradoxos. Defensores da atividade costumam afirmar que, apesar de reconhecidos pela Constituição Federal, os garimpeiros são “satanizados ambientalmente, injustiçados socialmente e penalizados tributariamente”.
Presidente de uma cooperativa desses trabalhadores no Amapá, Antônio Pinto, lamenta as poucas oportunidades para o garimpo legal no Brasil. De acordo com ele, a busca por emprego em países vizinhos é, muitas vezes, a única alternativa. “A classe dos garimpeiros é sofredora. São pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar e vivem em busca do ouro porque é a forma que acham mais fácil para sobreviverem. Por que o nosso governo não abre uma oportunidade para essa classe se manter dentro de seu país e ter a sua liberdade?”, questiona.
Atualmente, Pinto comanda um grupo de garimpeiros devidamente legalizados, mas ele também já desempenhou essa atividade clandestinamente aqui no Brasil e nos vizinhos Suriname e Guianas francesa e inglesa. Antônio diz não ter saudade daqueles tempos difíceis: “Certa vez, fiquei cinco dias escondido no mato, lá no Kourou [Guiana Francesa], querendo ir ao supermercado para comprar uma merenda, porém não podia ir, porque seria preso. Não quero viver de novo aquela situação. É muito sofrido para quem está lá dentro”, conta.
Riscos para a saúde
Quem vai atrás de esmeraldas, conhecidas como “ouro verde”, também vive uma via crucis. Para se chegar, por exemplo, aos veios de esmeralda dentro das rochas da Serra da Carnaíba, na Bahia, é preciso cavar buracos de até 300 metros de profundidade e, lá em baixo, suportar temperaturas escaldantes, manipular dinamite, respirar fuligem e rezar para que não ocorra nenhum desabamento.
Outro risco enfrentado pelos garimpeiros está no contato com o mercúrio – usado para separar o ouro e outros metais presentes na água fluvial, é extremamente tóxico e está associado a problemas respiratórios, digestivos e neurológicos nos trabalhadores; e à contaminação de peixes, água, ar e solo. O problema é tão sério que a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), aprovada pelo Congresso em 1981, determinou ao Ibama a responsabilidade de controlar a importação, a produção, a comercialização e o uso do mercúrio no Brasil.
Mais um impacto ambiental da atividade garimpeira se dá na extração ilegal de ouro e outros metais preciosos em parques nacionais e terras indígenas. E se não bastassem tais problemas, o policial federal Jorielson Nascimento, que tenta combater o garimpo ilegal na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, lista uma série de crimes que rondam as comunidades garimpeiras clandestinas: “tráfico de drogas, de armas, de pessoas, exploração sexual de crianças e adolescentes, sonegação fiscal, crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro”.
Legalizar para expandir
Na hora de pensar em soluções para tantos problemas, o consenso gira em torno da legalização dos garimpos. Até porque a atividade dificilmente deixará de existir e o Brasil precisa dos recursos financeiros gerados por suas riquezas minerais. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o setor de mineração responde por cerca de 4% do PIB, movimentando em torno de 70 bilhões de dólares por ano (cerca de R$ 140 bilhões).
Ex-secretário do ministério e autor do livro “Geopolítica das Minas no Brasil”, o geólogo Claudio Scliar destaca que o País é o primeiro produtor em vários bens minerais, como bauxita, rochas ornamentais, caulin; e o segundo em ferro. O especialista acrescenta que ainda há um grande potencial inexplorado: “Somos uma nação continental e existem muitas áreas que precisam ser detalhadas do ponto de vista do mapeamento geológico.”
Quanto ao ouro, o governo estima que as reservas brasileiras são de 2 mil toneladas. A produção anual, que está em torno de 60 toneladas, deve dobrar até 2017, consolidando o ouro como o segundo bem mineral em valor de exportação, atrás apenas do minério de ferro. É bom lembrar que essa estimativa não leva em conta a extração informal feita por 300 mil a 500 mil garimpeiros espalhados pelo País, na avaliação do próprio ministério.
Planejamento
Para melhorar a realidade nos garimpos, Manoel Perquival, um garimpeiro legalizado na Amazônia, faz um apelo para que a riqueza mineral brasileira possa ser explorada com pleno respeito à vida humana e à natureza. Aos 60 anos de idade, ele diz estar ciente de suas responsabilidades e pede às “autoridades” que o deixem trabalhar: “Eu, como garimpeiro, reconheço que, se protegermos as nascentes, não teremos problemas com o meio ambiente. Há como recompor, reflorestar. Não existe bicho de sete cabeças; falta planejamento”. Com informações da Agência Câmara.