STF julga leis estaduais que banem o uso do amianto
Da Redação em 6 November, 2012
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Foi suspenso no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 3357 e 3937, que questionam leis estaduais do Rio Grande do Sul e de São Paulo relativas ao uso do amianto. A sessão foi suspensa após o voto dos relatores dessas ações, ministros Ayres Britto e Marco Aurélio, respectivamente.
Primeiro a votar, o ministro Ayres Britto considerou as leis constitucionais, votando, portanto, pela improcedência das ADIs. Em seguida, o ministro Marco Aurélio apresentou seu voto pela procedência do pedido apresentado nas duas ações.
Lei gaúcha
De relatoria do ministro Ayres Britto, a ADI 3357 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). A autora contesta a Lei gaúcha 11.643, de 21 de junho de 2001, que proíbe a produção e comercialização de produtos à base de amianto no Estado do Rio Grande do Sul.
A entidade entende que ao proibir no estado a produção e o comércio de produto à base de amianto, a norma questionada violou o princípio da livre iniciativa previsto no artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal, além de invadir a competência legislativa reservada à União, conforme os artigos 22, incisos XI e XII, e 24, inciso V e parágrafo 1º, da CF.
Lei paulista
A ADI 3937, também de autoria da CNTI, é relatada pelo ministro Marco Aurélio. Por meio dela, é questionada a constitucionalidade da Lei 12.684/07, do Estado de São Paulo, que proíbe o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou outros minerais que tenham na sua composição fibra de amianto.
A entidade alega que a norma paulista usurpa competência da União e entra em confronto com a Lei federal 9.055/95, que permite o uso controlado do amianto, da variedade crisotila, no país. A lei federal está sendo contestada no Supremo na ADI 4066, de autoria da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Ainda não há data agendada para a retomada do julgamento das ADIs, com o voto dos demais ministros.
Entendimento do Ministro Ayres Britto
No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 3357 e 3937, que questionam as Leis estaduais 11.643/01 (RS) e 12.684/07 (SP) que tratam da proibição do uso, produção e comercialização de produtos que contenham amianto, o ministro Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela improcedências das ações. Ele foi o primeiro ministro a votar sobre a matéria, tendo em vista ser o relator da ADI 3357.
O ministro Ayres Britto afirmou que a Constituição Federal deve ser aplicada de forma imediata, ou seja, sem a mediação de outro diploma normativo. Assim, ele afirmou que “por se cuidar de competência legislativa, igualmente primária, a União não precisa esperar pelos estados e os estados não precisam esperar pela União”. “Se a União resolve tomar a dianteira do ato de legislar pode fazê-lo, mas há de se conter na produção de normas gerais”, completou.
Segundo o presidente do STF, os estados e o Distrito Federal deverão produzir normas do tipo suplementar. “A norma suplementar é para acudir, solver os eventuais déficits de que venham a padecer as normas gerais editadas pela União”, explicou, ressaltando que essas normas não têm caráter nacional, portanto apenas são válidas no território dos estados e do DF. “Como as normas gerais não são plenas e as normas suplementares não são plenas, é dessa adição das normas gerais da União e suplementares dos estados que se alcança a plenitude normativa, que se perfaz em torno de um bem jurídico de matriz constitucional”, afirmou.
O relator salientou que os bens jurídicos contidos na Constituição Federal – como meio ambiente e saúde, entre outros – “têm um invariável sentido digno de toda a proteção normativa”. “Essa ideia de defesa e proteção tanto do consumidor quanto da saúde, já decola da verificação de serem ambos os bens jurídicos classificados como fundamentais”, disse.
O Supremo, conforme o ministro Ayres Britto, já firmou a tese que a Convenção 162, da OIT, pelo menos quando dispõe sobre a proteção da saúde dos trabalhadores [direitos humanos] “tem status de norma supralegal porque a própria Constituição Federal lhe deu primazia”. Ele recordou que o artigo 59 da CF lista os atos que inovam primariamente a ordem jurídica, ou seja, estão logo abaixo da Constituição sem precisar de outra mediação legislativa. Também afirmou que os tratados internacionais também são veículos primários de direitos e deveres.
Ao analisar a ADI 3357, o presidente da Corte entendeu que a norma estadual questionada ao proibir a comercialização de produtos à base de amianto, “em verdade, cumpre muito mais a Constituição Federal no plano da proteção da saúde – inclusive evita riscos à saúde da população em geral, dos trabalhadores em particular, do meio ambiente – do que a lei federal”. Para ele, “a legislação estadual está muito mais próxima do sumo princípio da eficacidade máxima da Constituição em tema de direitos fundamentais”.
De acordo com o ministro, a lei gaúcha está em sintonia também com outra norma constitucional, contida no artigo 7º, inciso XII, que diz que é direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Além disso, ele acrescentou que “a norma é precedida de estudos e debates conclusivamente demonstradores das nocividades do amianto em qualquer das suas modalidades”.
Livre iniciativa
Ao final de seu voto, o ministro Ayres Britto destacou que a legislação atacada não contrariou o princípio da livre iniciativa. Segundo ele, a Constituição, ao tratar da ordem econômica, determina que tal ordem é também fundada na valorização do trabalho humano e tem por fim assegurar a todos uma existência digna. “E entre os princípios a serem observados estão, igualmente, a defesa do consumidor e do meio ambiente (artigo 170, incisos V e VI), valores a que deve se conformar a livre iniciativa como elemento de sua própria compostura jurídica, porque a ordem econômica que consagra a livre iniciativa também consagra a proteção e defesa do consumidor e do meio ambiente”, avaliou.
O ministro considerou que a norma estadual concretizou o princípio econômico da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente “de parelha com a proteção do trabalhador, da saúde pública e da defesa dos direitos humanos, sendo induvidoso o dano que, à saúde humana, é causado por qualquer variedade de amianto, donde o próprio parágrafo único do artigo 2º da Lei 9.055/95 certifica a nocividade do ambiente crisotila, inclusive”.
“Considerando que a legislação internacional impõe a substituição desse produto, não vejo como reconhecer a inconstitucionalidade”, ressaltou o ministro, ao votar pela improcedência das ADIs. Ele finalizou esclarecendo que a lei gaúcha previu o estabelecimento de prazos razoáveis de três e quatro anos para que os estabelecimentos industriais e comerciais se adequassem às novas regras. “Houve tempo suficiente para o sereno planejamento e execução das medidas que então se impunham”, completou.
Entendimento do ministro Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu voto pela procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3937, da qual é relator. A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra a Lei 12.687/2007, do Estado de São Paulo, que proíbe o uso de produtos que contenham amianto. O ministro também considerou procedente a ADI 3357 (de relatoria do ministro Ayres Britto), ajuizada pela CNTI contra a Lei estadual 11.643/2001, do Rio Grande do Sul, de conteúdo semelhante ao da norma paulista. As duas ações estão sendo julgadas conjuntamente pelo Supremo.
Para firmar seu entendimento, o ministro procedeu à avaliação do artigo 2º da Lei Federal 9.055/1995, que autoriza o uso, comercialização e produção do amianto da variedade crisotila, concluindo pela constitucionalidade desse dispositivo. De acordo com o seu voto, as variáveis envolvidas quanto ao risco à saúde pública, laboral e ao meio ambiente, por um lado, e impactos econômicos e sociais, por outro, não permitiriam ao Supremo fazer um juízo seguro das consequências futuras de uma decisão proibindo o uso do amianto crisotila, devendo a decisão ficar a cargo de um juízo político, por meio dos deputados e senadores que compõem o Poder Legislativo. Rever a proibição do amianto exige manifestação democrática, partindo do legislador, sustentou o ministro Marco Aurélio. “É questão de alta complexidade técnica, não jurídica, que pode afetar milhões de pessoas, pode gerar indesejada dependência econômica externa, monopólio produtivo e prejuízo à política habitacional, justamente aos menos afortunados”, ponderou.
Impacto econômico
Atualmente 92% do consumo do amianto são destinados à produção do fibrocimento, utilizado sobretudo na construção civil. O produto movimenta R$2,5 bilhões ao ano, e as telhas de fibrocimento cobrem 25 milhões de casas no país. O banimento do amianto, destacou o relator da ADI 3937, significaria o desaparecimento de 230 mil empregos, trazendo também consequências para o mercado de construção civil para baixa renda: estimativas apontam para uma elevação de preços variando entre 10%, 20% até 35% com a proibição do crisotila, devido à insuficiência de substitutos imediatos para o produto.
OIT
Na avaliação do ministro Marco Aurélio, a Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil pelo Decreto 126/1991, não impõe o banimento da produção de crisotila, uma vez que estabelece procedimentos para o seu uso seguro, e foi ratificada por grandes produtores do amianto, como Canadá, Rússia e Cazaquistão, o que seria contraditório caso a norma fosse proibitiva. A convenção recomenda também a revisão periódica das normas sobre o tema, pelo Congresso, a fim de incorporar o desenvolvimento técnico e aumento do conhecimento científico sobre o produto.
Proteção à saúde
O ministro destacou que o risco à saúde decorrente do uso do amianto deve ser visto sob duas óticas: da saúde pública, presente a possibilidade de aspersão do amianto em razão do transporte, construções e na disposição final do produto, e na saúde ocupacional, referente aos riscos oferecidos aos trabalhadores. No caso da saúde pública, o ministro constatou a existência de uma série de regras referentes ao transporte do amianto e a existência de uma política nacional para a disposição de resíduos sólidos. O relator citou ainda uma pesquisa segundo a qual em amostras analisadas pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo não foi encontrada uma quantidade significativa de fibras de amianto nas residências estudadas. “Empregado da forma devida, o crisotila não traz qualquer risco ao usuário”, sublinhou o ministro.
Ele afirmou que os dados sobre doenças relacionadas ao amianto hoje disponíveis decorrem de exposições ao produto ocorridas há trinta ou quarenta anos, quando se fazia a exploração do produto de tipo mais nocivo do que o crisotila, e os parâmetros de segurança eram praticamente nulos. O ministro ressaltou que a legislação de segurança ao trabalhador na área é recente: as normas somente foram implementadas a partir de 1977. Destacou também que hoje os níveis de exposição ao produto adotados pelas empresas estão muito abaixo dos limites estipulados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Redução de riscos
Em seu voto, o relator destacou que inexistem dados sobre o impacto dos produtos substitutos ao amianto sobre fauna e flora, bem como em aspectos patológicos. “Os efeitos do amianto sobre a saúde humana são conhecidos e documentados. O que se faz em jogo é a adoção de medidas eficazes para reduzir o risco da exposição ao material em trabalhadores e cidadãos em geral”, sustentou o ministro. Para ele, nada impede que Brasil adote padrões mais elevados de proteção ao trabalhador, ambiente e o cidadão, sendo que o banimento do amianto poderá retirar produtos relevantes do mercado possivelmente maximizando riscos com o uso de produtos pouco testados.
Uma vez se posicionando pela constitucionalidade do artigo 2º da Lei 9.055/1995, que autoriza a produção do amianto crisotila no país, o ministro destacou que é inequívoca a inconstitucionalidade da lei paulista sobre o tema, devido à inadequação.
PGR opina em favor das leis que proíbem o uso do amianto
O subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino manifestou, nesta quarta-feira (31), no Plenário do STF, a posição da Procuradoria Geral da República (PGR) pela constitucionalidade das Leis 11.643/2001, do Rio Grande do Sul, e 12.684/07, de São Paulo, que proíbem a produção, comercialização e o consumo de amianto naquelas unidades federativas.
Ele ponderou que a Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho considerou que “há um risco muito sério” na utilização do produto e que, portanto, é necessário rever periodicamente a legislação que regula seu uso. No mesmo sentido, de acordo com o subprocurador, se manifestou a Organização Mundial de (OMS), tendo em vista as formas cancerígenas que o ser humano pode contrair no contato com o produto.
Referiu-se, ainda, a advertência do Instituto Nacional do Câncer (INC) sobre os riscos de patologias resultantes do contato com o amianto. Por fim, observou que o Ministério da Saúde baixou portaria proibindo o uso do produto em dependências de órgãos a ele vinculados.
Francisco Sanseverino disse que as leis dos dois estados vão na linha geral prevista pela Lei federal 9.055/95, no sentido da restrição e do banimento do amianto e estão em harmonia com o artigo 24 da Constituição Federal (CF), que dispõe sobre competência legislativa concorrente entre a União, os estados-membros e o Distrito Federal. Com informações do STF.
Vejas os votos dos ministros Ayres Britto e Marco Aurélio sobre o amianto.
ADI 3357 – Relatório Ayres Britto