Brasil e a polêmica produção de transgênicos
Da Redação em 22 October, 2012
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Na última safra, o Brasil passou a ocupar o segundo lugar na lista dos maiores produtores mundiais de alimentos geneticamente modificados. Foram 30 milhões de hectares de plantações transgênicas. Só os Estados Unidos têm uma plantação maior: 69 milhões de hectares.
O começo da história dos transgênicos no Brasil, no entanto, foi tumultuado. No início dos anos 90, produtores do sul do País iniciaram o cultivo de soja modificada vinda da Argentina, mas o assunto ainda não era regulamentado no País. A comercialização dessa soja só foi autorizada por medida provisória em 1995.
Mas, a alegria dos produtores durou pouco. Em 1998 a venda dos transgênicos foi proibida, devido a uma ação judicial do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O embargo durou até 2003, com a edição de nova MP para autorizar a comercialização.
A Lei de Biossegurança (11.105/05), aprovada pelo Congresso em 2005, representou o fim da polêmica em torno do assunto. Além de criar regras gerais sobre as pesquisas em biotecnologia no País, a lei criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que passou a ser responsável por toda regulação do setor de biotecnologia.
Desde então, o órgão já aprovou a utilização comercial de cerca de 50 organismos geneticamente modificados, dos quais 35 são plantas. Segundo o presidente da CTNBio, Flávio Finardi, as regras de liberação desses organismos no País estão entre as mais rigorosas do mundo.
Etapas do licenciamento
Ao todo, no Brasil para chegar às prateleiras, um produto transgênico tem de passar por cinco fases. Primeiro, a empresa deve submeter o projeto à aprovação da CTNBio. A comissão analisa a proposta e faz uma visita local para saber se há condições para se desenvolver o trabalho com segurança.
Aprovada a proposta, vem a fase de desenvolvimento e testes, que devem ser realizados em ambiente restrito e controlado. Se for uma planta, cabe ao Ministério da Agricultura fiscalizar o experimento. Em seguida, antes da liberação comercial, a CTNBio avalia se os dados coletados correspondem aos critério de biossegurança.
Antes da comercialização efetiva, o produto ainda será submetido a uma avaliação política. Um conselho formado por 11 ministros decide se é vantajoso ou não para o País lançar a novidade no mercado.
Agrotóxicos
Um dos produtos transgênicos mais cultivados no Brasil é a soja. Segundo a economista do Departamento de Economia Rural da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná, Jovir Vicente Esser, 89% da soja produzida no País é geneticamente modificada.
As plantas atualmente existentes no mercado sofreram alteração genética quase sempre com o objetivo de se tornarem mais resistentes – seja a agrotóxicos, a pragas ou às intempéries climáticas.
Mas a redução do uso de agrotóxicos possibilitada pela transgenia não vem ocorrendo no Brasil porque as ervas daninhas adquirem resistência ao herbicida usado nas plantações de transgênicos. O presidente da CTNBio, Flávio Finardi, reconhece a existência do problema, mas afirma que decorre, não da tecnologia, mas da falta de cuidado dos produtores. “Existem relatos de plantas daninhas resistentes ao mesmo tipo de herbicida. Agora, por que isso aconteceu? Porque não foi feito o rodízio de culturas.”
O engenheiro agrônomo e assessor técnico da Agricultura Familiar e Agroecologia Gabriel Biancone Fernandes sustenta, inclusive, que desde 2008, quando o Brasil passou a plantar soja transgênica em escala comercial, assumiu a triste posição de país que mais usa agrotóxico no mundo.
Royalties reduzem lucros
No Brasil, desde o início da década de 90, são cultivadas variedades de soja, milho e algodão que sofreram modificações genéticas para ficarem resistentes a herbicidas e pragas. Apesar de a transgenia também ser capaz de criar plantas mais produtivas, os agricultores brasileiros atestam que não há diferença entre transgênicos e plantas convencionais.
Se por um lado o agricultor economiza em defensivos agrícolas quando cultiva transgênicos, por outro lado tem que pagar royalties à empresa que produz a semente modificada.
O produtor paranaense Gilberto Pivoto explica que, no início, a empresa não cobrava royalties e isso tornava o produto transgênico mais lucrativo do que o convencional por causa da facilidade no cultivo. Com a cobrança, no entanto, o agricultor afirma que a vantagem desapareceu.
O agrônomo e assessor técnico da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia, Gabriel Biancone Fernandes, critica o patenteamento de sementes. “O interesse das empresas maior é vender as sementes transgênicas, porque elas são patenteadas e feitas para o uso casado com agrotóxicos. Com o passar do tempo, elas vão tirando do mercado, sobretudo de soja e de milho, as sementes comuns e deixam o produtor praticamente sem opção.”
Opiniões divergentes
Na Câmara, o assunto não tem consenso. O Projeto de Lei 654/07, do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), proíbe o reconhecimento e o registro de patentes de organismos geneticamente modificados, inclusive sementes. No entanto, o Projeto de Lei 4961/05, do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), permite o patenteamento de materiais biológicos considerados invenção.
Para Fonteles a cobrança de royalties sobre transgênicos estimula a monocultura e contraria a proibição prevista em lei de patentear partes de seres vivos. Mas Mendes Thame – que foi presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Biopirataria (encerrada em 2006) – argumenta que o projeto é uma forma de fazer com que o Brasil lucre com a exploração da biodiversidade.
As duas propostas tramitam apensadas. Em 2009, a Comissão de Meio Ambiente aprovou o registro de patentes para proteger a pesquisa e a inovação. Desde então, os projetos aguardam parecer na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática.
Controle da produção
O produtor paranaense Ademir Serronato sempre plantou soja tradicional até que, em 2005, ele decidiu cultivar o produto orgânico. Depois de dois anos desse tipo de cultivo, entretanto, sua produção estava contaminada com transgênicos. Até hoje ele não conseguiu retomar a safra orgânica, que deve conter menos de 1% de grãos modificados.
O agricultor garante que tomou todas as precauções para isolar a lavoura e reclama da falta de fiscalização das propriedades vizinhas, que cultivam transgênicos.
No caso do milho, a CTNBio oferece duas opções ao agricultores para fazer uma barreira de contenção entre plantações de milho transgênico e convencional. O produtor pode deixar uma faixa livre de 100 metros de largura, ou adotar uma fixa de apenas 20 metros de largura, desde que plante 10 fileiras de milho convencional semelhante ao transgênico cultivado na área. A medida é necessária porque a reprodução do milho ocorre por meio do pólen, que pode circular por grandes distâncias.
Já para a soja, a CTNBio não prevê medidas de contenção entre culturas convencionais e transgênicas. Como essa planta não se reproduz por polinização, a comissão argumenta que não há risco de contágio entre as culturas por proximidade.
A fiscalização dessas medidas cabe ao Ministério da Agricultura, mas os produtores rurais afirmam que ela não ocorre. A representante da Secretaria de Agricultura do Paraná Jovir Esser reconhece que a lei não é cumprida. “Infelizmente, o que temos percebido na prática na região é que essa norma não está sendo observada.”
Rotulagem de transgênicos
Hoje os rótulos só avisam que há transgênico em um alimento quando a concentração desses ingredientes está acima de 1%. Alguns deputados e especialistas, no entanto, querem acabar com esse limite e rotular alimentos com qualquer quantidade de transgênico.
A legislação brasileira exige, desde 2003, que os fabricantes de alimentos que contenham mais de 1% de ingredientes geneticamente modificados divulguem essa informação nas embalagens. Mas essa regra pode mudar em breve. Em agosto deste ano, o Tribunal Regional Federal, em Brasília, concedeu decisão favorável a um processo em que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) pede a rotulagem de alimentos que contenham qualquer porcentagem de transgênico.
O próprio decreto da rotulagem estabelece que o porcentual pode ser alterado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela regulamentação da área de biotecnologia no País.
Na Câmara Federal, o Projeto de Lei 4148/08, do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), quer assegurar em lei o atual limite de 1%. Já o Projeto de Lei 5575/09, do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), defende o posicionamento do Idec e exige que os rótulos de todos os alimentos que contenham quaisquer índices de organismos geneticamente modificados tragam essa informação.
A proposta de Vaccarezza, no entanto, proíbe expressamente a adoção de símbolos na rotulagem de alimentos que contenham organismos geneticamente modificados. “No Brasil, a regulamentação da rotulagem exige um triângulo amarelo com a letra T (de transgênico), ou seja, um símbolo que lembra algo perigoso, como a radioatividade”, critica.
O projeto de Heinze aguarda votação no Plenário, e o de Vaccarezza, a criação de comissão especial para analisar o assunto.
Fiscalização
A fiscalização dessa rotulagem é feita pela Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça, pelos Procons, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelas vigilâncias sanitárias estaduais.
A presidente do conselho diretor do Idec, Marilena Lazzarine, relata que, na última fiscalização foram encontradas irregularidades na rotulagem. “O Departamento Nacional de Proteção ao Consumidor junto com Procons de vários estados coletaram amostras de alimentos em vários pontos do País, e a partir de análises de laboratório foram identificados produtos que continham ingredientes transgênicos sem a informação na rotulagem.”
Impactos na saúde
Para a presidente da Associação das Donas de Casa do Estado de Goiás, Maria das Graças Santos, informação é fundamental para que o consumidor tenha o direito de decidir. Apesar de defender as pesquisas e o desenvolvimento da tecnologia dos transgênicos no País, Maria das Graças não compra esses produtos porque acredita que ainda falta informação sobre os efeitos dos alimentos geneticamente modificados sobre a saúde.
As possíveis consequências dos transgênicos para a saúde humana é um dos aspectos mais debatidos dessa tecnologia. O presidente da CTNBio, Flávio Finardi, afirma que não existe nenhuma evidência que justifique a desconfiança em relação aos transgênicos. “Se não existe uma comprovação técnica de que tudo isso é seguro, também não existe uma comprovação científica de que haja qualquer tipo de risco desses produtos que estão liberados para o consumo.”
O agrônomo e assessor técnico da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia, Gabriel Biancone Fernandes, discorda. “Cada vez mais há pesquisas que vão engrossando a evidência de que [o consumo de transgênicos] pode, sim, acarretar problema de saúde. Mas, infelizmente, o processo de tomada de decisão no Brasil acaba desconsiderando esse tipo de evidência científica.”
Marilena Lazzarini também reclama da pressa no processo de liberação dos produtos geneticamente no mercado brasileiro. Flávio Finardi, no entanto, garante que o modelo brasileiro de avaliação é um dos mais rigorosos do mundo. Ele explica que, até a liberação comercial, o produto passa por cinco fases de avaliação, um processo que dura em média 18 meses.
“Os alimentos derivados da recombinação genética são muito mais seguros do que um alimento convencional equivalente, por quê? Porque eles são testados, enquanto que os convencionais nunca são testados”, afirma Finardi.
Merenda escolar
Diante da incerteza científica, dois projetos de lei em análise na Câmara pretendem limitar o consumo dos alimentos modificados. O PL 3634/04, de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), proíbe a utilização de transgênicos na alimentação infantil.
O PL 4357/01, da ex-deputada Telma de Souza, proíbe a adição de ingredientes geneticamente modificados na merenda escolar, nas refeições servidas em hospitais, creches, asilos, nas Forças Armadas e nos presídios. As duas propostas tramitam apensadas e aguardam votação no Plenário da Câmara. Com informações da Agência Câmara.
Paulo Andrade, 12 anos atrás
Parabéns pelo texto, esclarecedor e amplo.
Fernanda Barreto Campello Walter, 12 anos atrás
Excelente, texto! Completíssimo e muito claro.