Importância e aspectos ambientais do Geodireito
Roseli Ribeiro em 12 February, 2012
Tuite
Em entrevista ao Observatório Eco, o advogado Luiz Antonio Ugeda Sanches, presidente do IGD (Instituto Geodireito), trata da interdisciplinaridade entre as Geociências e o Direito. Para o especialista, se o objetivo do Direito pode ser compreendido como o de fazer Justiça, por meio da aplicação da norma, e o da Geografia planejar e estudar o espaço, o encontro destas duas disciplinas “se justifica pela busca do espaço justo”.
Segundo Ugeda Sanches, sempre houve uma interdisciplinaridade entre Geografia e Direito, “mas ela nunca foi sistematizada como tal”. Inclusive, no Brasil o patrono da Geografia é um bacharel em Direito, Milton Santos.
O IGD criado em 2008, de acordo com o seu presidente, visa compreender a dimensão geocientífica prevista na norma, de forma a implementar no Brasil os conceitos de Law & Geography e capacitar profissionais para uma visão geojurídica e empreendedora.
Luiz Antonio Ugeda Sanches é sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados. Doutorando em Geografia pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito e em Geografia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
De acordo com o advogado, a revolução tecnológica no âmbito da cartografia e o uso cada vez mais freqüente do georreferenciamento no dimensionamento de imóveis rurais, por si só já justificam que “todo processo regulatório e fiscalizatório no futuro passará, inevitavelmente, pelas geotecnologias”. Veja a entrevista exclusiva de Luiz Antonio Ugeda Sanches ao Observatório Eco.
Observatório Eco: Qual a relação entre o Direito e a Geografia?
Luiz Antonio Ugeda Sanches: De forma simplista, se o objetivo do Direito é fazer Justiça, por meio da aplicação da norma, e o da Geografia é planejar, estudando o espaço, a interdisciplinaridade se justifica pela busca do espaço justo.
Mas, há uma infinidade de repercussões ambientais, urbanísticas e nas infraestruturas que precisam ser estudadas sob o enfoque das tecnologias, da repercussão econômica, bem como das políticas públicas que decorrem delas.
Observatório Eco: De que forma as novas tecnologias renovaram a Geografia? Qual o impacto destas tecnologias no Direito?
Luiz Antonio Ugeda Sanches: A Geografia tem sua origem nas ciências exatas. Há grandes contribuições de engenheiros geógrafos ao longo da história brasileira. Até hoje a Geografia está ligada ao CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura).
Por outro lado, o patrono da Geografia no Brasil é um bacharel em Direito, Milton Santos. O fato é que sempre houve uma interdisciplinaridade entre Geografia e Direito, mas ela nunca foi sistematizada como tal.
Mas esta sistematização tornou-se imprescindível no século XXI. Há uma revolução tecnológica em curso no mundo. Ao conjugar o advento da internet com a tecnologia de satélites, a cartografia e o sensoriamento remoto enquanto projetos computacionais, bem como a capacidade de gerenciamento de dados dos softwares atuais, a Geografia acaba se qualificando como um ramo científico que produz análises espaciais. Por sua vez, o Direito regulamenta políticas públicas para esta finalidade.
Há o IBGE, que pode ser considerado o grande órgão regulador do espaço nacional, bem como do sistema cartográfico, mas há também o INCRA que regulamenta o georreferenciamento para desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais. Se George Orwell estava certo ao escrever 1984, todo processo regulatório e fiscalizatório no futuro passará, inevitavelmente, pelas geotecnologias. E isso não é pouco.
Observatório Eco: As questões debatidas na mudança da legislação florestal – em especial o Código Florestal – possuem uma forte relação com o georreferenciamento. Qual a ligação do Geodireito com as questões relacionadas ao Código Florestal atual e futuro?
Luiz Antonio Ugeda Sanches: Aqui há que se falar do critério espacial no Direito Ambiental. Em 1934, o Código Florestal instituiu a Quota-Parte, que restringiu o direito de uso da propriedade e preservava compulsoriamente 25% de vegetação nativa nas propriedades. Em 1965, o Código Florestal instituiu a Reserva Legal.
A atual proposta de Código Florestal contempla o uso do georreferenciamento para fixar critério espacial na Reserva Legal, no Programa de Regularização Ambiental – PRA, no Plano de Suprimento Sustentável – PSS, na Cota de Reserva Florestal – CRA e no instituto da servidão florestal. Independentemente da opção ideológica da proposta, quem lê o relatório do dep. Aldo Rebelo nota rapidamente o enfoque geográfico conferido a justificativa, ao mencionar sistematicamente Josué de Castro, na obra Geografia da Fome, enquanto contraponto malthusiano, para resolver diversos problemas socioambientais.
Observatório Eco: No âmbito de exploração de petróleo no pré-sal as questões de Geodireito também são relevantes?
Luiz Antonio Ugeda Sanches: O critério espacial no setor energético também encontra uma fundamental repercussão. Aqui se exalta o conceito de desenvolvimento regional, compreendida a região como uma dimensão geográfica com repercussão jurídica. A região é expressão usada desde Roma no sentido de regência, de espaço regido, o que pressupõe uma hierarquia jurídica entre o espaço central da capital e a província regida. O pré-sal está em região marítima de fronteira, o que denota questões de soberania.
Ao mesmo tempo, toda a discussão de royalties tem um cunho regional e de escala geográfica. Qual é a escala que adotaremos para aplicar compensação financeira? Os estados do norte devem receber royalties do pré-sal ou apenas os estados diretamente afetados? Como definir esta região? Entendemos que a territorialidade regional deva ser definida com base em critérios geográficos e jurídicos.
Observatório Eco: O Congresso Nacional se prepara para debater as legislações relacionadas ao Código de Mineração, de que forma o Geodireito pode contribuir para a evolução dessa legislação?
Luiz Antonio Ugeda Sanches: Da mesma forma que na questão energética, com base na compreensão de desenvolvimento regional, ou seja, qual é a dimensão da região a ser desenvolvida mediante determinada compensação financeira. Trata-se de se aplicar o art. 43 da CF e identificar o complexo geoeconômico que deve ser tutelado para determinada repercussão social.
Observatório Eco: Quais as preocupações do Geodireito, que pode vir a se tornar uma disciplina autônoma do Direito?
Luiz Antonio Ugeda Sanches: Entendo que o Geodireito deve ser aplicado com base nas competências da União para organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional (art. 21, XV, CF), pois também é sua competência privativa a de legislar sobre sistema estatístico, cartográfico e geológico (art. 22, XVIII, CF), articulando-se em um mesmo complexo geoeconômico para reduzir desigualdades regionais (art. 43, CF).
Há autores que gostam de enunciar o Geodireito enquanto um ramo autônomo do Direito, ou mesmo da Geografia. Preocupo-me mais com a uniformidade dos conceitos. Acredito na eficácia do princípio do “where tags”, que atribuo ao Sir Clements Markham, em artigo escrito em 1905. Aplicando o conceito, se perguntamos “onde” para a legislação e ela nos responde, estamos a falar em Geodireito.
Logo, quem deve dizer o que é Planalto Central, Amazônia Legal, Região Metropolitana, Faixa litorânea, Faixa de fronteira, Polígono das secas, Quadrilátero ferrífero, Pantanal, dentre outras dimensões espaciais, é a Geografia, ou a Geologia no caso de subsolo, com a devida política pública tutelada pelo Direito.