Surgem os impasses da lei de resíduos sólidos

em 23 October, 2011


Se por um lado, o Brasil tem muito para comemorar com o surgimento da lei 12.305/2010, que prevê a obrigação da sociedade e do governo de darem adequado tratamento aos resíduos sólidos, por outro, os contornos práticos desta árdua tarefa se mostram cada vez mais desafiantes.

O cronograma para a implantação da lei segue o cumprimento de suas várias etapas. A primeira determinou a edição do decreto federal nº 7.404/2010 que regulamenta a lei. Na segunda etapa, o governo elaborou a versão preliminar do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, e nesse momento, realiza consulta pública nacional sobre os contornos práticos da legislação para avaliar de que forma a sociedade e o poder público irão cumprir suas diversas obrigações.

Para tratar do tema o Observatório Eco entrevista dois especialistas, que acompanham de perto o desenvolvimento e aplicação dessa extensa legislação, Fernanda Stefanelo e Fabrício Dorado Soler, advogados que integram o Departamento de Meio Ambiente e Sustentabilidade do escritório Felsberg Associados.

Fernanda Viana Stefanelo é advogada mestre em Direito Ambiental pela Unisantos, especialista em Direito Ambiental pela PUC e em Gestão Ambiental e Negócios no Setor Energético pela USP.

Fabricio Dorado Soler é advogado especialista em Gestão Ambiental pela USP, pós-graduado em Negócios do Setor Energético pela USP e MBA em Infraestrutura pela FGV. Presidente da Comissão de Direito da Energia da OAB/SP.

Para os especialistas, o otimismo no gerenciamento do tema permanece, porém, alguns aspectos na estruturação da lei de resíduos sólidos exigem aporte de financiamentos federais, o que vem preocupando os municípios responsáveis pelos planos de gerenciamento de resíduos e implementação de sistemas de coleta seletiva.  

Além disso, o fim dos lixões espalhados pelo país e o adequado tratamento das áreas posteriormente exigem uma atenção maior do governo federal. Outro ponto significativo desta legislação refere-se à cadeia responsável pela reciclagem dos materiais. Os agentes ambientais associados em suas cooperativas são o elo frágil dessa estrutura, aspecto que preocupa o setor empresarial, na avaliação dos especialistas. Será possível o adequado fim dos lixões em 2014? Essa se torna a grande dúvida no momento.   

Observatório Eco: Em linha geral, quais os aspectos importantes da versão preliminar para consulta do Plano Nacional de Resíduos que o governo está debatendo com a sociedade?

Fernanda Stefanelo: Em linhas gerais, o governo federal tem buscado fomentar a discussão de temas relacionados à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), como saneamento básico, cujas diretrizes nacionais encontram-se dispostas na Lei Federal nº 11.445/2007, inclusão social, por meio da inserção dos catadores no processo de reciclagem, bem como sobre o desenvolvimento de produtos mais sustentáveis, como embalagens reutilizáveis, recicláveis e elaboradas a partir de materiais recicláveis.

Outro aspecto de fundamental importância do Plano se refere ao cumprimento de metas para encerramento definitivo da operação de indesejáveis lixões e a respectiva adoção de medidas de recuperação ambiental dessas áreas de sacrifício, historicamente negligenciadas e pessimamente gerenciadas.

Observatório Eco: Quais os aspectos relevantes deste documento para a região Sudeste, em especial o Estado de São Paulo?

Fabricio Soler: A região Sudeste é a mais populosa, o desafio já começa na organização dos Municípios e no processo de conscientização dos consumidores, bem como na adaptação do setor empresarial à nova realidade trazida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos e agora discutida na versão preliminar do Plano para gestão ambientalmente adequada dos resíduos sólidos.

A inclusão social dos catadores também é relevante, pois se tratam de profissionais carentes de formalidade e organização, e o Plano estabelece como meta garantir a geração de 600 mil empregos até 2014. O tema demanda especial atenção para que não seja imposto ao setor empresarial a obrigação de gerar mencionados postos de trabalho, que, naturalmente, decorrerão de vigorosos esforços das Administrações Municipais em implantar de forma eficiente e no curto prazo, sistemas de coleta seletiva dignos e socialmente justos.

Outro ponto que demanda atenção é a obrigatoriedade de o Estado de São Paulo apresentar até o mês de agosto de 2012, seu Plano Estadual de Resíduos Sólidos, sob pena de ter restringido o acesso a recursos da União destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos.

Observatório Eco: Como vocês avaliam o impacto deste Plano e suas metas para os Municípios e o setor empresarial?

Fernanda Stefanelo: Os Municípios também deverão, sob o mesmo risco e no mesmo prazo, elaborar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS). Nesse sentido, tanto o Estado como os Municípios poderão apresentar dificuldades em virtude da carência de recursos financeiros, institucionais, técnicos e humanos, que se soma à precária disponibilidade de dados e à inconsistência de informações associadas à gestão de resíduos sólidos em território nacional. 

No entanto, esse cenário não se põe a desanimar os profissionais engajados na implementação da PNRS, muito pelo contrário, denota-se a abertura de uma janela de oportunidades associadas à economia verde, inovação tecnológica, eco design, gerando novas oportunidades de trabalhos e serviços focados na sustentabilidade dos negócios.

Fabrício Soler: Além disso, o Plano impõe metas ao setor empresarial de segmentos como o industrial, de serviços de saúde, de portos e aeroportos, mineração, agrossilvopastoril e outros.

Contudo, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos é extremamente vago ao estabelecer com clareza e objetividade os instrumentos econômicos que nortearão a implementação dessa política social e ambiental, ou seja, isenções fiscais, linhas de financiamento, incentivos creditícios, subvenções econômicas, pagamentos por serviços ambientais, e outros. Ao passo que o Plano trata de forma pontual e pragmática sobre a criação de taxas, o que, de fato, poderá ocorrer por meio da taxa de saneamento, por exemplo, o documento é evasivo quanto aos instrumentos econômicos que, em nosso entender, sustentarão a efetiva implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Nesse sentido, o setor empresarial deve e está atento ao conteúdo da versão preliminar do Plano, para que não sejam impostas obrigações demasiadamente onerosas a esse segmento, enquanto que poucos entes da federação iniciaram o movimento de cumprimento da PNRS, por meio da elaboração dos seus Planos de Resíduos Sólidos, ferramenta indispensável à viabilização da PNRS, em conjunto com o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (SINIR).

Observatório Eco: Inclusive, antes de começarmos a entrevista, você disse que tem uma novidade importante sobre a questão dos municípios e dos Estados?

Fabricio Soler: Exatamente. O Ministério do Meio Ambiente acaba de lançar uma Chamada Pública que tem por objeto dar apoio aos Estados, Consórcios Intermunicipais e Municípios na elaboração de seus planos de resíduos sólidos, que são parte de um processo que objetiva provocar uma gradual mudança de atitudes e hábitos na sociedade brasileira cujo foco vai desde a geração até a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos.

E mais, a elaboração dos Planos estaduais e municipais, nos termos dos artigos 18 e 19 da PNRS, condiciona o acesso aos recursos da União, a partir de 2 de agosto de 2012, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à gestão de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade. (Para saber mais sobre o Edital clique aqui).

Observatório Eco: Os cenários de implementação da minuta do Plano e os prazos fixados nesta versão são adequados à nossa realidade regional? 

Fabrício Soler: As metas fixadas na versão preliminar do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, de curto, médio e longo prazo, apresentam prioridade de 4 em 4 anos, justamente para coincidir com outro instrumento de planejamento do governo, qual seja o Plano Plurianual (PPA), por meio do qual se traçam os objetivos e orçamentos para o período vigente, visando estruturar a atuação do poder público. Tais metas foram fixadas em 3 níveis: a Proposta 1: com viés favorável. A Proposta 2: com viés intermediário e com viés pessimista.

Tal divisão decorre da análise de cenários macroeconômicos e institucionais, bem como diante percepção delas não dependerem apenas de tais análises, mas também da participação efetiva da União, Estado e Municípios, da sociedade e da iniciativa privada.

A primeira meta de grande impacto é sobre a disposição final ambientalmente adequada de rejeitos em aterros sanitários a partir de 2014, ou seja, a iniciativa pública e/ou privada têm 3 anos para levantar investimentos e colocar em operação unidades de tratamento, destinação e disposição final de resíduos e rejeitos. Além do alto custo para implantação de aterros sanitários e unidades de recuperação de energia, há ainda o impasse para eleição de áreas para recebimento deste tipo de empreendimento.

Fernanda Stefanelo: Com relação à recuperação de lixões, considerando o plano favorável, ou seja, o mais benéfico em termos de ganhos ambientais, até 2015 seria necessário regularizar 20% dessa atividade,por meio da queima de gases, coleta do chorume, drenagem pluvial, compactação da massa e cobertura vegetal.  A proposta intermediária e a pessimista, são,respectivamente, 15% e 10. Ou seja, ao não obstante a criação de aterros sanitários até 2014, há ainda investimentos a serem feitos na regularização dos lixões existentes.

Nota-se ainda que, em razão do grande desenvolvimento da região Sudeste, suas metas quanto ao adequado gerenciamento de resíduos sólidos urbanos são bastante rígidas.

Observatório Eco: Na avaliação de vocês, dentre os vários pontos apresentados na primeira versão do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, quais os aspectos que merecem uma melhor adequação e por quê? 

Fernanda Stefanelo: Primeiramente, chama a atenção ausência e fragilidade dos dados para elaboração do Plano, os quais subsidiaram a fixação de metas e prazos, fato este destacado no próprio documento.

Talvez o correto fosse primeiro se estruturar o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (SINIR), cujo prazo final para implantação é dezembro de 2012, e por meio do qual se espera agregar informações nos três níveis de governo – federal, estadual e distrito federal e municipal, acerca da gestão de resíduos sólidos no Brasil.

Por meio desse Sistema, após a coleta e análise de dados, seria então possível ajudar com maior propriedade a estruturação de um sistema de gerenciamento de resíduos sólidos e rejeitos de forma eficaz, com metas e prazos factíveis,inclusive para implementação de sistemas de logística reversa. Entretanto, o caminho escolhido acabou sendo um pouco tortuoso, posto que as obrigações foram delimitadas aparentemente no escuro.

Fabrício Soler: Outro ponto primordial para estruturação de sistemas de logística reversa, cuja abordagem na versão preliminar para consulta pública ocorreu de forma bastante superficial, envolve os instrumentos econômicos a serem considerados para facilitar e viabilizar a estruturação de tais sistemas.

Nesse sentido, caberia ao setor empresarial se posicionar de forma mais assertiva sobre a necessidade do estabelecimento de normas acerca da concessão de incentivos fiscais, financeiros ou creditícios, considerando, inclusive, tais possibilidades encontram-se previstas na própria Política Nacional de Resíduos Sólidos, respeitada apenas a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por um lado, o Plano se apresenta bastante rígido com as metas propostas, inclusive com a eleição do ano de 2014, como o prazo final para extinção dos lixões e aterros controlados, nos termos da PNRS e por outro lado, praticamente se abstém de propor medidas de incentivo ligadas à desoneração da cadeia de reciclagem, por exemplo.




2 Comentarios

  1. Carlos Justus, 13 anos atrás

    Mais uma excelente entrevista do site Observatório Eco. O Dr. Soler tem se tornado referência no mercado jurídico em questões envolvendo a política nacional de resíduos sólidos, Parabéns pelo trabalho.

  2. Alberto Maranhao, 13 anos atrás

    Excelente abordagem! Parabens aos entrevistados e ao Observatorio Eco. Sds


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