Proteção dos recifes da Amazônia é possível com a criação de Unidades de Conservação

em 31 July, 2024


Amazonia

Muitas pessoas desconhecem, mas a costa norte do Brasil também apresenta uma importante área de recifes, conhecidos como “Grande Sistema de Recifes da Amazônia” ou GARS (do inglês Great Amazon Reef System). Diferentemente daqueles que se desenvolvem na costa leste do país, no Nordeste, eles são encontrados abaixo da pluma (massa de água) da foz do Rio Amazonas, predominantemente entre 70 e 220 metros de profundidade, em ambiente com pouca luminosidade e em águas relativamente frias. As primeiras evidências da existência desses recifes foram obtidas na década de 1970 e estima-se que eles se estendam do Maranhão até à Guiana.

A conservação desse ambiente e da sua biodiversidade sofre ameaças com a pesca industrial, a exploração de petróleo na costa amazônica – devido ao aumento no tráfego de navios, à expansão costeira, aos riscos de acidentes operacionais e aos impactos causados por um possível derramamento de óleo nas águas – e a presença de espécies invasoras observadas na região.

Segundo Hudson Pinheiro, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), pesquisador do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso de ambientes recifais profundos, a melhor maneira de proteger esses ambientes é por meio da criação de Unidades de Conservação (UCs). “Você passa a não enfatizar uma espécie única, mas a ter um manejo com base no ecossistema. É muito importante que nós tenhamos espécies de peixes que possam crescer e atingir os tamanhos máximos, porque quanto maior o organismo, maior a quantidade de ovos que ela é capaz de produzir, gerando mais recrutas, que são dispersados em uma área mais extensa”, explica. “A criação de UCs é uma estratégia de conservação e de sustentabilidade essencial de que essa região carece.”

A gestão adequada de ecossistemas recifais e a implementação de áreas prioritárias para a conservação são fundamentais para aumentar a resiliência marinha frente ao aquecimento do oceano e aos demais impactos das mudanças climáticas, assim como para a manutenção de serviços ecossistêmicos, como ressalta Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário. “Todos os ecossistemas marinhos estão interligados e, portanto, o sucesso da sua conservação só é possível com uma gestão integrada. Nesse sentido, Áreas Marinhas Protegidas bem implementadas, e considerando o cenário de mudanças climáticas, são a primeira ferramenta para uma estratégia eficaz de proteção da biodiversidade marinha e da vida de milhares de brasileiros que dependem do oceano e de seus serviços”, afirma.

 A importância biogeográfica

Os Recifes da Amazônia são contínuos à plataforma continental brasileira. Foram considerados principalmente como um “banco de esponjas” porque, ainda na década de 1970, quando os primeiros pesquisadores exploraram a região, eles coletaram ali uma grande quantidade delas, entre outros organismos. “A partir daí, começaram as primeiras ideias e hipóteses da importância biogeográfica desses recifes, que conectam ainda o Brasil ao Caribe, já que algumas espécies conseguem cruzar essas duas zonas marinhas através deles. Eles também abrigam grande quantidade de espécies comerciais, algumas delas ameaçadas de extinção, como os peixes cherne e pargo”, explica Pinheiro.

Chamados cientificamente de recifes mesofóticos, desenvolvem-se em ambiente com pouca luminosidade e de águas mais frias, o que facilita a predominância de organismos não dependentes de luz (heterotróficos), como esponjas e corais azooxantelados, e outros que conseguem realizar fotossíntese sob baixa luminosidade, como algas calcárias e alguns corais.

O docente e pesquisador Ronaldo Bastos Francini Filho, do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP), explica que o Sistema apresenta característica única em comparação a outros recifes mesofóticos: maior influência de sedimentos e nutrientes transportados por centenas de quilômetros, mar adentro, pela pluma do Rio Amazonas. “Existem evidências de que organismos que habitam o GARS, como esponjas e peixes, se beneficiam destes nutrientes, reforçando assim uma conexão ecológica importante entre floresta, rio e mar. Ele também funciona como esse ‘corredor de migração’ entre Caribe e Brasil, influenciando os padrões biogeográficos de diversidade no Atlântico Ocidental”, conta.

Por que não ouvimos falar desses recifes

O Grande Sistema de Recifes da Amazônia começou a ser estudado, em detalhe, apenas em 2014. Embora limitado, o número de estudos sobre o tema vem crescendo no país nos últimos anos. Para Pinheiro e Francini Filho, entre os fatores que dificultam a realização desses estudos e o avanço do conhecimento sobre a área estão a dificuldade logística da região geográfica (isolada e localizada em águas profundas e turvas), o fato de a Margem Equatorial brasileira apresentar algumas das correntes marinhas tropicais mais fortes do mundo – o que exige o uso de navios de grande porte e equipamentos oceanográficos de última geração – e o baixo investimento histórico em ciência do mar no Brasil.

“Há menos recursos para pesquisadores atuando no Norte do Brasil. Também existem algumas limitações da região, por se tratar de um ambiente mais distante da costa e de portos, ou seja, com pouca infraestrutura e certa dificuldade logística. Além disso, a área apresenta intensos ventos e correntes muito fortes, com grande amplitude de marés. Todas essas são condições desafiadoras para a atividade de pesquisa. Principalmente, para atividades desenvolvidas na costa, como mergulho científico”, fala Pinheiro.

Francini Filho reforça que ainda não existem UCs sobre o GARS e outros habitats marinhos da bacia da Foz do Amazonas, exceto pelas diversas reservas extrativistas localizadas essencialmente em estuários e manguezais na região costeira. “Temos iniciativas históricas que foram reativadas recentemente para seleção de áreas prioritárias e criação de novas UCs, mas a carência de dados é um dos fatores limitantes. Avançar com um planejamento sistemático para uso racional e conservação da região é uma prioridade. Além disso, é essencial criarmos UCs de proteção integral ou em categorias que de fato diminuam usos potencialmente danosos à biodiversidade e serviços ecossistêmicos, como a pesca industrial e a exploração de petróleo.”

Principais ameaças

De acordo com Francini Filho, a costa amazônica é uma das últimas áreas de pesca em larga escala na costa brasileira e, assim como outras regiões do Brasil, precisa de manejo adequado, além de regulamentação e fiscalização. “Dentre os recursos pesqueiros na região, destaca-se o pargo (Lutjanus purpureus), espécie que depende do Recife do Amazonas para sua sobrevivência. Após o quase extermínio da espécie em outros locais do Brasil, o GARS representa um dos últimos refúgios para esse peixe”, explica o docente.

Pinheiro acrescenta que a pesca não manejada tem ainda um potencial grande de causar a sobre-exploração ou captura excessiva das espécies. “A retirada nessas áreas de indivíduos que são mais sensíveis, que possuem crescimento lento e baixa fecundidade (potencial de reprodução), também pode causar impactos na região.”

A respeito da ameaça resultante da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, Pinheiro explica que essa é uma região de extrema importância biológica pela diversidade que apresenta e que existe não só ali, mas também ao seu redor, com extensos manguezais e áreas de criação de espécies (berçários). “Na ocorrência de um vazamento de óleo, dificilmente haverá tempo hábil para a contenção. Esse óleo se espalhará facilmente por uma grande extensão e, se chegar até a costa, causará prejuízos ambientais e sociais incalculáveis.”

O pesquisador ressalta ainda outro risco aos Recifes da Amazônia: o das espécies invasoras. É o caso do peixe-leão, introduzido no Caribe há quase 40 anos. “Ele se alastrou e recentemente, em 2020, invadiu a região do Recife do Amazonas e a área mais norte do Brasil. Isso causa problemas muito graves, pois é um peixe carnívoro, mas que não tem um predador natural. Com isso, ele aumenta a sua abundância e o seu tamanho muito rapidamente.” Com informações da assessoria.




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