Ano de 2022 teve notícias muito ruins na área ambiental, 2023 tem muito otimismo e um clima de mudanças positivas
Da Redação em 28 December, 2022
Tuite
Um ano com as eleições presidenciais mais disputadas da história do Brasil; fenômenos climáticos extremos causando inúmeros transtornos; desmatamento em alta; e ameaças a territórios de povos tradicionais. Por outro lado, 2022 também foi marcado pela criação de fundos internacionais para perdas e danos decorrentes das mudanças climáticas e para a proteção da biodiversidade e expectativa de mudanças na agenda ambiental com um novo cenário político desenhado.
“Por um lado, tivemos um ano terrível com a sequência de notícias muito ruins na área ambiental: mais desmatamento, desastres como consequências das mudanças do clima, liberação de mais agrotóxicos e ameaças aos territórios e povos indígenas. Mas, neste ano também, a sociedade brasileira rejeitou, por meio do voto, um projeto de destruição dos nossos recursos naturais que está em curso. O resultado das eleições nos dá esperança de que teremos novamente um protagonismo do desenvolvimento sustentável na política pública brasileira, inclusive com a recuperação da agenda de sustentabilidade na política externa brasileira”, analisa o economista Carlos Eduardo Young, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Na visão de Rafael Loyola, diretor executivo do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) e membro da RECN, o ano de 2022 foi marcado pela continuidade do retrocesso na agenda ambiental, que vem sendo aprofundado desde 2019. “Praticamente todos os fatos graves que acompanhamos durante o ano foram uma espécie de rescaldo das decisões de governo tomadas nos anos anteriores. Teve continuidade o enfraquecimento e sucateamento dos órgãos ambientais, grande desmobilização das frentes de atuação, principalmente do Ibama, responsável pela fiscalização ambiental, e enfraquecimento dos conselhos ambientais, com a redução da representatividade da sociedade civil. Todo esse modelo tem efeitos práticos no dia a dia, e, provavelmente, ainda vamos sentir suas consequências nos próximos anos”, frisa Loyola.
Eleições – o meio ambiente em debate
O meio ambiente e as questões climáticas tiveram grande espaço na campanha eleitoral. A situação das florestas, da biodiversidade, dos direitos de povos indígenas e o papel do Brasil no enfrentamento da crise climática global estiveram presentes nos debates. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tem reforçado seus compromissos ambientais, mencionando o desmatamento zero da Amazônia; investimento em ciência e tecnologia, bioeconomia e desenvolvimento sustentável; proteção aos povos indígenas; e a busca por soluções para a crise climática. A equipe de transição do novo governo, com pesquisadores e especialistas respeitados na área ambiental, tem gerado expectativas positivas por parte das entidades que defendem a causa ambiental.
“Lula prometeu reconstruir políticas ambientais que foram abandonadas pela gestão Bolsonaro, como o Fundo Amazônia e os planos de combate ao desmatamento. A expectativa geral é de que seu governo fortaleça os órgãos ambientais e a Funai, recupere o orçamento, combata crimes ambientais e proteja nossos parques, reservas e terras indígenas. Isso deve levar a uma redução significativa nas taxas de desmatamento em todo o Brasil, assim como nas ameaças aos povos de nossas florestas”, analisa Carlos Rittl, especialista em política internacional da Rainforest Foundation da Noruega, ex-secretário executivo do Observatório do Clima e membro da RECN.
COP27 – o aguardado fundo para perdas e danos
Em novembro, o principal destaque da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), realizada no Egito, foi o acordo para a criação de um fundo de perdas e danos para beneficiar os países mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. A decisão foi considerada histórica, apesar de ainda haver muitas dúvidas a respeito dos mecanismos de financiamento e do acesso aos recursos. Um grupo de trabalho transnacional será formado para definir a efetivação do fundo, que deve socorrer especialmente países ameaçados pelo aumento do nível do mar, migrações forçadas por desastres naturais e outras consequências das mudanças do clima.
“Esses acordos evoluem muito lentamente, pois precisam atender interesses dos diversos países envolvidos. De qualquer forma, o apoio a comunidades mais vulneráveis era uma demanda histórica dos países em desenvolvimento, presente nos debates sobre mudanças climáticas desde a Eco 92, realizada no Rio de Janeiro, em 1992”, lembra André Ferretti, gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
“É importante lembrar que os países mais pobres, apesar de contribuírem muito pouco para as emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global, costumam sofrer as maiores consequências do desequilíbrio do clima”, completa Ferretti. Os especialistas lamentam que o documento final da COP27 não tenha apresentado avanços em relação a metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
COP15 – meta para proteção de 30% do território global
Em dezembro, um acordo histórico para proteger a biodiversidade do planeta foi anunciado no encerramento da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP 15), realizada no Canadá. O texto aprovado estabeleceu a meta de preservar 30% das áreas terrestres e regiões costeiras e marinhas globais até 2030, com o objetivo de evitar a extinção de até 1 milhão de espécies da fauna e da flora do planeta. Outra decisão importante foi a criação de fundos para apoiar países em desenvolvimento, que devem direcionar US$ 25 bilhões anuais nos próximos cinco anos. “Foi um bom acordo, com avanços em relação ao pacto anterior, mas, se observarmos que no acordo anterior, vigente entre 2010 e 2020, a maioria das metas não foi alcançada, fica o alerta para que as intenções sejam transformadas em políticas públicas e, principalmente, em ações concretas. Agora, a responsabilidade por boas iniciativas para conter a perda da biodiversidade está com os países”, avalia Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
Desmatamento – queda na Amazônia, aumento no Cerrado
Foi mais um ano com notícias preocupantes em relação à conservação dos biomas brasileiros. Na Amazônia, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram derrubados 11,6 mil quilômetros quadrados de floresta em 2022, uma queda de 11% em relação ao ano anterior, contudo, o segundo maior desmatamento em 13 anos. Já no Cerrado, 10,6 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa foram derrubados neste ano, aumento superior a 25% em relação ao observado no período anterior, de acordo com o Inpe. Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí, considerados estados da nova fronteira agrícola brasileira, representam 71% do desmatamento do bioma.
“O aumento do desmatamento e as queimadas foram a tônica dos últimos anos, e, infelizmente, não foi diferente em 2022. Além dos índices altíssimos na Amazônia, que sempre acompanhamos com muita atenção, ficamos sabendo que o desmatamento no Cerrado aumentou 25% neste ano. Isso é inacreditável e mostra que o Cerrado também precisa de muita atenção e cuidado”, alerta Rafael Loyola.
Bruno Pereira e Dom Philips – crime na Amazônia
Em junho, o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, comoveu o país e o mundo. O crime trouxe à tona a falta de controle sobre atividades ilegais em terras indígenas, como a pesca, a mineração e a extração de madeira. Nascido em Recife (PE), Pereira era servidor de carreira da Funai, considerado um dos maiores especialistas em índios isolados do país. Em 2019, havia liderado a maior expedição para contato com índios isolados dos últimos 20 anos. No mesmo ano, foi exonerado por pressões de setores com interesses econômicos em terras indígenas. Dom Philips, nascido na Inglaterra, era colaborador de jornais ingleses e norte-americanos, como Financial Times, The Guardian, The New York Times e The Washington Post. Morava no Brasil desde 2007, em Salvador, e estava escrevendo um livro sobre a floresta amazônica.
Chuvas, enchentes, e recorde de mortes
Os fenômenos climáticos extremos causaram muitos transtornos, prejuízos e um recorde de mortes ao longo do ano. Apenas no primeiro semestre, quando ocorreram desastres em diferentes localidades do país, especialmente no Nordeste, ao menos 495 pessoas perderam a vida em decorrência das fortes chuvas, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM). O número de mortes provocadas pelas chuvas foi o maior dos últimos 10 anos no Brasil. Apenas em Pernambuco, ao menos 132 pessoas morreram em decorrência das enchentes e deslizamentos. De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadem), cerca de 10 milhões de pessoas vivem em áreas suscetíveis a deslizamentos e enchentes mais graves no Brasil.
“Diante da escalada desses fenômenos, que estão ocorrendo com mais frequência e maior intensidade em todo o planeta, será necessário investir muito mais em ações de adaptação às mudanças climáticas. Neste sentido, será necessário trazer a natureza de volta para as cidades, buscando um desenvolvimento mais equilibrado, inspirado em ecossistemas saudáveis, com mais segurança e qualidade de vida para as pessoas”, afirma Ferretti.
Conferência dos Oceanos tem maior participação da sociedade civil
Em junho foi realizada a segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, em Portugal. Na declaração final, mais de 150 países-membros afirmam estar “profundamente alarmados com a emergência global enfrentada pelos oceanos”, incluindo “aumento do nível do mar, erosão costeira, aquecimento e acidificação dos oceanos”. Os países renovaram o seu “compromisso em tomar medidas urgentes e em cooperar nos níveis global, regional e sub-regional para se alcançar todas as metas o mais rápido possível e sem mais demoras”. Um dos traços marcantes da conferência foi o engajamento de empresas e diversas organizações da sociedade civil.
Para Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP, responsável pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano e membro da RECN, a conferência trouxe avanços na interligação entre as agendas internacionais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Década do Oceano, ambas com planos de ação até 2030. Ele ressalta que a poluição marinha foi um dos temas mais presentes em todos os debates, com as mais variadas manifestações durante a conferência. “O lixo no mar é um dos focos principais nessa temática. Um acordo internacional está sendo construído de forma multilateral, que deve ser finalizado em 2024”, conta o pesquisador.
Pesquisa inédita mostrou relação dos brasileiros com o mar
Também em junho, a Fundação Grupo Boticário, a UNESCO e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apresentaram a pesquisa inédita “Oceano sem Mistérios: A relação dos brasileiros com o mar”. A partir de 2 mil entrevistas, contemplando moradores de todas as regiões do país, o levantamento mostrou que 40% da população ainda não associam como suas atitudes podem impactar o oceano. A pesquisa mostrou também que apenas 35% dos brasileiros afirmam que sempre evitam o uso de canudos e copos plásticos e que a maioria desconhece sobre os serviços ambientais prestados pelo oceano para a manutenção da vida no planeta.
Além de hábitos e comportamentos, a pesquisa revelou dados sobre o turismo relacionado ao oceano e o nível de conhecimento da população sobre a economia do mar. Cerca de 10% dos brasileiros nunca estiveram em uma praia e apenas 1% da população tem conhecimento sobre os conceitos de “economia do mar” ou “economia azul”. “A pesquisa nos permite compreender como a sociedade entende a influência do oceano no seu cotidiano, e, por outro lado, os impactos que suas atividades provocam nos ambientes costeiros e marinhos. De forma pioneira, buscamos identificar comportamentos existentes na população de um país continental e perceber como as pessoas estão dispostas a adotar novos hábitos e comportamentos em favor dos ambientes marinhos”, afirma Malu Nunes.
Expectativas para 2023 – Um “clima” de mudança
Para 2023, as expectativas voltam-se para o novo governo. Os especialistas esperam que o executivo federal formule uma política climática forte, capaz de reduzir a degradação do meio ambiente e atrair investimentos nacionais e internacionais. “Imagino que vão reativar o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e fazer com que a agenda ambiental seja transversal e tenha relevância nos programas de governo. Imagino que será restabelecido um controle mais eficaz sobre o desmatamento, principalmente na Amazônia e, espero, também no Cerrado. Fala-se muito em ecossistemas florestais, mas é bom lembrar que o Brasil tem mais ecossistemas não florestais que florestais que também precisam de um novo olhar”, frisa Loyola, que também é professor da Universidade Federal de Goiás (UFG).
“A grande mensagem do final de 2022 é o otimismo de que a agenda ambiental deverá ser maior, integrada a outras agendas e inserida em um discurso nacional mais abrangente. É natural essa esperança agora até porque a gente vivenciou uma tragédia ambiental nos últimos anos e viu como isso esteve presente em todos os níveis da sociedade”, finaliza Young. Com informações da assessoria.