Cidades Sustentáveis e Humanizadas
Da Redação em 27 September, 2016
Tuite
Artigo de Patrick Johann Schindler.
De acordo com o relatório “Perspectivas da Urbanização Mundial”, elaborado pela Organização das Nações Unidas – ONU, 54% da população mundial vive em áreas urbanas. Tal fato faz com que muitos desafios ambientais tenham que ser administrados por gestores públicos, pelo mundo corporativo, por organizações sociais e pela própria população. O manejo adequado do lixo, a geração de energia por fontes não poluidoras, melhorias no transporte público e incentivo ao transporte alternativo, a redução da poluição do ar e das águas, a garantia da segurança hídrica, dentre outros, precisam ser gerenciados adequadamente. As cidades que se comprometem com a sustentabilidade estão engajadas em ações para diminuir as emissões de gases de efeito estufa, visando o combate ao aquecimento global e consequentemente, às mudanças climáticas. Planejamento é a palavra chave para que essa meta seja alcançada. Planejamento orçamentário para investir em pesquisa, em inovações tecnológicas, bem como em infraestruturas urbanas que sejam sustentáveis e resilientes.
Fatores como o crescimento populacional e o aumento do poder de compra são os responsáveis pelo desencadeamento do atual cenário de degradação ambiental. Quanto maior o número de pessoas, maior será o lançamento de dióxido de carbono na atmosfera, já que necessidades básicas de alimentação, vestuário, moradia, aquecimento, refrigeração e transporte precisam ser supridas.
Atualmente, muitas cidades ao redor do mundo tornaram-se insalubres. Cidades com alta densidade populacional, poluídas, sujas, não arborizadas, carentes de infraestrutura adequada, com excesso de trânsito e violência são responsáveis por instabilidades sociais e por elevar os problemas de saúde de seus habitantes. Dessa forma, a necessidade de reverter este cenário se faz necessária.
Da mesma forma como a teoria Gaia concebe o planeta Terra como um organismo vivo, as cidades também podem ser consideradas como tal, ou seja, possuem a capacidade de se autorregular. Quando um ser humano está resfriado e com febre, o seu organismo, naturalmente, cria defesas para combater o vírus e expeli-lo. Sob a mesma lógica fisiológica, a Terra é obrigada a combater naturalmente o aquecimento global, que representa a febre gerada não exclusivamente, mas em grande escala pela espécie humana, ora concebida como o “vírus”, o causador da emissão em grande escala de gases de efeito estufa. Como reação natural do planeta, ocorrem com maior frequência eventos climáticos extremos. Esses fenômenos do clima geram efeitos devastadores nos ecossistemas naturais e artificiais (cidades), podendo inclusive gerar o êxodo em massa de populações.
Nesse contexto, mudanças comportamentais e medidas de resiliência se fazem necessárias para a garantia da sobrevivência do Homo Sapiens e dos demais seres vivos (animais e plantas).
Ações de resiliência e que permitam o desenvolvimento sustentável em áreas urbanas podem culminar em maior grau de adaptabilidade às mudanças climáticas. Diminuir as vulnerabilidades e propiciar bem estar e segurança aos cidadãos são medidas de extrema necessidade levando-se em conta as atuais instabilidades climáticas. Por essa razão, os diversos setores da economia precisam convergir as suas ações para a sustentabilidade, dessa forma, buscando garantir a perenidade de suas próprias atividades.
Tenho a crença que as cidades sustentáveis são aquelas que garantem uma interação sadia entre os seus habitantes e os diversos espaços públicos e privados juntamente com o meio natural.
O setor da construção civil pode diminuir drasticamente a sua pegada ecológica ao aderir a uma arquitetura de baixa emissão de carbono que utilize sistemas de ventilação natural, isolamento térmico, uso de iluminação natural, uso de energia solar térmica e fotovoltaica para aquecimento de água e geração de eletricidade, respectivamente.
Outro aspecto da arquitetura ecológica é o uso de espaços “vazios” nas fachadas de prédios e nas colunas de viadutos, que podem ser cobertos por vegetação e são conhecidos como paredes verdes ou vivas. Telhados verdes também são um modo interessante de aproveitamento de um espaço inutilizado. Poderiam servir como jardins suspensos, proporcionando espaços de convívio social em prédios residenciais e comerciais. Hortas verticais também podem ser instaladas nos telhados de prédios, contribuindo para a produção local de hortifrútis orgânicos.
Somado à arquitetura sustentável, o esverdeamento das cidades, através da conservação e criação de novos espaços verdes como praças e parques e a arborização de ruas e avenidas apresentam inúmeros benefícios. Dentre eles, destacam-se o embelezamento da paisagem urbana, a redução da poluição do ar, redução de ruídos, estabilização da temperatura, manutenção da umidade relativa do ar, sombreamento, retenção de carbono, maior permeabilidade do solo, captação da água da chuva e manutenção da biodiversidade.
Assunto correlato à preservação de espaços verdes e da mata ciliar às margens de rios e córregos é a garantia do fornecimento de água e a sua conservação. A gestão adequada dos recursos hídricos e o aumento da capacidade de reservação são de suma relevância levando-se em conta a atual crise hidrológica. A exemplo de Israel, cujo clima seco e árido não permite condições climatológicas para precipitações abundantes e regulares, o país já superou os desafios das graves crises hídricas. A dessalinização da água do Mar Mediterrâneo e a reciclagem de águas residuais garantiram à população água suficiente para o abastecimento residencial, industrial e da agricultura.
Transporte é outro fator importante. Investimentos pesados para melhorar e intensificar o uso do transporte público, o incentivo aos meios de locomoção não motorizados, bem como incentivos fiscais e econômicos para baratear a fabricação e aquisição de carros elétricos são medidas importantes para a redução das emissões de CO2 desse segmento. Muitos países europeus possuem ótimas ciclovias, seguras e extensas, bem como pontos de recarga para carros elétricos instalados em diversos pontos de suas cidades.
A gestão adequada dos resíduos sólidos é outra temática relevante no contexto urbano e relaciona-se com três fatores primordiais: limpeza urbana, saúde pública e preservação do meio ambiente. Sob essa ótica, a prática da reciclagem traz benefícios múltiplos uma vez que evita o transporte dos resíduos aos aterros, aliviando inclusive o excesso despejado em aterros sanitários, os quais facilmente se esgotam e encontram-se cada vez mais longe dos grandes centros urbanos. A separação do lixo reciclável, orgânico e não reciclável é uma ação fundamental que pode ser intensificada através da implantação de programas de educação ambiental nas escolas e empresas.
A geração de lixo está intrinsecamente relacionada aos padrões de renda e consumo. O conceito dos 4 R’s – redução, reaproveitamento, recuperação e reciclagem é a alternativa mais adequada para se colocar em prática uma boa gestão de resíduos sólidos.
Ao invés de amontoar o lixo nas calçadas ou sobrecarregar as lixeiras, gerando mau odor, a proliferação de insetos indesejados, a poluição visual e o possível entupimento de bueiros, a cidade de Barcelona faz uso de um sistema muito interessante de coleta de lixo. Pontos de coleta de resíduos estão instalados em diversas ruas residenciais e comerciais, os quais são conectados a tubulações subterrâneas, que por sua vez, substituem lixeiras e os caminhões de lixo, aliviando um pouco o trânsito, o barulho, odores e contribuindo para a não emissão de CO2. Os resíduos são dispensados separadamente e transportados a vácuo até uma central coletora, onde o lixo é triado. Os recicláveis são reciclados e os orgânicos viram combustível para gerar eletricidade.
De acordo com a teoria de Lavoisier – “nada se perde tudo se transforma” – o lixo muitas vezes é matéria prima secundária podendo ser utilizado para finalidades múltiplas. Garrafas pet podem ser usadas para a construção de móveis como cadeiras, sofás, mesas e até serem utilizadas para erguer paredes de uma casa. Essa prática é conhecida por economia circular. Na Palestina, por exemplo, uma escola foi erguida com o uso de pneus inservíveis, dando vida a uma nova forma de construção.
Na Alemanha, os cidadãos podem devolver embalagens de vidro e plástico em máquinas localizadas nos supermercados e receber uma quantia em dinheiro por fazê-lo. Gratificar os cidadãos em espécie incentiva à criação de hábitos sustentáveis.
No campo energético, a geração descentralizada por fontes renováveis é a alternativa que as residências, empresas e indústrias possuem para diminuir suas emissões de CO2 e para terem suprimento garantido em tempos de crise no abastecimento convencional. Outras vantagens desse tipo de geração, principalmente no Brasil é o fato de desafogar um pouco a demanda excessiva das hidrelétricas e utilizar insumos naturais que estão quase sempre à nossa disposição, e acima de tudo de forma gratuita, como é o caso da radiação solar e dos ventos.
Conclui-se que as tecnologias e as práticas sustentáveis empregadas nas cidades possuem papel de extrema relevância para a cicatrização das feridas e “doenças” causadas pelas atividades humanas. Um modelo de planejamento urbano que estabeleça metas concretas e tangíveis como as acima mencionadas contribuirão para a existência de cidades com menor grau de emissões e consequentemente, mais saudáveis e humanizadas.
Patrick Johann Schindler, Assessor de Relações Internacionais na Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo.