Escorregamentos de morros
Da Redação em 15 January, 2012
Tuite
Artigo de Sergio K. Rodriguez.
Os fenômenos de movimentos de massa são parte da dinâmica superficial e natural do Planeta Terra. Ocorrem independentemente da ação do homem. Fazem parte do modelamento de relevos de modo a, através da ação da gravidade, mover materiais constituídos por solos ou rochas no sentido da encosta ou vertente abaixo.
Os fatores que influem no desencadeamento desse tipo de fenômeno são relacionados à natureza dos materiais da encosta, sua declividade e a quantidade de água envolvida no processo. Apenas três fatores técnicos.
O aumento da declividade e o aumento da quantidade de água, portanto são os grandes desencadeadores da instabilidade de encostas, visto que a natureza dos materiais permanece constante na escala de tempo histórico do homem.
Os materiais, solo e rocha, são praticamente constantes, pois os processos de intemperismo de transformação de rochas em solos são bastante lentos. Por sua vez a declividade pode ser rapidamente modificada por um processo natural, como por ação tectônica, ou pela ação do homem nos trabalhos de terraplanagem envolvendo cortes e aterros de forma a “adequarem” os terrenos às necessidades de moradia, de vias de locomoção ou outros tipos de uso.
A água proveniente das chuvas também pode ser alterada no balanço de estabilidade da encosta. O aumento da infiltração e conseqüente encharcamento dos solos faz aumentar o risco de ocorrência do movimento de massas. Esse aumento de infiltração de água pode ser dado pela retirada da vegetação da encosta, expondo de maneira crítica os solos aos processos. Porém, infiltrações de água também se dão por águas servidas ou por vazamentos da rede de águas e esgotos precariamente instalados.
Como se vê, o homem pode alterar a estabilidade das encostas. E, de fato, altera.
Na natureza, o tempo que leva para o desencadeamento do movimento de massas pode ser de alguns milhares de anos, e na maioria das vezes de forma gradual. Com a desestabilização provocada, esse tempo se reduz tornando-se praticamente instantâneo. Associa-se tanto a mudança de inclinação dos taludes e a infiltração de águas além do que pode suportar o maciço sob a influência da ação da gravidade. Prontamente o quadro de tragédia está instalado.
Pergunta-se, então, até que ponto esse tipo de fenômeno, quando transformado em tragédia em épocas de chuvas intensas, pode ser considerado natural, se o homem modifica deliberadamente as condições geométricas e subsuperficiais com sua ocupação?
De tal sorte, ou azar, esse tipo de fenômeno superficial do Planeta Terra é dinâmico. Podem ocorrer em determinadas situações, porém disseminados de acordo com as três variáveis expostas acima: constituição dos materiais dos solos e rochas, declividades das encostas e infiltrações de água.
Infelizmente não se conhece no Brasil a dimensão exata do problema envolvendo a ocupação de áreas de riscos. Percebe-se, no entanto, que a ocupação pessimamente planejada, por si só, torna-se uma variável capaz de influir negativamente para o aumento da declividade e aumento da infiltração de água. E, são nesses aspectos, associados às condições geológicas locais, que se desenvolvem os estudos de caracterização das áreas de riscos, através do mapeamento geotécnico, por exemplo.
Porém, o mapeamento geotécnico não impede a proliferação das áreas de risco e conseqüentes tragédias. Servem, contudo como documentos orientativos no sentido de prevenção aos riscos.
Além do Mapeamento Geotécnico das áreas potenciais aos movimentos de massas, outras medidas preventivas deveriam ser tomadas. A mais óbvia delas seria a de não ocupação de áreas com potencialidades altas para o desenvolvimento da dinâmica de escorregamentos. Porém, isso não ocorre devido a dois principais fatores: não se sabe quais as áreas possuem essa potencialidade, pois nunca houve investimentos para seus estudos (embora de custos significativamente baixos) e por necessidade de moradias, a população promove a ocupação desordenada e inconseqüente alheia à interferência do Poder Público ausente.
Outras medidas visando o controle das infiltrações e correções na geometria das encostas, quando possível, sem necessidade de obras vultosas de engenharia, também são possíveis, de custo baixo e resultados bem satisfatórios, desde que devidamente orientadas por profissional qualificado para lidar com os problemas geotécnicos de estabilização de encostas.
Sistemas de alertas são medidas de Defesa Civil e apenas justificam-se devido às demais ações ineficazes do Poder Público. De fato, impedem que as catástrofes sejam piores, salvando as vidas de algumas pessoas em situações de riscos, porém só existem pelo fato dessas mesmas pessoas serem conformadas pelo Poder Público a conviver com o risco por falta de outra opção de moradia, situação imposta pelo desleixo secular incentivador da desigualdade social.
Ao ser questionado sobre sua situação de convivência em área de risco, o morador simplesmente revela que não há outra condição que lhe resta a não ser arriscar sua vida e de sua família para poder exercer o direito de morar. Assim, resolver uma pequena parte das situações de riscos geológicos significa dar outra opção mais digna a uma grande parcela da sociedade.
Por sua vez, o Poder Público insiste no erro estratégico de apenas aparecer quando a catástrofe já ocorreu, através da Defesa Civil. Repete-se o erro estratégico de privilegiar a convivência com a situação de risco, através de obras caríssimas de reconstrução da infraestrutura atingida, retaludamento, muros de arrimo, sistemas de alertas (simbolicamente indicando que ali se convive com o risco institucionalizado). São soluções que visam apenas a aceitação de convivência com os riscos, tentativamente, administrados pelos órgãos públicos acomodados com a incapacidade de tomar decisões mais efetivas para a erradicação desses desastres, perfeitamente identificáveis e que poderiam ser evitados.
Nossos desastres são intensificados pela ocupação desordenada e descontrolada dos espaços urbanos. Portanto bem distintos de outros desastres geológicos como terremotos, tsunamis e explosões vulcânicas. A prevenção, portanto, é a única solução a ser perseguida, independente do custo ou do tempo que se gastará para afastar de vez a condição de risco.
Persistir mais um ano nos mesmos erros não é o melhor caminho. É alimentar o risco.
Sergio Kleinfelder Rodriguez, geólogo e perito ambiental.
(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)
Marcio, 12 anos atrás
Prezado Sergio
Vc enquadraria o fenômeno acontecido na região serrana em 2010 como escorregamento de morro?
Sergio Klein, 12 anos atrás
Sim, Márcio. O termo escorregamento de morro, encostas ou outros são usados de forma genérica. Os processos podem ser diferenciados, mas os resultados são sempre trágicos.