APP de topo de morro na proposta do novo Código Florestal

em 8 January, 2012


 Artigo de Sergio K. Rodriguez.

Recentemente, publiquei aqui, no Observatório Eco, um artigo sobre APP em Topo de Morro, segundo a legislação atual. Acolhendo sugestão feita pela editora deste portal, passo a enfrentar o tema tendo como foco a proposta do Novo Código Florestal que tramita no Congresso Nacional.

Da análise dos textos aprovados na Câmara e no Senado Federal reparei que o estrago é maior do que eu imaginava ou do que já havia lido. O texto da Câmara Federal é muito ruim e mereceu ser substituído pelo texto do Senado, porém este último é pior ainda. Senão, vejamos.

O Capítulo 1, das disposições gerais, do texto aprovado no Senado inicia-se com a definição de princípios já consagrados na Constituição Federal e agrega sutilmente conceitos de sustentabilidade, desde que voltadas ao uso dos recursos naturais, como se pode notar logo no artigo 1º.

Ainda no Capítulo 1, no artigo 3º uma série de definições técnicas são colocadas para o melhor entendimento da lei. E, o que chama a atenção é que não se define mais Topo de Morro ou qualquer elemento que possa caracterizar esse tipo de APP, a não ser uma pequena referência sobre “estabilidade geológica” e um item que define relevo ondulado, sem conexão de aparente importância  com o restante da lei.

Chama a atenção neste artigo de definições o novo termo designado de “área rural consolidada”, em seu item IV: área de imóvel rural com ocupação antrópica pré-existente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio.

Ao definir o termo “área rural consolidada” o legislador aproveita e abençoa o infrator ambiental caracterizado pelo Decreto 6.514, justamente do dia 22 de julho de 2008. Irônico, no mínimo.

Embora a redação do Novo Código Florestal seja clara quanto a sua aplicação em área urbana ou rural, o legislador, preocupado em definir a área a ser perdoada as infrações ambientais, esquece de dar clareza aos termos “área urbana consolidada”, “área urbana não consolidada” e “área rural não consolidada”, que assim como na legislação atual irá proporcionar uma série de dúvidas na aplicação da nova  lei.

O Capítulo 2 trata das Áreas de Proteção Permanente. Vê-se rapidamente que todas as dimensões que definem as APPs estipuladas pela legislação atual foram sensivelmente  diminuídas.

No caso das APPs de topo de morro, o legislador não se preocupou mais em definir morro, montanha ou qualquer outro elemento geomorfológico pois trata qualquer elevação como um atributo mensurável. Onde tínhamos APPs para morros de 50 a 300 metros, ou montanhas acima de 300 metros, agora temos APPs para topos de morros com elevações acima de 100 metros apenas. De 50 a 100 metros de desnível, não há, para o legislador o porque caracterizar qualquer APP.

O legislador esquece que as APPs de Topo de Morro são justificadas devido a  estabilidade geológica das encostas, impedindo a instalação de processos erosivos e a ultra-infiltração de águas pluviais que condicionam o encharcamento e o estabelecimento de escorregamentos de solos que cansaremos de ver acontecer nestes próximos meses de verão, no sudeste.

Quanto a estes aspectos, um novo artigo merece ser escrito.

No artigo 4º, item IX, define APP: no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as  áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por  planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

Veja que o legislador definiu relevo ondulado no Capítulo 1 e agora utiliza o conceito para caracterizar a base de morros, montanhas etc através de selas topográficas mais próxima da elevação.

Na prática isto quer dizer que para ser APP deverá ter no mínimo 100 metros de altura em relação a sela topográfica mais próxima pois todo relevo, para a nova lei é ondulado:  relevo ondulado: expressão geomorfológica usada para designar área caracterizada por movimentações do terreno que geram depressões, cuja intensidade permite sua classificação como relevo suave ondulado, ondulado, fortemente ondulado e montanhoso.

Como uma das maiores discussões sobre APPs recaía na definição da base dos morros e montanhas, agora o problema está resolvido com a adoção do plano de sela topográfica, a partir desta até o topo da elevação, tendo mais de 100 metros, temos APP desde que as encostas tenham declividades maiores que 25º. Menos de 100 metros de amplitude, sem APP.

Diminui-se de 30º para 25º, o que é uma boa notícia, porém com a institucionalização da sela topográfica e a amplitude mínima de 100 metros perde-se a maioria das APPs já definidas como de Topo de Morro pela lei atual.

Como se não bastasse, haverá dificuldade em se caracterizar APPs  em Topo de Morro, pois elevações com essas características de amplitude de relevo de 100 metros são exceções geomorfológicas e não impedirão o desenvolvimento de processos erosivos e de escorregamentos na maioria das encostas que não irão se enquadrar como APPs de Topo de Morro.

O legislador foi mais atrevido ainda ao elaborar uma série de situações onde podem ser justificadas o uso das áreas de APPs para diversos fins, conforme o Artigo 8º:  A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de  utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

Utilidade Pública, interesse social e baixo impacto ambiental são termos que o Capítulo 1 tratou de definir em seu Artigo 3º:

VIII – utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras de infraestrutura destinadas  às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele  necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais,  bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de  areia, argila, saibro e cascalho;

c) atividades e obras de defesa civil;

d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;

e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;

IX – interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;

b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;

c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;

d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009;

e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;

f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;

g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;

X – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:

a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;

b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;

c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;

d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;

e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas  e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;

f) construção e manutenção de cercas na propriedade;

g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;

h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada  a legislação específica de acesso a recursos genéticos;

i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;

j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;

k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente;

Ou seja. O legislador reduziu as APPs e praticamente as eliminou admitindo uma série de intervenções que descaracterizam por completo o sentido de áreas de preservação permanente, pois agora é o fazes o que tu queres pois é tudo da lei nessas áreas. Acertou, contudo em algumas exceções mais justas socialmente, como no caso de ribeirinhos, quilombolas, pequenos agricultores familiares e outros. Porém, podem-se abrir estradas, construir campos de futebol, trilhas, ancoradouros para barcos suntuosos na beira de reservatórios etc.

Como se não bastasse, e já que a matéria sobre APPs parece estar resolvida quanto à responsabilidade do Estado, o legislador ainda distribui poderes de legislar sobre essas áreas aos Estados, municípios e até por empreendedores privados, admitindo o poder de definição dessas áreas através dos instrumentos:

- Zoneamento Ecológico Econômico;

- Plano Diretor Municipal, ou outro instrumento de planejamento urbano ou territorial municipal;

- Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatórios elaborado pelo empreendedor;

- Definição do Chefe do Poder Executivo, a respeito de áreas de risco diversas;

O legislador, assim, aproveita a lógica que tem norteado suas decisões e incrementa o descaso que demonstrou com a aprovação da Lei Complementar 140/2011 que retira poder e responsabilidade de fiscalização do IBAMA e de outros órgãos licenciadores.

Sergio K. Rodriguez, geólogo e perito judicial em meio ambiente.

(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)

 




3 Comentarios

  1. Claudio, 12 anos atrás

    Olá,
    Tenho um terreno em um condomínio chamado águas de igaratá, que segundo um topógrafo se encontra parcialmente em topo de morro

    Ocorre que este condomínio cerca uma represa artificial contralada pela sabesp que regula sua vazão consequentemente o nível da mesma

    Com isso fica quase impossível saber sob qual nível se deve considerar a base de medição

    Além disso, este condomínio foi fundado em 1978 com todas as liberações ambientais da época, e desde este momento os proprietários pagam normalmente a taxa de condomínio e iptu para a prefeitura de igaratá

    Com esta nova lei, é possível com a minha pequena descrição do caso, entender o que se aplica, e o que de fato devo considerar, até mesmo para decidir o que fazer com este terreno?

    Desde já agradeço pela atenção

  2. celina leiko tamura, 12 anos atrás

    Fiquei com confusa sobre os 30 graus anteriores ser eram 30% de inclinação.

    Então o atual seria 25graus ou 25% de inclinação?

    obrigada
    Celina

  3. Adriana Koumrouyan, 11 anos atrás

    Na verdade aumentou a inclinação de 17 graus para 25 graus para serem considerados morros. NADA melhorou. O número 30 referia-se a 30% (aproximadamente 17 graus), na Resolução CONAMA 303/2002, e não 30 graus.


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