Política de resíduos sólidos ainda procura o modelo a ser adotado
Roseli Ribeiro em 4 December, 2011
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Educação dos consumidores quanto à possibilidade de reciclagem dos produtos, aumento da capacidade das cooperativas para absorção do material descartado, redução de carga tributária, definição do preço e do valor agregado das matérias primas e dos produtos reciclados, e a integração entre municípios e cooperativas são apenas alguns dos desafios da lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos na avaliação da advogada Roberta Danelon Leonhardt.
Embora a lei da política nacional de resíduos sólidos tenha percorrido uma tramitação de quase vinte anos no Congresso Nacional e já esteja vigente há um ano, a especialista observa que “o processo operacional de implementação da norma ainda está em fase de discussão e amadurecimento quanto aos modelos a serem adotados”.
Formada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista em Direito Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da USP, Roberta Danelon Leonhardt é sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
A advogada em entrevista exclusiva ao Observatório Eco aponta que tratar de “resíduos sólidos é tocar em dois dos principais problemas globais: saúde e preservação do meio ambiente”. “Os resíduos sólidos são, via de regra, indevidamente dispostos e compõem a carga poluidora que afeta praticamente todos os recursos ambientais, tais como água, ar, solo e florestas”, afirma.
Um dos pontos importantes desta legislação é a participação nos municípios na implantação dos mecanismos da correta destinação dos resíduos sólidos. Até agosto de 2012 as prefeituras deverão ter concluído seus planos de gerenciamento dessa demanda. Na avaliação da especialista, contudo percebe-se um “déficit” das prefeituras na capacitação para implantação e fiscalização no efetivo cumprimento dessa importante responsabilidade.
Roberta Danelon Leonhardt na entrevista ao Observatório Eco também destaca a importância do consumidor nessa cadeia de gestão dos resíduos e os aspectos culturais e educacionais de nossa sociedade que revelam “a falta de consciência e interesse sobre o que é feito com aquilo que não nos serve mais”.
Observatório Eco: A iniciativa privada já tem mostrado campanhas publicitárias sobre suas embalagens retornáveis, por exemplo, isso mostra que a lei de resíduos sólidos já está amadurecida no âmbito industrial?
Roberta Danelon Leonhardt: Os diversos setores industriais já estão conscientes, em maior ou menor grau, de que terão de adotar as mudanças impostas pela nova PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos).
Atualmente, um grande número de reuniões e discussões têm ocorrido entre as associações e organizações da esfera privada, por meio de debates e audiências públicas, com o intuito de formatar um modelo de acordo setorial e implementar programas de gestão de resíduos, tal como o sistema de logística reversa.
É importante destacar que existem inúmeros desafios a serem enfrentados para a efetiva implantação e cumprimento da nova lei, tal como a educação dos consumidores quanto à possibilidade de reciclagem dos produtos, o aumento da capacidade das cooperativas para absorção do material descartado, a redução de carga tributária, a definição do preço e do valor agregado das matérias primas e dos produtos reciclados, e a integração entre municípios e cooperativas.
Ademais, é de extrema relevância observar que, tanto os acordos setoriais eventualmente firmados, quanto os editais publicados pelo Poder Público devem passar pela análise do Comitê Orientador para Implementação de Sistemas de Logística Reversa. Referido órgão foi definido pelo decreto regulamentador (Decreto Federal nº 7.404/2010) da Lei Federal nº 12.305/2010 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos) como competente para aprovar os estudos de viabilidade técnica e econômica da implantação da logística reversa, dentre outras finalidades.
Dessa forma, apesar de haver consciência quanto às obrigações impostas pela nova lei – o que representa uma grande evolução em termos ambientais –, o processo operacional de implementação da norma ainda está em fase de discussão e amadurecimento quanto aos modelos a serem adotados.
Observatório Eco: O poder público municipal, por outro lado, já perdeu um bom tempo para implementar essa legislação. De que forma você avalia esse déficit?
Roberta Danelon Leonhardt: O processo de elaboração das leis – trâmite legislativo – é composto de várias etapas, conforme determinado pela Constituição Federal Brasileira. É indispensável que ocorram, por exemplo, a discussão, a votação, a aprovação, a sanção, a promulgação e a publicação da norma.
Nesse sentido, uma vez que o processo de promulgação e elaboração de uma lei já pode ser considerado longo por sua natureza, é possível que o déficit do poder público municipal esteja relacionado à falta de recursos humanos (pessoal técnico), bem como à falta de capacitação para implantação e fiscalização que garantam o seu o efetivo cumprimento.
Vale lembrar que, sem dúvida, tratar de resíduos sólidos é tocar em dois dos principais problemas globais: saúde e preservação do meio ambiente. Os resíduos sólidos são, via de regra, indevidamente dispostos e compõem a carga poluidora que afeta praticamente todos os recursos ambientais, tais como água, ar, solo e florestas.
Dessa forma, caracteriza-se como um problema de difícil solução, em função da variedade de impactos negativos ambientais, sócio-culturais, econômicos, legais e de saúde pública decorrentes de sua destinação e disposição final. Esses impactos, associados a um aumento significativo da taxa de geração de resíduos, elevam a necessidade de controle da produção e disposição de resíduos, visando garantir a qualidade do meio ambiente.
Observatório Eco: A coleta seletiva é um dos pilares dessa política de resíduos sólidos, hoje, contudo, parece ser um objetivo inatingível.
Roberta Danelon Leonhardt: O processo de implantação da coleta seletiva no Brasil ainda é incipiente. São poucos os Municípios que já implantaram esse tipo de sistema. Contudo, é preciso destacar que não se trata de um processo simples.
A coleta seletiva demanda diversos passos, tais como: conscientização da população sobre a devida necessidade de solucionar o grave problema; sinalização e disponibilização de coletores específicos para cada tipo de material em lugar comum a todos e de fácil acesso; e, um sistema pré-determinado para o recolhimento dos materiais selecionados e que deverão ser encaminhados para as usinas de reciclagens.
No que diz respeito à PNRS, é possível afirmar que demos um grande passo para alcançar tal objetivo por meio da implantação da responsabilidade compartilhada. Esse conceito de responsabilidade toca cada elo do ciclo de vida do produto, desde a concepção, até a sua destinação final.
Assim, todos os que participam dessa cadeia – produtor, consumidor e poder público – possuem obrigações individualizadas, mas compartilham a responsabilidade comum pela destinação final adequada dos resíduos. Por meio de tal responsabilidade, o legislador destacou os deveres do consumidor, fixando penalidades para aqueles que descumprirem as obrigações previstas nos sistemas de logística reversa e coleta seletiva. As penalidades para a disposição inadequada de resíduos sólidos, líquidos e gasosos, podem chegar a R$ 50 milhões, além da possibilidade de embargo da atividade ou da obra.
É importante destacar que, quando comparado a alguns países desenvolvidos, o Brasil apresenta elevados índices de reciclagem. O pensamento não deve ser de que a coleta seletiva é um objetivo inatingível, mas sim de que o país desenvolveu métodos próprios para incrementar essa atividade e, principalmente, criou maior engajamento da população em contribuir, quando envolveu o consumidor final no processo de disposição adequada dos resíduos sólidos por meio da responsabilidade compartilhada e da logística reversa.
Observatório Eco: O governo federal aguarda a redação dos planos municipais de gerenciamento dos resíduos. Os municípios que não possuem condições para elaborarem o plano e colocarem em prática suas obrigações, o que devem fazer?
Roberta Danelon Leonhardt: No que diz respeito à redação dos planos municipais, todas as cidades brasileiras têm até agosto de 2012 para apresentar seus planos municipais de gestão integrada no que diz respeito à PNRS ao Ministério das Cidades, como determina a Lei Federal nº 12.305/2010.
Nesse sentido, é importante destacar que o Ministério do Meio Ambiente lançou edital de Chamada Pública nº 001/2011, o qual tem por objeto o apoio a Estados, Distrito Federal, Consórcios Públicos e Municípios para a elaboração dos planos de resíduos sólidos, de acordo com a nova lei e seu decreto regulamentador.
Portanto, para elaboração do plano municipal de gestão integrada por aqueles municípios que não possuem condições para tanto, deve-se buscar ter acesso aos recursos do Governo Federal disponibilizados para tal finalidade.
Observatório Eco: A responsabilidade compartilhada pode ser compreendida de que forma dentro dessa legislação e quais os aspectos que podem suscitar problemas no futuro próximo quando não for dado o tratamento adequado aos resíduos sólidos?
Roberta Danelon Leonhardt: A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos deve ser compreendida como um conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.
Além das atribuições individuais, não se pode esquecer que a responsabilidade compartilhada está também relacionada ao fato de que todos os elos dessa cadeia compartilham a responsabilidade comum pela destinação final adequada dos resíduos.
Em relação à responsabilidade compartilhada, é importante observar que não foi estabelecida sua correlação com a responsabilidade solidária por dano ambiental no âmbito da PNRS. Tal fragilidade pode trazer interpretações diversas quanto ao assunto no futuro próximo quando não for dado o tratamento adequado aos resíduos sólidos.
Os resíduos sólidos representam um dos grandes desafios de nosso tempo, haja vista a sua complexa origem e variáveis envolvidas, tais como a maior concentração de pessoas em espaços urbanos, a cultura do consumismo, o aumento da demanda por produtos de curta vida útil e, consequentemente, o incremento do volume de resíduos gerados.
Além desses aspectos, fatores culturais e educacionais que denotam a falta de consciência e interesse sobre o que é feito com aquilo que não nos serve mais, colocam-nos no nosso atual estágio de desenvolvimento no trato dessa questão.