Política municipal de arborização em São Paulo está ultrapassada

em 21 November, 2011


O ambientalista e biólogo Ricardo Henrique Cardim em entrevista exclusiva ao Observatório Eco defende que a legislação municipal de São Paulo deveria considerar a arborização e vegetação da cidade como algo “imprescindível”, dar ao tema o mesmo tratamento e importância dispensados aos serviços básicos, como água, energia, esgoto e telefone.

Para o ambientalista, ainda prevalece na legislação o conceito de que a árvore é apenas um enfeite no ambiente, desconhecendo-se o importante serviço ambiental que ela presta para a cidade. Cardim defende que a “árvore deve ser plantada em uma calçada, quer o cidadão queira ou não”.

Ricardo Cardim além de possuir o blog “As árvores de São Paulo” também apresenta o programa “Natureza Urbana” na Rádio Eldorado/ESPN, as terças e quintas-feiras, onde fala sobre as árvores centenárias da cidade, espaços verdes públicos e dá dicas para cuidar da natureza em casa.

Recentemente, defendeu a preservação de uma área verde na USP (Universidade de São Paulo), um remanescente importante de cerrado que estava sendo destruído no local por uma obra. Seu inconformismo garantiu a paralisação das obras e a promessa da reitoria da universidade de que será criado no local um museu vivo para garantir a conservação desse patrimônio botânico da cidade.

Outro aspecto que preocupada  Cardim é a aplicação da lei municipal 15.470/2011, que altera o procedimento de poda de árvores na cidade. Para o especialista, o sistema que visa agilizar os pedidos de podas pode comprometer a saúde delas, criando uma demanda desnecessária pelo serviço. Ele lembra que muitas árvores morrem em São Paulo justamente pela poda inadequada. Veja a entrevista que Ricardo Cardim concede ao Observatório Eco com exclusividade.

Observatório Eco: De que forma você avalia a relação da cidade de São Paulo com as suas árvores?

Ricardo Cardim: O que percebo é que a legislação deveria colocar a arborização e a vegetação da cidade como algo imprescindível, assim como são os serviços básicos de água, energia, esgoto e telefone.

Infelizmente, se tem muito ainda a visão de que no que se refere ao plantio é que a árvore é um enfeite uma opção para o morador. Quando na verdade a árvore é fundamental para a qualidade de vida e saúde pública, é um direito coletivo. A árvore deve ser plantada em uma calçada quer o cidadão queira ou não.

Ainda prevalece aquela imagem: Ah, com licença será que posso plantar uma árvore em sua calçada? Você não quer porque faz sujeira? Como se folha fosse sujeira. Ou então a árvore é plantada e o proprietário a acaba depredando.  

Precisamos ter uma legislação rigorosa não no sentido do cidadão que já é esclarecido de que o meio ambiente é importante, mas no sentido de pegar aquele cidadão que só pensa no seu próprio umbigo e não quer que se plante árvore na frente de sua casa, por causa de uma folha que cai, ou de ter mais trabalho, mas que para o seu carro embaixo da copa da árvore do vizinho.

Observatório Eco: Todo mundo quer estacionar o carro próximo da árvore e usufruir da sombrinha dela.

Ricardo Cardim: Exatamente, o que acontece é que essa visão distorcida acaba prejudicando a arborização da cidade. A cidade de São Paulo precisa muito mais de árvores em calçadas do que em parques, alças de acesso, canteiros, precisamos delas onde as pessoas estão.

Observatório Eco: A prefeitura tem uma política de arborização que é de difícil aceitação pela população?

Ricardo Cardim: A política de arborização da cidade ainda é muito tímida, ela ainda considera um pensamento do século passado.

Observatório Eco: Ou seja, tanto a política de arborização quanto as pessoas precisam evoluir no tema?

Ricardo Cardim: Isso, só que não podemos esperar que as pessoas evoluam, esse é um processo muito mais lento. É a mesma coisa que você esperar que as pessoas parem de beber e deixem de dirigir bêbadas.

Precisamos de uma lei rígida, como está sendo feito agora nesse caso da bebida, para que as pessoas entendam de uma vez por todas, por bem ou por mal, que elas precisam parar com essa cultura. Vejo na arborização o mesmo aspecto, ela é  encarada de forma muito tímida numa metrópole como São Paulo.

Observatório Eco: Outro aspecto polêmico na cidade é a questão de poda das árvores, qual sua avaliação dessa questão?

Ricardo Cardim: Qual a principal razão de poda na cidade de São Paulo hoje? A principal razão são os fios elétricos. A fiação área. Isso já está errado. Pois uma cidade rica como São Paulo que tem eletrificação há mais de 120 anos, já deveria estar com os seus fios enterrados, como são as grandes capitais de primeiro mundo.

Assim, partindo desse pressuposto já se percebe que grande parte dessas podas é desnecessária e só faz mal para a planta e para a cidade também. Porque quando você poda uma árvore você tira área verde da cidade, ou seja, isso significa menos serviço ambiental e saúde. Quanto maior a biomassa, mais serviços ambientais.

Além do que, pela forma como as podas são feitas, elas servem de entrada para doenças e problemas que acabam vitimando essa árvore. Muitas árvores caem em São Paulo, por causa de podas.

Observatório Eco: A poda mal feita prejudica ainda mais.

Ricardo Cardim: Exatamente, vamos supor Paris que é uma cidade desenvolvida, lá a poda é feita em galhos pequenos, é a chamada poda de condução, em galhos pequenos a poda não faz mal para a árvore, porque ela consegue cicatrizar o machucado. Aqui eles deixam que o galho cresça bastante e depois vão lá e mutilam a planta.

E agora fizeram uma legislação para acelerar o processo de poda, que em São Paulo é considerado demorado, eles liberaram que empresas privadas possam fazer laudos técnicos autorizando e pedindo o serviço. Isso pode criar uma verdadeira indústria da poda, eles vão gerar serviços para eles mesmos. Isso é errado.

Observatório Eco: Você é contra a essa iniciativa.

Ricardo Cardim: Sou contrário, porque se eu levar você em qualquer rua de São Paulo, vou achar árvores mutiladas e podres em razão de poda. E quando a árvore cai é culpa dela e não de quem fez a poda errada.

Observatório Eco: Outro aspecto preocupante na cidade é a falta de áreas verdes e a existência de ilhas de calor. Agora para combater essa situação estão surgindo projetos de lei defendendo a adoção de telhados verdes. Qual a sua opinião sobre essas iniciativas legislativas?

Ricardo Cardim: Hoje vejo o telhado verde como uma solução fundamental para São Paulo. A cidade tem quase toda sua área construída. Não sobrou espaço na cidade para a vegetação necessária para tornar o espaço habitável com qualidade de vida.

Por mais que a gente consiga arborizar a cidade com excelência, mesmo assim vamos morar em um ambiente desértico. Precisamos com urgência colocar os telhados verdes, trazer coberturas verdes para os edifícios. E não adianta pintar de branco, como tem uma campanha por aí, isso é insustentável, pois você vai apenas diminuir a temperatura, com um material tóxico que é a tinta, por apenas um ou dois anos, até que aquilo fique sujo e comece a descascar.

Quando você usa a vegetação, traz uma série de serviços ambientais, e não somente o impacto na temperatura, tem a questão da umidade do ar, a biodiversidade nativa, o equilíbrio ecológico da cidade.

Hoje afirmo com certeza que o telhado verde tem que ser uma obrigação na cidade de São Paulo, principalmente em obras grandes, que possuem volume financeiro e que causam maior impacto.

Observatório Eco: Em São Paulo temos algumas iniciativas de compensação de carbono pela realização de um grande evento, ou seja, plantar mudas de árvores para compensar essas emissões. Mas até que ponto isso realmente é produtivo para a própria cidade? Muitos projetos de lei tratam dessa matéria inclusive. Qual a sua opinião?

Ricardo Cardim: Acho que a maioria dos projetos de carbono neutro é maquiagem verde. Não são efetivos realmente, não há um plantio cuidadoso com espécies adequadas e que seja acompanhado até que essas plantas cresçam. É muita coisa de cortar fita.

A compensação de emissões de carbono na cidade é legal, mas precisa ser feita de forma rigorosa, tecnicamente adequada, e buscando sempre resgatar a biodiversidade nativa, o que não é feito.

Observatório Eco: Qual a sua opinião sobre o projeto de mudança do Código Florestal em votação no Senado Federal?

Ricardo Cardim: Sinceramente, acho surreal nesse momento tão importante da questão ecológica mundial, que estejamos discutindo algo que deveria ter sido debatido no século XIX. Isso já mostra como o governo está desconectado das questões nacionais e internacionais.

É muito preocupante, numa época em que quase nada sobrou da nossa riquíssima biodiversidade nativa, principalmente no sul, sudeste, centro oeste, pois hoje tudo está fragmentado, os rios prejudicados.  

Deveríamos estar discutindo como tornar sustentável a nossa agricultura, que é de ponta e algo maravilhoso que o Brasil tem, e não como torná-la insustentável e atrasada, que é o que essa minoria está conseguindo articular no Congresso.

Observatório Eco: Mas é uma minoria extremamente forte.

Ricardo Cardim: Exatamente, uma minoria poderosa que está articulando um lobby em função de interesses que não são dos brasileiros. Sempre contrapondo a produção agrícola que é uma atividade nobre e importante à preservação ecológica. Quando hoje se sabe que é perfeitamente viável coexistir os dois.

Observatório Eco: Conte um pouco desse projeto do Museu Vivo na USP (Universidade de São Paulo) no qual você está envolvido. 

Ricardo Cardim: Vou falar sobre algo que abrange o trabalho do Observatório Eco que é a legislação. O que justamente levou a descoberta deste trecho de cerrado na Universidade de São Paulo por mim foi o fato de que a legislação não prevê a compensação ambiental de outras formas de vidas que não árvores.

Assim, temos um grande problema, uma vegetação de cerrado, por exemplo, é riquíssima em espécies de vida tanto animal, como vegetal, mas tem poucas árvores. A riqueza do cerrado é em forma de vidas menores, como arbustos, grama, gramíneas, erva que possuem tanta importância quanto a Mata Atlântica.

Só que esse aspecto não é muito observado na legislação, então quando cheguei ao local dessa obra, uma grande parte desse cerrado ancestral, raríssimo na cidade de São Paulo já tinha sido destruído por escavadeiras com autorização.

Fiquei indignado com isso, fui procurar a reitoria da USP e a mídia, justamente para tentar salvar o que sobrou.

Observatório Eco: E sobrou muito?

Ricardo Cardim: Avalio que mais da metade do local foi destruída, em torno de 60%. Vai saber o que foi embora, poderia ter ainda espécies que nem mais imaginávamos que existiam em São Paulo.  Bem, extinção é realmente para sempre.

Observatório Eco: E quando será inaugurado esse Museu Vivo?

Ricardo Cardim: A reitoria disse que será inaugurado dia 7 de dezembro, vamos esperar. Houve a promessa de que a área remanescente será cercada, terá um manejo adequado e que será preservada, monitorada, cuidada. Estou atento. 

Observatório Eco: Inclusive, existe um projeto no Jardim Botânico do Rio de Janeiro que está buscando nos museus europeus exemplares da nossa flora, e trazendo imagens digitalizadas desse patrimônio botânico. Qual sua opinião sobre esse resgate, ainda que virtual de nossa biodiversidade?

Ricardo Cardim: É um trabalho maravilhoso. Porque só preservamos aquilo que conhecemos. No caso da USP, justamente o desconhecimento de que existe em São Paulo vegetação de cerrado, que chegou a nomear a cidade [o nome da antiga vila que dá origem à cidade, São Paulo dos Campos de Piratininga, é uma referência a esse tipo de vegetação - campo é outro nome pelo qual o cerrado é conhecido].

O desconhecimento disso levou à falta de uma legislação sobre o assunto, que resultou na destruição. É um exemplo de como o desconhecimento tem graves consequências.   

E já que o Observatório Eco é dirigido para juízes, promotores, advogados, é muito importante que esse conhecimento chegue até esses profissionais que têm o poder de decisão. De mudarem as coisas, e impedirem que tragédias como essa que aconteceu na USP.  

Para conhecer o site Arvorés de São Paulo, acesse aqui. 




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