Mudanças no Código Florestal afetarão a avifauna brasileira

em 7 September, 2011


Artigo de Marina Telles.

Entre as mudanças propostas para o Código Florestal Brasileiro está a redução das áreas de preservação permanente e das reservas legais. Essas alterações, em síntese, resultarão em perda de áreas verdes, perda de heterogeneidade ambiental e de conectividade entre os fragmentos florestais. Diante disso, espera-se que haja uma considerável perda de espécies. Neste artigo, chamamos a atenção para o problema da degradação ambiental e suas consequências para a avifauna.

Nosso país ocupa a terceira posição no ranking mundial de riqueza de aves (fica atrás apenas da Colômbia e do Peru). Possuímos mais de 1.800 espécies, fora as que ainda não conhecemos – nos últimos 10 anos, 12 novas espécies foram descritas, algumas em regiões já bastante estudadas. Somos, portanto, responsáveis por uma enorme quantidade de espécies, mais de 230 delas exclusivas de nosso território. Mas, ao mesmo tempo, lideramos o ranking dos países com o maior número de espécies de aves ameaçadas.

As aves constituem um grupo bastante popular. Além de chamarem nossa atenção com sua beleza e com seus cantos, estão presentes em quase todos os locais da Terra. Estando numa praia, numa mata, de férias, ou mesmo no centro de sua cidade, trabalhando, você verá/ouvirá aves ao seu redor. Então alguém pode se perguntar: “mas se estamos perdendo espécies, porque as aves estão por aí, em tudo quanto é lugar?”. E essa é uma das questões mais centrais quando tratamos das consequências do novo Código Florestal para a avifauna brasileira. Cada espécie precisa de um conjunto único de características do ambiente (como alimento, luminosidade, vegetação, clima…). Há, por exemplo, espécies que se alimentam exclusivamente de frutos; outras, que se alimentam exclusivamente de insetos, ou de néctar. Há aves que só ocorrem próximas a corpos d’água, em matas ciliares; outras, que só ocorrem em ambientes de vegetação fechada, como grande parte das aves amazônicas. Ou seja, as necessidades de cada grupo são muito específicas e, sem essas características, a sobrevivência é comprometida.

Quando uma área é desmatada ou fragmentada, alteramos o habitat das espécies. Para aquelas mais sensíveis, esse processo leva à extinção local. Sabemos, por exemplo, que fragmentos florestais têm, em geral, poucas espécies de aves frugívoras, que precisam de uma grande variedade de espécies de plantas frutíferas para sua alimentação e, portanto, de grandes áreas de vida. A avifauna de áreas alteradas e/ou fragmentadas é conhecidamente restrita. Não apenas porque essas áreas são menores que as originais, mas principalmente porque não têm as características necessárias à manutenção de várias das espécies. Fragmentos tendem a ser menos úmidos, ter mais predadores de ninhos, mais vento, menor qualidade em alimento, mais espécies exóticas. Além disso, geralmente não apresentam comunicação com outras áreas de mata. São inúmeras as espécies de aves sensíveis a essas mudanças e é comum trabalhos de monitoramento dessas áreas indicarem o desaparecimento de espécies mais sensíveis e a expansão de algumas menos sensíveis. E, como veremos, essas mudanças têm grandes e graves consequências.

A biologia da conservação defende há décadas a conexão entre os fragmentos. Esses corredores ecológicos são fundamentais porque permitem a passagem de muitos organismos, tornando possível a permanência das populações, inclusive as com grandes áreas de vida, e o fluxo gênico, fundamental para a sobrevivência das espécies. Sabemos hoje que algumas das espécies mais sensíveis de aves conseguem sobreviver em fragmentos quando estes são conectados a outros. Além disso, os corredores permitem que cidades e áreas agrícolas, por exemplo, possam coexistir numa mesma paisagem, algo fundamental quando os focos de nosso país são o desenvolvimento e o crescimento econômico. Infelizmente as mudanças propostas para o novo Código Florestal Brasileiro desconsideram todas essas importantes questões.

No que se refere às espécies de aves menos sensíveis, a fragmentação e a expansão das cidades e da fronteira agrícola podem até favorecê-las. Aves que vemos nas cidades são, em geral, aves que têm menos exigências quanto à qualidade do ambiente. São animais que usualmente vemos se alimentando de migalhas do chão, construindo seus ninhos no forro de nossas casas, dormindo em árvores no meio da cidade, bebendo água com açúcar em nossos quintais. Bem-te-vis, algumas espécies de sabiás e de beija-flores são exemplos de animais bastante comuns nas cidades (sem falar dos pombos domésticos e pardais, que são aves não nativas do Brasil). As alterações às áreas naturais têm causado, portanto, uma uniformização da avifauna, ou seja, uma tendência à extinção de certas espécies e expansão de outras. Isto significa dizer que, apesar de as aves estarem presentes em quase todos os cantos imagináveis, estamos assistindo a uma silenciosa mudança na composição da avifauna. Espécies que voam apenas por curtas distâncias, que não toleram locais com muita luminosidade e que precisam de grandes áreas de vida são cada vez mais raras em nossas matas, ao passo que as espécies exóticas (não nativas), por exemplo, que se beneficiam da expansão da fronteira agropecuária e das cidades, do desmatamento e da fragmentação, estão ficando cada vez mais comuns.

Nosso problema central é, portanto, um problema qualitativo, e não tanto quantitativo, já que estamos assistindo à substituição das espécies. E quais as implicações dessa substituição? Além de perdermos em beleza, pois várias dessas espécies mais sensíveis são incrivelmente belas, vamos pensar no papel que as aves desempenham nos ecossistemas. Aves são fundamentais na polinização de certas flores e no controle de populações de insetos e outros animais, por deles se alimentarem. Além disso, são dispersoras de sementes. Esse processo consiste na ingestão de frutos e defecação e/ou regurgitação das sementes em locais distantes da planta-mãe. Trata-se, portanto, de uma troca, em que as aves obtêm alimento e assim favorecem a reprodução de grande parte dos vegetais. As aves estão entre os mais importantes dispersores de sementes nos ambientes tropicais. São, portanto, fundamentais à manutenção das áreas verdes ao longo do tempo. Áreas de mata são ambientes que se encontram em equilíbrio dinâmico. Constantemente plantas morrem e novos indivíduos rebrotam a partir de sementes que estavam no solo. Esse banco de sementes do solo tem relação direta com a dispersão: as aves ajudaram a formá-lo!

Existe uma variedade incrível de plantas cujos frutos são consumidos por aves. As espécies vegetais diferem quanto ao tamanho e cor dos frutos, quanto ao tamanho e quantidade de sementes. E, assim, nem todas as espécies de plantas são dispersas por todas as aves de uma dada região. Geralmente, plantas de sementes grandes são dispersas apenas por aves de grande porte, como tucanos e jacus. Frutos pequenos, ricos em água, e com poucos nutrientes, em contrapartida, são geralmente dispersos por aves de pequeno porte, como os sanhaços. Portanto, heterogeneidade mantém heterogeneidade, ou seja: as áreas de mata mantêm uma grande variedade de espécies de aves e a avifauna mantém uma grande variedade de espécies vegetais. E este equilíbrio é válido também quando consideramos o controle dos insetos e a polinização das flores, ou seja, quanto maior a diversidade de aves, melhor o funcionamento desses processos.

Espécies de aves que ocorrem em áreas alteradas como cidades, áreas agrícolas e pequenos e isolados fragmentos são, sem dúvida, importantes. No entanto, a manutenção de uma grande diversidade de espécies é crítica quando pensamos na integridade ambiental em longo prazo. Uma vez que o Código Florestal Brasileiro desconsidera essa questão, cabe a nós perguntarmos: a quem, afinal, as mudanças propostas favorecem?

Marina Telles, bióloga, mestre em Ecologia e Recursos Naturais pelo PPG – ERN / UFSCar e doutoranda pelo mesmo programa. Extraído do portal UFSCar/clickciência.

(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)




1 Comentário

  1. Angela Mª Moretto dos Santos, 13 anos atrás

    Com que direito se exclui as espécies de fauna e flora do meio ambiente? Como é isso????
    Devo dizer que temos o dever de respeitar toda forma de vida.
    Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.


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