Atuação ambiental da Procuradoria em São Paulo
Roseli Ribeiro em 24 July, 2011
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A Procuradoria Geral do Estado tem grande atuação nas questões relacionadas à defesa do meio ambiente em São Paulo, tanto no âmbito preventivo ou contencioso. Temas relacionados à implantação do Rodoanel, as obras da Marginal Tietê, ou mesmo a polêmica que envolve a criação do Parque Estadual da Serra do Mar são exemplos emblemáticos esta atuação. Além disso, outros casos relevantes como a queima da palha de cana-de-açúcar, plantações de laranjas infectadas com pragas, licenciamento ambiental, cobrança de multas aplicadas pela CETESB, elaboração de leis ambientais também fazem parte do rol de assuntos analisados pelos procuradores do Estado.
Para saber mais sobre o tema o Observatório Eco entrevista a procuradora do Estado e presidente da Apesp (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo), Márcia Semer, que ingressou na carreira em 1990.
Ela explica que no aspecto ambiental, “antes até existiu uma situação de enfrentamento com o Ministério Público, hoje existe mais uma relação de parceria”, destaca. Até porque a função constitucional do procurador do Estado é fazer a defesa do patrimônio público nas suas diferentes vertentes. “E o patrimônio ambiental do Estado também é patrimônio público, e deve ser defendido”, enfatiza. Desde 2000 há previsão legal de que seja criada uma Procuradoria específica para os assuntos relacionados ao meio ambiente, contudo essa estrutura ainda não foi implantada. Assim, a defesa desses interesses é feita pela Procuradoria do Patrimônio Imobiliário.
Formada em Direito pela USP (Universidade de São Paulo), em sua gestão como presidente da Associação no biênio 2010/2012 Márcia Semer busca a revalorização da carreira em vários aspectos.
Sua bandeira é de independência e autonomia da instituição que está vinculada ao Executivo. Segundo ela, do ponto de vista legal, a Procuradoria é subordinada ao governador. “Não obstante, tenhamos em nossas atribuições a de fiscalizar o governo. É nossa função fiscalizar se o governador atua dentro da legalidade ou não atua”. E completa, “para isso, entendemos que seja importante que a advocacia pública do ponto de vista institucional tenha autonomia financeira e administrativa”. Veja a entrevista que Márcia Semer concede ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: Qual é a atuação da Procuradoria do Estado no segmento ambiental em São Paulo?
Márcia Semer: A atividade da Procuradoria constitucionalmente é fazer a defesa do Estado em juízo e fora dele. A Procuradoria para desempenhar esse trabalho tem uma série de setores internos. Com relação ao Meio Ambiente, existe em nossa legislação uma previsão de criação de uma Procuradoria específica do Meio Ambiente, mas isso ainda não foi instalado.
Observatório Eco: Desde quando existe essa previsão?
Márcia Semer: Desde 2000 existe no âmbito da lei orgânica da Procuradoria a previsão de criação de uma Procuradoria especificamente ambiental, mas esse órgão ainda não foi instalado, o que não significa que a Procuradoria não exerça essas atribuições.
Temos uma consultoria jurídica que atua junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e na capital e no interior os setores de defesa do Patrimônio Imobiliário do Estado que cuidam das ações ambientais, relativas às áreas de preservação ambiental do Estado.
Assim, todas as ações judiciais para a defesa e preservação dos mananciais, parques, áreas protegidas legalmente do ponto de vista ambiental, quem faz a defesa do Estado e a preservação legal desses setores é a Procuradoria.
Além do que, temos um setor que se chama Assessoria Técnica Legislativa, que é um órgão composto por procuradores do Estado que faz a assessoria jurídica do governador. Dessa forma, todas as leis, inclusive de conteúdo ambiental, que são encaminhadas à Assembleia Legislativa, os decretos que o governador tem que editar, todos os projetos passam pela análise técnico-legislativa dos colegas que estão nessa Assessoria. É deles a redação final dessa legislação, inclusive ambiental.
Observatório Eco: Como se dá atuação judicial em defesa do meio ambiente?
Márcia Semer: Nas ações civis públicas, assumimos os dois polos. Podemos responder e propor ações. Eventualmente defender o Estado ou também concordar com a medida proposta pelo Ministério Público. Antes até existiu uma situação de enfrentamento com o Ministério Público, hoje existe mais uma relação de parceria. Porque a nossa função é a defesa do patrimônio público, a função constitucional do procurador do estado é fazer a defesa do patrimônio público nas suas diferentes vertentes. E o patrimônio ambiental do Estado também é patrimônio público, e deve ser defendido.
Também ingressamos com ações civis públicas para defender esse patrimônio ambiental. No passado, tivemos muitas ações judiciais e ainda algumas estão tramitando, em razão da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, no governo de Franco Montoro. Embora o Código Florestal imponha uma série de restrições o advento do parque acabou gerando muitas ações judiciais de proprietários de terras que ingressaram com pedidos de indenização alegando que não podiam mais explorar o local economicamente.
Isso gerou uma série de processos com pedidos de indenizações milionárias contra o Estado, no qual a Procuradoria atuou e continua atuando, inclusive com bastante sucesso para reduzir o custo dessas ações. O Estado de São Paulo indenizou muitas pessoas, mas essas indenizações adquiriram valores bilionários, valores irreais, além do estimado, ou seja, fora do adequado.
A Procuradoria atuou firmemente nessas ações para defender o patrimônio público no sentido de manter essas áreas como de preservação e impedir um rombo gigantesco nos cofres públicos.
Observatório Eco: A Procuradoria realiza congressos, seminários para debater essas questões ambientais?
Márcia Semer: Temos uma coordenadoria de matéria ambiental que reúne todos os colegas que atuam nesse segmento, área contenciosa principalmente. Essa coordenadoria é bastante atuante em suas reuniões e se preocupa em levar os procuradores para conhecerem essas áreas de preservação ambiental. Eles já foram para a Juréia, a Caverna do Diabo.
Outra preocupação também da Procuradoria é o corte e queima da palha de cana-de-açúcar, a Procuradoria também ajuizou ações para preservar o meio ambiente, e os trabalhadores da poluição gerada.
Também ajuizamos uma ação relacionada à existência do chumbo no diesel, para o cumprimento pela Petrobras da redução do teor do chumbo no óleo diesel.
Observatório Eco: A Procuradoria tem uma proximidade com a CETESB, que é o órgão ambiental do Estado?
Márcia Semer: O grupo que faz a coordenação da área ambiental já realizou diversos encontros entre os procuradores e os técnicos da CETESB, para os procuradores conhecerem a interface técnica, porque do ponto de vista jurídico, eles já dominam o assunto, mas o aspecto técnico também é muito importante. Essa interação acontece não só com os órgãos técnicos, como também, o Ministério Público, magistrados.
Observatório Eco: A Procuradoria do Estado também é responsável pela cobrança das multas ambientais aplicadas pela CETESB e outros órgãos?
Márcia Semer: Sim, a Procuradoria tem a função de cobrar o pagamento dessas multas ambientais, que é um tramite comum. Ou seja, essas multas entram no procedimento normal.
Além disso, a Procuradoria tem também a função de fazer a defesa da legalidade das autuações aplicadas. Lembro que uma das ações em que atuei era de uma mineradora de areia na região de Mogi das Cruzes. E a mineração da forma como estava sendo feita provocava a erosão do solo destruindo a região. A Secretaria do Meio Ambiente aplicou a multa e o proprietário da mineradora recorreu. E defendemos que o método exploratório da areia não era adequado.
Observatório Eco: O governo de São Paulo tem uma forte atuação na área ambiental e isso exige cada vez mais da Procuradoria em termos de demanda.
Márcia Semer: Há a questão da remoção de um contingente de pessoas da Serra do Mar, tem um plano do governo para recuperar aquela área. Todas essas questões do ponto de vista jurídico acabam passando pela Procuradoria.
Além disso, a Procuradoria atua na questão dos licenciamentos ambientais para a construção de presídios e das unidades da Fundação Casa no interior, existe a atuação preventiva no sentido de orientar a administração em buscar também o licenciamento ambiental. Atender todos os requisitos ambientais.
Há o combate a doenças que atingem as plantações de laranja, o Estado tem buscado ordem judicial para queimar as plantações infectadas para evitar a propagação de pragas.
É importante lembrar que a Procuradoria do Estado tem competência para ajuizar ações civis públicas exigindo o cumprimento das normas ambientais, por exemplo, é função nossa também exigir esse cumprimento e não só do Ministério Público.
Observatório Eco: Saindo um pouco do âmbito da Procuradoria e conhecendo mais a atuação da Apesp (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo), qual a agenda ambiental de vocês?
Márcia Semer: Temos preocupações como cidadãos. Usamos papel reciclado, por exemplo. E iniciamos um programa na TV Justiça – Argumento – que presta o serviço de informar o que faz a advocacia pública, e dentro deste cronograma que são 36 programas inéditos vamos abordar as questões ambientais, que interessam ao Estado de São Paulo e eventualmente outros setores da advocacia pública como por exemplo, a AGU (Advocacia Geral da União), que também atua na área ambiental fazendo a defesa dos interesses da União. Assim, teremos programas relativos à atuação do advogado público em defesa do meio ambiente.
A Consultoria tanto do Transporte, quanto do Meio Ambiente fizeram o estudo do Rodoanel, que tem todo um impacto ambiental. Esse estudo também passou pela Procuradoria de alguma maneira. Pois é a Procuradoria quem analisa a legalidade dos editais de licitação de todos os negócios feitos pelo Estado. A obra da Marginal Tietê, onde houve também compensações ambientais.
O advogado público tem que estar em contato com todas essas matérias para poder elaborar um plano de governo dentro dos parâmetros da legalidade. E um dos parâmetros de legalidade para construção de qualquer obra e principalmente as de magnitude é o parâmetro ambiental.
Observatório Eco: E quais são as ações da Apesp?
Márcia Semer: Atuamos em todas as frentes possíveis, não só internamente, mas buscamos um diálogo com a Assembleia Legislativa e o Congresso Nacional. Há na Constituição Federal um capítulo que declara que são três as carreiras públicas consideradas funções essenciais à Justiça, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública, que é composta pela AGU (Advocacia Geral da União) e as Procuradorias Gerais dos Estados.
Tanto o Ministério Público quanto a Defensoria Pública, do ponto de vista institucional têm garantias e uma estrutura muito mais consolidada que a da advocacia pública.
Por exemplo, o Ministério Público e a Defensoria têm autonomia financeira e administrativa. O que significa que eles não dependem do governador do Estado, por exemplo, para encaminharem um projeto de lei para a Assembleia Legislativa.
Enquanto nós somos considerados Secretaria do Estado, dependemos do governador, estamos vinculados ao Executivo. Na Defensoria e no Ministério Público o chefe maior das instituições tem um mandato, ou seja, um período em que ele vai ocupar o cargo e é escolhido pelo governador entre membros da carreira eleitos pelos colegas, em uma lista tríplice.
No caso da Procuradoria, o Procurador-Geral do Estado é escolhido livremente pelo governador entre todos os membros da carreira, e não há um mandato. Ele pode ser demitido a qualquer momento.
E porque defendemos a autonomia da PGE e o mandato? Porque nós somos advogados com atribuições um pouco diferentes, além de fazer a defesa do Estado em juízo, em todas as ações ajuizadas contra o Estado, a nossa função é de controle da legalidade interna da administração.
Isto quer dizer que nosso papel é controlar, dizer o que é legal, ou ilegal e havendo ilegalidade tomar providências. Então, para que tenhamos liberdade de tomar as providências, de constatar a ilegalidade e tomarmos todas as providências necessárias, quanto mais independência tivermos em relação ao comando do Executivo, melhor, pelo menos um grau mínimo de independência temos que ter.
Observatório Eco: Da maneira como a senhora relata nessa estrutura parece existir uma subordinação.
Márcia Semer: Sim, do ponto de vista legal, somos subordinados ao governador. Não obstante, tenhamos em nossas atribuições a de fiscalizar o governo. É nossa função fiscalizar se o governador atua dentro da legalidade ou não atua. Para isso, entendemos que seja importante que a advocacia pública do ponto de vista institucional tenha autonomia financeira e administrativa e tenha em seu chefe maior um colega com mandato, que não seja demitido a qualquer momento e que seja eleito entre os colegas, para o governador escolher quem ele quiser, dentro da lista tríplice.
Afinal, se somos, assim como as duas outras carreiras, função essencial à Justiça, porque a nossa estrutura tem que ser menor? Deve existir uma paridade de estrutura entre as instituições. Elas devem ser tratadas de maneira igual, pois integram o mesmo capítulo constitucional. A advocacia do estado deve ser estruturada da mesma maneira.
Observatório Eco: Isso não acontece apenas no Estado de São Paulo?
Márcia Semer: Exatamente, isso ocorre em todos os Estados e inclusive com a AGU (Advocacia Geral da União), precisamos que aconteça um avanço institucional para que o advogado-geral da União seja escolhido entre os membros integrantes da carreira, porque o presidente não tem obrigação de escolher um membro da carreira para o cargo. Acreditamos que isso não seja institucionalmente saudável, dentro de uma República, estas instituições permanentes devem ter uma regra profissional para o cargo. Hoje todas essas carreiras são escolhidos dentro de concursos públicos concorridos, e não existe mais essa necessidade de que se escolha alguém de fora do quadro público da carreira para chefiar a instituição. Atuamos nesse sentido tanto na Assembleia, quanto no Congresso Nacional.
Outra bandeira nossa é com relação à estrutura, aqui em São Paulo estamos há 25 anos sem concurso público de ingresso de servidores na Procuradoria Geral do Estado, temos uma carência absoluta de servidores na carreira de apoio. Agora parece que um procedimento nesse sentido está começando.
Observatório Eco: Desde quando a senhora está na carreira?
Márcia Semer: Entrei em 1990, e reconhecemos que houve avanços na carreira, antes éramos vinculados à Secretaria da Justiça, nem éramos uma Secretaria de Estado, mas muito ainda tem que ser desenvolvido.
Guilherme José Purvin de Figueiredo, 13 anos atrás
Parabéns pela oportuna entrevista, que tanto contribui para a difusão de um modelo de advocacia pública ambiental efetivamente compromissada com os princípios constitucionais!
Fico feliz em saber que a Apesp está empenhada em fazer com que se dê cumprimento à lei que criou a Procuradoria de Defesa do Meio Ambiente.
Lembro ainda que a Apesp, tão brilhantemente presidida pela Dra. Márcia Semmer, foi uma das maior importantes parceiras na área ambiental, tendo sediado a histórica Jornada em Defesa do Código Florestal, ocorrida em 22-5-2000 em seu auditório do bairro de Moema. Este apoio foi decisivo na ocasião, tendo reunido, dentre outros grandes nomes do Direito Ambiental Brasileiro, os professores Paulo Affonso Leme Machado, Antonio Herman V. Benjamin, GIlberto Passos de Freitas, Flávio Dino, Ana CLáudia Bento Graf, Carlos Bocuhy e Ricardo Tripoli, dentre outros.