Responsabilidade pós-consumo na lei de resíduos sólidos
Roseli Ribeiro em 19 June, 2011
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A PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) que surgiu em agosto de 2010 ainda tem um longo caminho para ser efetivamente implantada. Além disso, sua criação inova em vários conceitos jurídicos, por exemplo, o da responsabilidade pós-consumo, que pode ser definido como a “obrigação de retirar do meio ambiente parte daquilo que é produzido no ciclo produtivo após o término da vida útil de um determinado produto”, no entendimento do advogado Diogo de Mello Ferreira, do escritório L. O. Baptista Advogados.
Para o especialista, a nova lei que exige o tratamento adequado do lixo depende da mudança do paradigma cultural das gerações atuais e investimento no plano educacional das próximas. “Vivemos em uma sociedade capitalista pautada pelo consumo desenfreado. Hoje se sabe que o planeta não possui recursos naturais infinitos”. “Assim, não se trata de extinguir o modelo de desenvolvimento existente, mas adequá-lo a essas novas premissas onde o consumo exista, mas seja equilibrado, de modo sustentável. Para isso, a redução, a reutilização e a reciclagem são fundamentais”, completa o advogado.
Formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie e com especialização em Direito Ambiental pela PUC (Pontifícia Universidade Católica), Diogo de Mello Ferreira avalia que o sucesso da nova lei de resíduos sólidos é possível a médio e longo prazo, porém, ele ressalta a importância do poder público “no fomento dessas iniciativas, seja criando incentivos econômicos eficientes, criando isenções fiscais ou privilegiando em seus editais, aqueles que têm uma postura proativa em relação à proteção ao meio ambiente, em especial nesse caso a PNRS”.
As novas exigências legais para o tratamento dos resíduos sólidos podem aumentar o custo dos produtos. Para o especialista, “essa é uma tendência lógica, na medida em que novos custos serão incorporados à cadeia de produção”. Porém ele ressalta que “vale a pressão da sociedade civil e do setor produtivo” e a “mobilização para a criação de incentivos econômicos e fiscais que desonerem ao máximo esses novos custos para que não se justifique a necessidade de repasse dos custos ao consumidor final”. Veja a entrevista exclusiva que Diogo de Mello Ferreira concedeu ao Observatório Eco.
Observatório Eco: O que é responsabilidade pós-consumo? De que forma a sociedade deve se organizar para atender às novas regras? E qual o papel do governo nessa nova era no trato com os resíduos sólidos?
Diogo de Mello Ferreira: A responsabilidade pós-consumo, em linhas gerais, significa a obrigação de retirar do meio ambiente parte daquilo que é produzido no ciclo produtivo após o término da vida útil de um determinado produto. Pela PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) constitui-se por um conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e do poder público para minimizar os rejeitos, reduzir o volume dos resíduos gerados e, assim, diminuir seu impacto no meio ambiente.
A sociedade, sob esse contexto, deverá em um primeiro momento se preparar para esse novo arcabouço de regras que está sendo criado, em especial fomentando o debate em torno da PNRS.
Posteriormente, deverá se organizar e unir esforços, em todos os setores já mencionados para a efetiva implementação da PNRS, o que não será tarefa fácil, tampouco simples.
O papel do governo seja em qualquer das suas esferas (federal, estadual e municipal), é o de abrir os caminhos, ou seja, criar as diretrizes e regulamentar os instrumentos para a viabilização da PNRS, entre os quais destacamos o plano nacional, os planos estaduais e municipais de resíduos sólidos, a logística reversa, a coleta seletiva, bem como a criação de incentivos econômicos e incentivos fiscais.
Observatório Eco: De que maneira, as empresas passam a se responsabilizar pelas embalagens dos produtos vendidos?
Diogo de Mello Ferreira: Especificamente sobre as embalagens e/ou produtos vendidos, as primeiras empresas a serem responsabilizadas são aquelas que estão inseridas nos setores de: agrotóxicos e derivados; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes e seus resíduos; produtos eletro-eletrônicos e seus componentes; além daqueles que estejam envolvidos na cadeia de produção de lâmpadas fluorescentes em geral.
A estes grupos do setor produtivo nacional foi determinada a obrigação de implementar sistemas de logística reversa para retirar do meio ambiente parte dos produtos utilizados após o uso pelo consumidor. A regulamentação da Logística Reversa, embora prevista, ainda não foi efetivada.
Segundo o decreto regulamentador da PNRS nº 7.404/10, há três grandes instrumentos que estão sendo detalhados. Os Acordos Setoriais, a Lei ou regulamentos expedidos pelo poder público e os termos de compromisso com o poder público. Além disso, metas serão estipuladas e os setores deverão se organizar para cumpri-las.
Além disso, é importante dizer que a logística reversa é apenas uma das obrigações criadas pala PNRS. A lei estabeleceu outras obrigações, como por exemplo, a necessidade de elaboração de planos de resíduos sólidos; o estabelecimento de metas de redução na produção de resíduos na produção industrial; além de metas de reciclagem de produtos, conceitos distintos da Logística Reversa, mas tão importantes quanto.
Observatório Eco: De que forma equacionar a política de resíduos sólidos em uma sociedade consumista, que somente valoriza o novo e não o usado? O senhor acredita que o sistema da nova PNRS irá obter sucesso?
Diogo de Mello Ferreira: Trata-se de uma questão de mudança do paradigma cultural para os mais velhos, e educacional para as próximas gerações. Vivemos em uma sociedade capitalista pautada pelo consumo desenfreado. Hoje se sabe que o planeta não possui recursos naturais infinitos. Assim, não se trata de extinguir o modelo de desenvolvimento existente, mas adequá-lo a essas novas premissas onde o consumo exista, mas seja equilibrado, de modo sustentável. Para isso, a redução, a reutilização e a reciclagem são fundamentais. O incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias mais limpas também.
Sim, acredito, mas o sucesso não será obtido a curto/curtíssimo prazo. São mudanças que ocorrerão a médio e longo prazo, conforme a PNRS for sendo implementada. Nesse aspecto, ressalta-se novamente a importância do poder público no fomento dessas iniciativas, seja criando incentivos econômicos eficientes, criando isenções fiscais ou privilegiando em seus editais, aqueles que têm uma postura proativa em relação à proteção ao meio ambiente, em especial nesse caso a PNRS.
Observatório Eco: O senhor avalia que o preço dos produtos irá se elevar, uma vez que as empresas deverão se adequar às novas regras da PNRS?
Diogo de Mello Ferreira: Essa é uma tendência lógica, na medida em que novos custos serão incorporados à cadeia de produção. No entanto, vale a pressão da sociedade civil e do setor produtivo no sentido de minimizá-los através da reivindicação e mobilização para a criação de incentivos econômicos e fiscais que desonerem ao máximo esses novos custos para que não se justifique a necessidade de repasse dos custos ao consumidor final.
Observatório Eco: As empresas que não conseguirem elaborar ou participar de acordos coletivos do setor de logística reversa devem procurar o judiciário?
Diogo de Mello Ferreira: Acredito que não seja o objetivo da PNRS deixar alguma empresa de fora, até porque elas individualmente ou por suas entidades de classe terão papel muito importante na formação de tais acordos, ou seja, o caminho para o diálogo foi aberto.
Naturalmente, em razão da complexidade do assunto, algumas empresas podem ficar ausentes da elaboração e/ou participação em razão da abrangência territorial que será definida em cada acordo. Trata-se de uma análise que deverá ser feita caso a caso no momento apropriado.
Porém, em que pese a eventual possibilidade de ingresso no judiciário, mister reiterar que os acordos setoriais não são o único instrumento legítimo de implementação de sistemas de logística reversa, pois a PNRS estabelece que lei ou decreto também poderá instituí-los, além da elaboração de termos de compromisso.
Sob este aspecto entendo ser muito mais inteligente e prático para uma empresa firmar um termo de compromisso com o poder público na hipótese de não ter sido inserida em um acordo judicial, do que intentar uma medida judicial.
Observatório Eco: De que forma os escritórios devem se preparar para as demandas desta nova lei? Quais os prováveis problemas judiciais que a aplicação dessa lei deve gerar?
Diogo de Mello Ferreira: Os escritórios de advocacia terão muito a fazer. Seja pelo lado consultivo, orientando e preparando seus clientes para se adequar a PNRS, seja pelo lado contencioso onde defenderão os interesses de seus clientes que sofrerem penalizações nas esferas civil, administrativa e penal. Demandas surgirão também para auxiliar na elaboração de termos de compromisso e acordos setoriais para implementação da logística reversa, entre outros assuntos.
Por outro lado, a PNRS já é uma realidade, pois alterou a lei de crimes ambientais e determinou como crime ambiental passível de punição de pena de reclusão de 1 a 4 anos ou multa aquele que: manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. Assim, este é apenas um exemplo do tipo de demanda atual que um escritório especializado deverá estar apto a enfrentar.
Porém, alguns problemas judiciais ainda são difíceis de prever, pois a PNRS está sendo regulamentada. É provável que surjam problemas judiciais para aqueles que não consigam estabelecer sistemas de logística reversa, não cumpram suas metas de redução de resíduos, quando, e, se essas existirem; caso não elaborem planos de gerenciamento de resíduos ou que não estejam escritas no Cadastro de Operadores de Resíduos Perigosos, entre outros exemplos.