Brasil e as lições positivas da COP-15 que não podemos esquecer
Roseli Ribeiro em 27 February, 2010
Tuite
“O maior resultado da COP-15 foi a ampla divulgação do tema das mudanças climáticas e também o grande interesse do público em geral, que agora está muito mais informado e interessado pelo assunto”, a avaliação é de André Ferretti, coordenador de Conservação da Biodiversidade, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.
Além disso, outros pontos positivos também se destacam, como, “a volta dos Estados Unidos às negociações de clima, depois dos oito anos de mandado do presidente Bush”. Ferretti, também aponta que Brasil, África do Sul e Índia, pela primeira vez, assumiram publicamente metas de redução de emissões. Outro aspecto bastante positivo foi a participação paralela, na reunião que aconteceu em Copenhague, de empresas, organizações da sociedade civil e governos.
Em inúmeros países existiu uma mobilização que permitiu a criação de leis, políticas, projetos, produtos, planos de ação, dentre outras iniciativas, visando a mitigação e a adaptação do homem às mudanças climáticas. Nenhum resultado positivo pode ser descartado.
André Ferretti é engenheiro florestal, mestre em Ciências Florestais pela ESALQ/USP, e membro fundador e coordenador do Observatório do Clima – Rede Brasileira de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas, e esteve presente na reunião COP-15, que aconteceu em dezembro na Dinamarca.
Apesar de existir um clima pós-COP-15 apregoando o fracasso da reunião, se formos nesta toada desprezando os resultados e as lições que essa convenção trouxe, o homem jamais se decidirá firmemente pela mudança de hábitos que privilegiam um comportamento de destruição constante do Planeta.
O objetivo da ONU (Organização das Nações Unidas) que era firmar um acordo vinculativo para os 193 países não foi obtido, mas especialistas já apontavam que esse desejado acordo seria difícil de se concretizar. Aliás, o Secretário Executivo da Convenção de Mudança do Clima, Yvo de Boer já declarou que seja também “improvável” obter um acordo vinculativo na próxima COP-16, que acontece em Cancun (México). Por outro lado, Boer espera que esse acordo seja possível na próxima reunião que será feita na África do Sul em 2011, antes que o Protocolo de Quioto, que estabelece as metas de emissões para os países industrializados expire em 2012. “Essa equação precisa ser fechada nas negociações de forma que todos tenham direito a viver com uma boa qualidade de vida ao mesmo tempo em que as emissões globais de gases de efeito estufa sejam reduzidas conforme recomendam os cientistas”, alerta Ferretti.
O Brasil, em razão do desmatamento e queimadas está entre os cinco maiores países emissores de CO2 no mundo, assumiu importantes metas de redução de suas emissões, aprovou leis de políticas climáticas. “O Brasil deve comemorar a lei que, sem dúvida, é um passo importante”, ressalta Ferretti. Temos ótimos motivos para persistir no rumo de uma sociedade harmoniosa com uma economia de baixa emissão de carbono. Veja com exclusividade a entrevista de André Ferretti ao Observatório Eco.
Observatório Eco: Em sua opinião quais os resultados positivos da COP-15?
André Ferretti: Apesar da COP15 não ter produzido um acordo com força de lei com uma meta global de redução de emissões de gases de efeito estufa e metas específicas para os países membros da convenção do clima, a conferência realizada em dezembro de 2009 em Copenhage (Dinamarca), teve sim muitos resultados positivos.
O principal foi a mobilização mundial entorno da COP15 e do tema das mudanças climáticas, que foi crescendo exponencialmente nos meses que se antecederam ao evento. O resultado foi a maior das convenções sobre clima realizadas até hoje, com quase 50 mil inscritos, bem como a mais divulgada pela mídia e acompanhada pela sociedade do mundo todo. Isto posto, o maior resultado foi a ampla divulgação do tema das mudanças climáticas e também o grande interesse do público em geral, que agora está muito mais informado e interessado pelo assunto.
Outro resultado muito importante foi a volta dos Estados Unidos às negociações de clima, depois dos oito anos de mandado do presidente Bush. Afinal, eles são os maiores emissores históricos de gases de efeito estufa, e atualmente disputam com a China o título de maior emissor atual. Esses dois países, e alguns outros como Brasil, África do Sul e Índia, pela primeira vez, assumiram publicamente metas de redução de emissões. Esses países foram anunciando suas metas nas semanas e dias que antecederam a COP, provocando uma grande agitação e muita expectativa por um resultado expressivo nas negociações.
Paralelamente, empresas, organizações da sociedade civil e governos locais (estados e municípios) de todo o mundo criaram leis, políticas, projetos, produtos, planos de ação, dentre outras iniciativas, visando a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas. Infelizmente, os líderes dos 193 países membros da Convenção do Clima não responderam a altura na hora de negociar o tão esperado acordo global de clima para vigorar depois de 2012, quando se encerra o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto.
No Brasil, particularmente, em Dezembro o Presidente Lula sancionou duas leis muito importantes, a lei federal nº 12.014, de 9 de dezembro de 2009, que cria o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, e a lei federal nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que cria a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. Ambas são de grande importância para o futuro do país rumo a uma sociedade e uma economia de baixa emissão de carbono.
Observatório Eco: Parece existir a divulgação de uma tese de “perdão” para os países desenvolvidos pela poluição causada no passado, e que daqui para frente a responsabilidade ambiental do planeta é de todos os países. Ou seja, os países desenvolvidos, em tese, não querem contribuir mais do que os países em desenvolvimento. Como avançar nas negociações considerando esse entrave?
André Ferretti: A negociação sempre foi e continuará sendo muito complicada. Desde o princípio a Convenção do Clima se baseia no princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Segundo este princípio, a maior parte do aumento na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera é devido a ações antrópicas e se deve principalmente às emissões dos países desenvolvidos desde a revolução industrial. Ocorre que hoje, países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil já estão entre os cinco maiores emissores da atualidade. E suas emissões continuam crescendo. Com isso, mesmo que os países ricos diminuíam suas emissões, todo o esforço poderia ser anulado pelo aumento das emissões dos países em desenvolvimento.
Isso significa que, para se resolver o problema será necessário o empenho de todos. A questão é definir o que caberá a cada parte. É importante destacar também que, certamente, qualquer compromisso será muito mais fácil para os países já desenvolvidos, afinal suas populações já alcançaram bons índices de desenvolvimento e qualidade de vida. Porém, os países em desenvolvimento argumentam que precisarão de transferência de tecnologia e apoio econômico para que se desenvolverem e melhorar a qualidade de vida de seus povos e, ao mesmo tempo, não aumentar suas emissões de gases de efeito estufa.
Essa equação precisa ser fechada nas negociações de forma que todos tenham direito a viver com uma boa qualidade de vida ao mesmo tempo em que as emissões globais de gases de efeito estufa sejam reduzidas conforme recomendam os cientistas. Tanto entre os países ditos desenvolvidos, quanto entre os chamados países em desenvolvimento, há diferenças colossais. Não se pode comparar China, Índia e Brasil, por exemplo, com países como Bolívia, Moçambique e Haiti. Da mesma forma, não há como comparar estados Unidos e Japão e Alemanha com Ucrânia, Croácia e Turquia, todos esses membros do Anexo I do Protocolo de Kyoto. (que têm metas de redução em relação ao Protocolo de Kyoto).
Observatório Eco: O preço que os países desenvolvidos cobram para repassar as novas tecnologias pode impedir que países pobres e em desenvolvimento se preparem para conviver com os efeitos das mudanças climáticas?
André Ferretti: Essa é uma questão importante, pois se o custo desse repasse for muito alto, os países mais pobres não poderão pagar, terão mais dificuldade para alcançar o desenvolvimento e dar mais qualidade de vida para seus habitantes, e muito provavelmente não conseguirão diminuir ou estabilizar suas emissões de gases de efeito estuda. Assim, todos sairão perdendo.
É preciso encontrar uma fórmula em que todos possam ganhar. O objetivo principal da ONU e de todas as suas convenções (mudanças climáticas, diversidade biológica e combate a desertificação), deve ser justamente facilitar essa cooperação entre os povos na busca de uma maior qualidade de vida para todos os povos.
Não há dúvidas sobre a necessidade de transferência de tecnologia e apoio financeiro dos mais ricos, principais responsáveis pelo aumento na concentração de gases de efeito estufa até hoje, para os mais pobres. A dificuldade é se chegar a um acordo de consenso entre os 193 países membros da Convenção do Clima.
O Acordo de Copenhagen prevê a doação de 10 bilhões de Dólares entre 2010 e 2012 para que os países mais vulneráveis consigam lidar com as mudanças climáticas e adotar medidas para redução de emissões, e 100 bilhões de Dólares anuais a partir de 2020. Para se ter uma idéia, durante a COP se falava que seriam necessários cerca de 140 bilhões de Dólares anuais apenas para a conservação de florestas. Fica claro que é preciso muito mais.
Observatório Eco: Algum projeto apresentado nas reuniões paralelas na COP-15 te chamou a atenção? Sua adoção seria interessante para o Brasil?
André Ferretti: Nas duas semanas da COP, dentro e fora do Bella Center (local do evento), inúmeras alternativas, idéias e projetos foram apresentados nos mais variados temas, como geração e transmissão de energia, transporte, produção de alimentos, máquinas e equipamentos industriais, combustíveis alternativos, eficiência energética, aproveitamento de resíduos, etc.
Fica difícil escolher um, mas cabe aqui um destaque negativo para a energia nuclear, pintada em alguns eventos e palestras como a solução para um futuro mais sustentável e de baixas emissões de carbono pelo simples fato de não emitir carbono no processo de geração de energia, porém sem considerar outros impactos e riscos que pode causar.
Mais do que um projeto ou ação que eu tenha visto, gostaria de indicar uma publicação da UNEP(sigla em inglês do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente) que estava sendo distribuída na COP e que relaciona uma série de ações que pessoas, empresas, cidades e países podem fazer para reduzir emissões: KICK THE HABITAT: A UM GUIDE TO CLIMATE NEUTRALITY.
Muitos projetos e idéias que poderiam ser implantados imediatamente no Brasil e em qualquer outro país. Porém, acredito que o mais importante e efetivo seria que cada pessoa passasse a exercer seu papel de cidadão tomando atitudes em prol da conservação da vida no nosso planeta, e cobrando que o poder público, empresas e sociedade em geral fizessem o mesmo. A mudança necessária virá a partir da contribuição de cada um de nós.
Observatório Eco: Com a experiência da COP – 15, como melhor se preparar para a COP-16, e buscar um acordo climático que tenha o apoio de tantas nações?
André Ferretti: A COP15 mostrou aos 193 países membros da Convenção do Clima que será necessário trabalhar arduamente ao longo do ano ao invés de depositar a maior parte da energia apenas na COP. Como ocorre todo ano, a negociação envolve uma série de reuniões que merecem atenção e esforço para que, aos poucos, se consiga dar os passos necessários para aprovar o texto consensual do novo acordo global durante a COP.
Muitos chefes de estado e ministros passaram um ou dois dias na COP -15 e foram embora antes da plenária final, deixando a impressão de que estavam mais interessados em dar uma passada para aparecer na mídia do que em contribuir para a construção do acordo. Na próxima COP, a ser realizada no México de 29/11 a 10/12, é importante que eles estejam lá para participar ativamente do desfecho final, e que, ao longo do ano, contribuam ativamente com o trabalho das rodadas de negociação que antecedem a COP.
O bem estar comum tem que superar os interesses particulares se esses líderes quiserem presentear a nossa e as futuras gerações. Em alguns casos, como é o caso do Presidente Lula, é uma grande oportunidade de fechar o seu mandato com chave de outro. Para outros, como foi o caso do Presidente Obama na COP15, poderia ter sido uma excelente oportunidade de começar com o pé direito.
Observatório Eco: Depois que conversamos, o Brasil aprovou a lei nacional de política para mudanças climáticas. Qual o caminho para colocá-la em prática? O que você destacaria de mais importante nessa recente legislação?
André Ferretti: O advento da COP15 e toda a mobilização da sociedade no Brasil e no mundo em prol do combate às mudanças climáticas foram decisivos para acelerar a aprovação dessa lei que já estava tramitando no Congresso Nacional há alguns anos. A Lei 12.187, que criou a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC foi sancionada pelo Presidente na virada do ano, dia 29 de dezembro, quando pouca gente estava acompanhando o processo por conta da ressaca da COP15 e das festas de fim de ano.
O Brasil deve comemorar a lei que, sem dúvida, é um passo importante. Infelizmente alguns artigos foram vetados, como os que dispunham sobre o paulatino abandono do uso de combustíveis fósseis, incentivos ao desenvolvimento de energia limpa (como tributação diferenciada), apoio a pesquisa sobre fontes renováveis, e aumento de sua participação na matriz energética. Independentemente desses vetos, as legislações sancionadas não são perfeitas, mas podem trazer grandes avanços e é imprescindível que a sociedade brasileira monitore e cobre uma rápida regulamentação e aplicação dos seus dispositivos.
Entretanto, em minha opinião, o ponto mais importante está no Artigo 12, pois a partir de agora há uma Lei Federal que determina que o Brasil reduzirá suas emissões de gases de efeito estufa até 2020. O texto do Artigo 12 diz: Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 2020.
Para que a lei possa ser colocada em prática, uma das ações mais urgentes é a conclusão, ainda em 2010, do “Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal”, como reza o parágrafo único desse artigo. É a partir do inventário nacional que o país poderá identificar as ações mais efetivas para reduzir suas emissões.
Observatório Eco: Os desastres naturais, que já marcam o começo deste ano, mostram a fragilidade da vida urbana. Se você fosse um administrador público, quais as suas medidas para melhorar a vida de uma cidade que sofreu algum tipo de desastre? Ou seja, qual a sua receita para conciliar o aspecto ambiental na vida urbana?
André Ferretti: No Brasil as cidades cresceram exponencialmente nas últimas quatro ou cinco décadas sem nenhum planejamento. Agora estamos sofrendo as conseqüências. A situação não tem como ser revertida de uma hora para outra, mas é preciso planejamento e vontade política para se resolver os principais problemas.
O primeiro passo é mapear as áreas e populações mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos que serão cada vez mais comuns, como tempestades, enchentes, vendavais, ciclones, secas, etc. O próximo passo é definir as ações de adaptação necessárias, definindo prazos, custos e prioridades. Cada cidade exigirá um estudo e um planejamento específico.
De qualquer forma, algumas ações importantes podem e devem ser tomadas imediatamente. É fundamental que não sejam mais autorizadas construções e ocupações de áreas de risco já identificadas, regiões sujeitas a alagamentos e áreas onde já houve deslizamentos, bem como as áreas de preservação permanente descritas no Código Florestal (margens de rios, lagos e reservatórios, nascentes, topos de morros, encostas íngremes, e demais área definidas pela Lei Federal 4.771/1965).
Além de ocupações ilegais e em áreas sujeitas a inundações, as cidades se transformaram em gigantescas áreas impermeabilizadas, de forma que a água da chuva não infiltra no solo e escorre para os locais mais baixos e planos, transformando ruas e calçadas em verdadeiros rios e baixadas em lagos. Com isso, áreas que no passado não ficavam alagadas, hoje e no futuro poderão ser impactadas pela maior incidência de fenômenos climáticos extremos e também pela impermeabilização excessiva das áreas urbanizadas.
Em muitos municípios já estão sendo criadas legislações específicas para tratar desses problemas como o estabelecimento de Políticas Municipais e Estaduais de Mudanças Climáticas, normatização de captação de água da chuva em grandes empreendimentos e condomínios, etc.
É muito importante que a população cobre o poder público para que desenvolva os estudos e planos necessários, que as leis sejam criadas, mas principalmente que todo esse esforço seja implementado, fiscalizado e rigorosamente cumprido.