Precisamos criar uma cultura de respeito às leis ambientais
Roseli Ribeiro em 6 December, 2009
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juiz Julio Schattschneider, que atualmente atua na Vara Federal Ambiental de Florianópolis (Santa Catarina), afirma em entrevista ao Observatório Eco, que “vai muito mal o país em que se dependa primordialmente dos juízes para “proteger” o meio ambiente”. Ele explica que “a preservação do nosso planeta está nas mãos dos governos e dos órgãos de fiscalização”. E completa que “a sociedade deve cobrar deles que exerçam com rigor os atos de fiscalização e aplicação da lei, reservando-se ao juiz a tarefa de conter os eventuais abusos ou violações a direitos individuais de maior relevância”.
Por essa razão, ele defende a necessidade de se fomentar uma cultura de respeito à legislação ambiental por meio de atividades educativas e uma maior fiscalização por parte dos órgãos florestais. “O Judiciário não pode ser a primeira opção para a resolução de uma questão, seja ela qual for”, reforça o magistrado.
Formado em Direito, desde 1992, pela Faculdade de Direito de Joinville, Schattschneider lembra que nos Estados Unidos o orçamento da EPA (Agência de Proteção Ambiental) “é absurdo se comparado com o do IBAMA”.
Sobre a especialização da justiça ambiental em Florianópolis, Schattschneider ressalta sua importância, pois com “o passar do tempo, as partes e o público em geral terão condições até mesmo de prever a decisão que será proferida, em função do histórico de julgamentos já realizados. Isto, sem dúvida, contribui para a credibilidade do sistema”.
A Vara Federal Ambiental Agrária e Residual de Florianópolis foi instalada em 2005, como resultado da transformação da 1ª Vara Federal. Desde então, passou a receber apenas ações sobre meio ambiente, mas continuou com os processos já existentes, que tratavam de outras matérias. Atualmente, a vara tem 2.838 processos, sendo 50% de caráter ambiental. Quando as outras ações se encerrarem, a vara, finalmente, será dedicada integralmente ao meio ambiente.
Sobre o desafio de conciliar a legislação, a jurisprudência e a doutrina ambiental no julgamento de questões sobre meio ambiente, Julio Schattschneider, que exerce a função de juiz desde 1994, afirma que se trata de “tarefa extremamente difícil, tendo em vista a profusão de Tribunais, federais e estaduais, que diariamente decidem questões relativas ao meio ambiente”. Ele avalia que embora os cursos de Direito não dêem a devida atenção ao direito ambiental, a doutrina brasileira sobre o tema é de qualidade extraordinária, pois a esmagadora maioria dos autores, “se dedica a esta área do Direito por absoluta afinidade”. Veja a entrevista que Julio Schattschneider concedeu ao Observatório Eco, com exclusividade.
Observatório Eco: Muitos especialistas entrevistados, aqui no Observatório Eco, são a favor da justiça ambiental. Afirmam que a especialização da justiça nessas lides é um ótimo caminho. O senhor que tem a oportunidade de atuar em uma vara especializada ambiental pode apontar os benefícios dessa especialização?
Julio Schattschneider: Qualquer especialização é boa, mas especialmente no caso do Direito Ambiental, que é um ramo ainda incipiente e sujeito a intermináveis controvérsias. Em Florianópolis, a vara conta com dois Juízes, em atividade há quase dois anos ininterruptos, e isto gera necessariamente maior estabilidade. Com o passar do tempo, as partes e o público em geral terão condições até mesmo de prever a decisão que será proferida, em função do histórico de julgamentos já realizados. Isto, sem dúvida, contribui para a credibilidade do sistema.
Observatório Eco: Quais os problemas enfrentados por uma vara ambiental? As demandas mais comuns?
Julio Schattschneider: A vara possui competência civil e criminal. Os processos criminais mais comuns envolvem crimes de pesca. Há na região de Florianópolis algumas reservas onde a pesca é proibida. Além deles, há os crimes relativos a construções em áreas de preservação permanente e mineração não-autorizada. No âmbito civil, há também muitas ações envolvendo estes tipos de construção e questões ligadas às atividades administrativas do IBAMA.
Observatório Eco: Há o predomínio da atuação dos Ministérios Públicos, porém, a existência da vara especializada motiva que ONGs e até o cidadão busquem o amparo da Justiça para a solução de questões ambientais?
Julio Schattschneider: A meu ver, a demanda cada vez maior pela atuação do Judiciário, não só na área do Direito Ambiental, esconde um problema maior: a ineficiência dos órgãos de fiscalização, que é derivada da insuficiência de investimentos por parte dos Governos. O Judiciário não pode ser a primeira opção para a resolução de uma questão, seja ela qual for. Nos Estados Unidos, por exemplo, o orçamento da EPA (Agência de Proteção Ambiental) é absurdo se comparado com o do IBAMA. Por isso, aquela agência possui estrutura compatível e realiza incontáveis ações educativas e preventivas – o que, salvo alguns casos isolados, lamentavelmente não acontece no Brasil.
É preciso, então, que tenhamos este objetivo, pois a melhoria da atividade de fiscalização, em função do seu imediatismo e caráter pedagógico, é essencial para que se forme a cultura de respeito à legislação ambiental. Francamente, vai muito mal o país em que se dependa primordialmente dos Juízes para “proteger” o meio ambiente.
Observatório Eco: Em São Paulo temos a Câmara Especial do Meio Ambiente, seria interessante para o TRF-4, uma Câmara especializada para analisar os recursos nesse segmento?
Julio Schattschneider: Na verdade, no Tribunal Federal os processos e recursos envolvendo questões civis relativas ao Direito Ambiental já são distribuídos para a sua Segunda Seção e os criminais para a Quarta. Cada uma delas é composta por duas Turmas. Embora não se possa dizer que haja efetiva especialização, acredito que seja um avanço em relação a Tribunais em que todos os juízes e Turmas julgam indistintamente todas as matérias. Mas como eu já disse, a especialização é sempre bem vinda.
Observatório Eco: Além do trabalho de julgar as lides ambientais, a vara atua preventivamente ou mesmo de forma pedagógica nos conflitos ambientais? Por exemplo, é acionada na discussão de um TAC que seja realizado pelo MP?
Julio Schattschneider: A Vara Ambiental de Florianópolis possui um programa trimestral de palestras educativas sobre meio ambiente, que são públicas. Elas também são utilizadas como condição da suspensão de processos criminais, prevista na lei dos Juizados Especiais. O cidadão que é denunciado criminalmente pelo Ministério Público Federal – e preenchendo os requisitos legais – pode optar pela suspensão do processo, mediante, entre outras, a condição de assistir a estas palestras.
Esta é uma excelente iniciativa do juiz Zenildo Bodnar, que me antecedeu na administração da Vara Ambiental. Ela, apesar de muito simples, possui um efeito fantástico, pois se dissemina a informação entre pessoas que nunca delinqüiram e, por outro lado, para aqueles que cometeram algum crime ambiental, aplica-se uma “pena” que na verdade reverte em seu favor.
Observatório Eco: Que lição o senhor leva para a sua vida pessoal, ao tratar de causas ligadas à preservação do Meio Ambiente?
Julio Schattschneider: Por mais incrível que possa parecer, a maior lição que aprendi com esta experiência é que o Judiciário deve exercer um papel extremamente limitado nesta área. A preservação do nosso planeta está nas mãos dos governos e dos órgãos de fiscalização. E a sociedade deve cobrar deles que exerçam com rigor os atos de fiscalização e aplicação da lei, reservando-se ao juiz a tarefa de conter os eventuais abusos ou violações a direitos individuais de maior relevância.
Observatório Eco: Qual o desafio de conciliar a legislação, a jurisprudência e a doutrina ambiental, que estão evoluindo rapidamente em nosso cotidiano?
Julio Schattschneider: Esta é uma tarefa extremamente difícil, tendo em vista a profusão de Tribunais, federais e estaduais, que diariamente decidem questões relativas ao meio ambiente. Além disso, a nossa cultura jurídica é avessa à uniformização e à tradição. O Juiz que segue os precedentes nem sempre é bem visto, pois pretensamente não contribuiria para a “evolução” do Direito. Por fim, com a expansão da internet, a informação está cada vez mais acessível para as partes e seus advogados. Quando eu iniciei a minha carreira, em 1994, a obtenção de um acórdão já publicado do Supremo Tribunal Federal era operação que demandava pelo menos uma semana, visto que havia necessidade de requisitar a cópia pelo correio. Hoje, basta o apertar de um botão.
A doutrina em Direito Ambiental, entretanto, aparentemente é mais seletiva, tendo em vista a sua incipiência e a pouca relevância conferida a ela nos cursos de Direito, ainda centrados nos seus ramos mais tradicionais, civil, criminal e processual. A esmagadora maioria dos autores, portanto, se dedica a esta área do Direito por absoluta afinidade. Então, do que tenho tido oportunidade de ler, cito como exemplos os juristas Marcelo Buzaglo Dantas, Vladimir Passos de Freitas e Édis Milaré, posso afirmar que a qualidade literária relativa ao Direito Ambiental brasileiro é extraordinária.
Fernando, 14 anos atrás
A especialização de Varas e Câmaras é bem-vinda, desde que os Juízes e Desembargadores não se esqueçam que eles não são protetores do meio ambiente, mas sim da Lei.
Justiça não pode se confundir com ideologia ambiental. Não vivemos num Estado Ambiental de Direito, mas sim num Estado Democrático de Direito.
A Câmara Especializada do TJ/SP, por exemplo, se tornou politizada e ideologizada. Basta ver o percentual de êxito da Cetesb nos processos em que o órgão é parte (quase 90%!!!).
Roselangela Thomaz, 14 anos atrás
As leis existem para serem aplicadas. Nosso país peca quando não possue uma justa educação ambiental, onde os jovens desde o início já possam conhecer as leis e ajudar na fiscalização e aplicação dela. Injusto é o fato de termos milhões de pessoas passando fome e sem conhecer seus verdadeiros direitos, e uns poucos achando que possuem o dom da verdade por conhecerem melhor as leis. Se uma educação ambiental correta fosse o ponto de partida para que os jovens fiscalizassem, com certeza o nosso estado de direito seria mantido, mas o meio ambiente ganharia muito mais.
Elizângela, 14 anos atrás
Avalio como 10.
Arno Bollmann, 14 anos atrás
A entrevista enfatiza muito bem, graças à franqueza e objetividade do entrevistado, a necessidade de maior mobilização na esfera políticia, tanto por parte da sociedade organizada, quanto da parte da vontade política dos governantes eleitos no sentido de valorizar mais as questões ambientais. A falta de verbas e a consequente fragilidade na fiscalização citadas pelo entrevistado, testemunham claramente esta situãção.