Leis sobre mudanças climáticas mereciam amplo debate
Roseli Ribeiro em 1 December, 2009
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Senado Federal aprovou, no final de novembro, vários projetos de leis relacionados à criação da Política Nacional de Mudanças Climáticas, entre eles, o PL 18/2007, que em razão das mudanças feitas pelos senadores retornou para a Câmara Federal. Outro projeto aprovado, o PL 2.223/2007, que cria o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas, aguarda a sanção do presidente da República. Para André Ferretti, coordenador de Conservação da Biodiversidade, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, embora essas propostas sejam importantes, ele lamenta que os projetos tenham “ficado parados por tanto tempo e de uma hora para outra estejam sendo aprovados a “toque de caixa”, sem a devida discussão com a sociedade e os três poderes do Governo”.
André Ferretti é engenheiro florestal, com mestrado em Ciências Florestais pela ESALQ/USP, e membro fundador e coordenador do Observatório do Clima – Rede Brasileira de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas e estará presente na reunião COP-15, que acontece em dezembro na Dinamarca.
Em entrevista exclusiva ao Observatório Eco, André Ferretti aponta que após a reunião do Clima, “o Brasil precisa ser coerente, conciliando todas as suas ações com a meta de redução de emissões”. Contudo, ele alerta que estamos vivendo um período de “aumento do número de usinas termoelétricas para geração de energia, iniciativas para flexibilização da legislação ambiental incluindo anistia para os desmatadores, diminuição da área de Reserva Legal, permissão para cultivo de espécies exóticas em Área de Preservação Permanente, entre outras”.
Na avaliação de Ferretti, se o País quer, realmente assumir um compromisso sério para a redução de emissões de gases de efeito estufa, precisa reduzir drasticamente o desmatamento não apenas na Amazônia, mas em todos os biomas. E completa a receita, “repensar o Plano Nacional de Energia, lançado em 2007 e com horizonte de ação até 2030”. Além de revisar e garantir os recursos financeiros para o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, “reduzir as emissões das atividades agropecuárias, e repensar todo o sistema de transporte do país”, afirma.
Ao abordar a questão da aplicação das leis ambientais, André Ferretti afirma que “não adianta criar a lei e esperar que seja cumprida de uma hora para outra”, para o especialista, “depois de criadas, as leis precisam ser regulamentadas”.
Observatório Eco: O Brasil, em razão das metas para a COP-15, está no âmbito federal buscando a aprovação de leis, que enfrentem os efeitos das mudanças climáticas. O que será colocado de positivo no âmbito legislativo em sua opinião?
André Ferretti: Tudo indica que até o início de dezembro, antes da COP-15, o Brasil contará com a aprovação de leis federais que criam a Política Nacional de Mudanças Climáticas (PL 18/2007) e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (PL 2.223/2007), em tramitação no Congresso Nacional. É um importante passo dado pelo país, que deve ser aplaudido e comemorado por todos.
Por outro lado, é lamentável que tenham ficado parados por tanto tempo e de uma hora para outra estejam sendo aprovados a “toque de caixa”, sem a devida discussão com a sociedade e os três poderes do Governo. Com isso, todos saem perdendo e o resultado final certamente ficará abaixo do que poderia ser se essas questões tivessem sido devidamente debatidas entre o Poder Executivo, e Poder Legislativo, e os diversos setores da sociedade. Afinal, o Governo não tinha nenhum interesse na aprovação e discussão desses projetos de 2007 e, mais do que isso, trabalhou muito para que não fossem votados. É uma pena que a aprovação dessas leis tenha mais a ver com as eleições presidenciais de 2010.
De positivo, teremos leis que nortearão as ações do Brasil para uma economia e uma sociedade de baixo carbono, o que é muito importante, com o estabelecimento de metas de reduções de emissões de gases de efeito estufa.
Observatório Eco: A ONU (Organização das Nações Unidas) acaba de divulgar resultados alarmantes da emissão de CO2 na atmosfera, mas muitos ainda afirmam que seria bobagem a questão climática, como você avalia esse tipo de postura?
André Ferretti: Há um grande consenso sobre o fato de que estamos vivendo uma era de mudanças climáticas. A grande maioria dos cientistas defendem que o planeta está se aquecendo, mas alguns insistem em dizer que estamos entrando num período de esfriamento. Ocorre que pesquisas realizadas no mundo todo mostram que a temperatura média da Terra está mesmo aumentando, e a cada dia que passa mais provas materiais desse aquecimento se materializam. Montanhas que antes ficavam cobertas de neve o ano inteiro agora passam meses ou até mesmo o ano todo sem gelo, as grandes geleiras do pólos estão derretendo numa velocidade muito maior do que previam os cenários apresentados pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) em 2007, e eventos climáticos extremos como secas, chuvas torrenciais estão cada vez mais freqüentes como alertavam as previsões.
Alguns setores econômicos, e mesmo países, principalmente aqueles ligados à indústria do petróleo, vêm tentando negar as mudanças climáticas com o apoio de pesquisadores, políticos e empresas. Diversos setores da economia baseada em combustível fóssil tentaram confundir a opinião pública e fazer lobby contra as mudanças que estão surgindo agora visando reduzir o uso da energia fóssil e o consumo de produtos que emitem muito carbono em seu processo de fabricação. Porém, esse movimento perdeu muito espaço nos últimos anos.
Observatório Eco: Quais as decisões mais importantes que podemos obter em Copenhagen?
André Ferretti: O principal resultado que o mundo todo está esperando é o estabelecimento de um novo acordo global de clima para o período pós 2012, quando expira o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto, com o estabelecimento de uma meta global de redução de emissão de gases de efeito estufa, que assegure que o aumento da temperatura média global no final do século não seja superior a 2°C da temperatura média do período pré-industrial.
Esse acordo precisa estabelecer metas obrigatórias de redução de emissões para os países desenvolvidos, que foram os principais responsáveis pelo aumento na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera nos últimos dois séculos, bem como definir qual será a contribuição dos países mais pobres e em desenvolvimento.
Outra importante decisão a ser tomada é a definição do papel da conservação das florestas e ecossistemas naturais no combate às mudanças climáticas. A conservação ficou de fora do Protocolo de Quioto. O IPCC destacou no seu último relatório, publicado em 2007, que desmatamentos, queimadas e mudança do uso do solo são responsáveis por cerca de 20% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. O IPCC e diversos cientistas têm defendido que a proteção dos ecossistemas naturais pode e deve fazer parte dos esforços mundiais para a mitigação das mudanças climáticas, agregando benefícios como a conservação da biodiversidade e de serviços ambientais essenciais como a produção de água, a regulação do microclima, conservação de solo, dentre outras.
Observatório Eco: Como deve se comportar o Brasil após a escolha dessas metas de redução de GEE? Ou seja, como deve ser o país pós Copenhagen?
André Ferretti: O Brasil precisa ser coerente, conciliando todas as suas ações com a meta de redução de emissões. Porém, o que estamos vendo nos últimos meses é o grande investimento no petróleo da camada pré-sal, aumento do número de usinas termoelétricas para geração de energia, iniciativas para flexibilização da legislação ambiental incluindo anistia para os desmatadores, diminuição da área de Reserva Legal, permissão para cultivo de espécies exóticas em Área de Preservação Permanente, entre outras.
Até um ano atrás, o cartão de visitas do Brasil e do presidente Lula para o mundo eram os biocombustíveis. Nos últimos meses o etanol e o biodiesel sumiram dos discursos do Governo e agora só se fala no pré-sal. Não apenas na exploração do petróleo recentemente descoberto, mas na construção de um grande parque industrial para beneficiamento desse recurso no país. Isso vai exigir um investimento muito pesado do governo, bancos públicos e privados, centros de pesquisa e universidades, e empresas. Ao mesmo tempo, o mundo todo estará investindo em tecnologias limpas e alternativas ao combustível fóssil.
O Brasil investirá na energia dos séculos XIX e XX, ao passo que a economia mundial estará buscando alternativas para abandonar o mais rápido possível sua dependência dessa fonte de energia. Todo esse investimento poderá ainda competir pelos recursos humanos e financeiros que poderiam gerar as pesquisas na tecnologia do futuro, de baixo carbono.
Se o Brasil quer mesmo ter compromisso com a redução de emissões de gases de efeito estufa, precisará, antes de mais nada, reduzir drasticamente o desmatamento não apenas na Amazônia, mas em todos os biomas (hoje o desmatamento do Cerrado já é maior que o desmatamento na Amazônia), repensar o Plano Nacional de Energia, lançado em 2007 e com horizonte de ação até 2030, revisar e garantir recursos financeiros para o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, reduzir as emissões das atividades agropecuárias, e repensar todo o sistema de transporte do país.
Observatório Eco: De que forma a iniciativa privada brasileira pode buscar se adequar à agenda ambiental, pós COP-15?
André Ferretti: Investindo em energias e tecnologias alternativas, inserindo a dimensão climática nos setores estratégicos dos negócios, buscando oportunidades de negócios de baixa intensidade de carbono que estarão sendo cada vez mais demandados pela sociedade, entre outras.
A iniciativa privada precisa enxergar essa mudança na matriz energética mundial como uma oportunidade para novos negócios e para modernização do setor. Há oportunidades de negócios dentro do mecanismo de desenvolvimento limpo do Protocolo de Quioto, e novas fontes de recursos e fianciamentos virão. Certamente, muitos empreendedores terão grandes oportunidades, da mesma forma que aqueles que não acompanharem essa evolução necessariamente tenderão a ficar para traz e perder espaço.
Observatório Eco: O que mais atrasa o Brasil rumo a uma estabilização de emissão de carbono?
André Ferretti: A visão de que os recursos naturais do nosso território são inesgotáveis e a política do desenvolvimento a qualquer custo são os principais responsáveis pelo crescimento das emissões de gases de efeito estufa nos últimos anos. As emissões brasileiras aumentaram mais de 60% de 1990 a 2005, segundo o recém divulgado inventário nacional de emissões de gases de efeito estufa. Desmatamentos e queimadas, principalmente na região amazônica, foram os principais responsáveis. Nesse período a matriz energética brasileira, consagrada como uma das mais limpas do mundo, também foi ficando mais suja com a participação cada vez maior de termoelétricas e uso de combustíveis fósseis.
Observatório Eco: O Brasil é bem conceituado na criação de leis ambientais, já no outro lado, o da aplicação das leis, muitos afirmam que se deixa a desejar. Como corrigir essa distorção?
André Ferretti: É preciso empenho de todos os setores da sociedade para corrigir essa distorção. Depois de criadas, as leis precisam ser regulamentadas. Também é necessário o investimento em políticas públicas, no monitoramento e fiscalização. Não adianta criar a lei e esperar que seja cumprida de uma hora para outra. É essencial que exista vontade política e empenho do Governo. Não se pode esquecer do investimento em educação da população.
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Roselangela Thomaz, 14 anos atrás
Eu realmente gostaria de ver quem vai participar desses debates. Acho incrível que assuntos tão importantes sejam colocados a segundo plano pela mídia, enquanto dinheiro na cueca vira manchete durante dias seguidos. Tá na hora de mudar, o planeta precisa disso!
Roberta Nechar Gorni, 14 anos atrás
Vamos esperar os resultados!!
O Lula joga o número mágico de 36,1 % de meta voluntária, mas não cita como atingir essa redução. Por enquanto posso entender que vai fazer exatamente o que já se faz há décadas…
Imperdível: coletânea de leis brasileiras sobre meio ambiente « FUNDAÇÃO EMAS, 14 anos atrás
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