Advocacia ambiental cresce em razão da Câmara de Meio Ambiente
Roseli Ribeiro em 3 July, 2011
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O desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez, integrante e ex-presidente da Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), em entrevista exclusiva ao Observatório Eco, afirma que a advocacia ambiental no Estado teve grande crescimento a partir da concentração das causas ambientais em uma única Câmara.
Segundo Cortez, a reunião das causas ambientais fez com que se “criasse uma massa crítica, uma previsibilidade nas decisões”. E completa, “uma perspectiva de julgamento mais rápido, ou seja, houve uma aceleração nesses julgamentos e as pessoas e empresas interessadas tiveram que procurar advogados especializados”.
As teses desenvolvidas sobre Direito Ambiental e debatidas na Câmara são de excelente qualidade e exigem o estudo constante por parte dos desembargadores responsáveis pelos julgamentos, na opinião do magistrado.
A demanda na Câmara do Meio Ambiente sobre causas envolvendo os direitos dos animais ainda é pequena, na opinião de Cortez. Otimista, ele acredita “a tendência é cada vez mais respeitarmos a vida dos animais”. Formado em Direito pela USP (Universidade de São Paulo), onde fez mestrado, está na magistratura paulista desde 1982.
Sobre a expansão da competência da Câmara Aguilar Cortez é cauteloso, pois o volume de causas ambientais seria maior, e poderia gerar a necessidade de outras Câmaras. “A criação de mais uma Câmara talvez seja interessante, mas muitas Câmaras há o risco de dividir muito a jurisprudência, diversificar os entendimentos e isso trará um prejuízo, insegurança, imprevisibilidade. E a Câmara não tem proporcionado isso”, afirma. Veja a entrevista exclusiva de Antonio Celso Aguilar Cortez ao Observatório Eco.
Observatório Eco: O que motivou o senhor a integrar a Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJ-SP?
Aguilar Cortez: O que despertou minha atenção é a matéria, meio ambiente, um assunto que interessa a todos os cidadãos, independentemente de ser juiz. E a possibilidade de interferir de alguma forma nessa batalha de preservação da vida no Planeta, não só da vida humana, mas de todas as formas de vida. Foi algo que me incentivou. E esse tipo de tema interessou porque era algo que pegávamos de forma pulverizada no Tribunal, era um ou outro caso, assim, ninguém tinha a oportunidade de se aprofundar muito na questão. A criação de uma Câmara especializada possibilitou esse aprofundamento no Direito Ambiental, nesse período aprendi muito.
Observatório Eco: A criação da Câmara especializada também contribuiu para que promotores e advogados se especializassem no tema?
Aguilar Cortez: No Estado de São Paulo o volume de processo é algo invencível, muito grande. Como esses processos relacionados às causas ambientais ficavam perdidos naquela massa de ações, havia uma demora grande no julgamento dos feitos.
Quando a Câmara foi criada a partir de 2005, houve uma concentração desse assunto, os processos anteriores foram redistribuídos para a nós, e pagamos um preço, pois de repente chegaram muitos processos, inclusive de questões menores que a rigor nem deveriam estar na Câmara, ações relativas a multas, em que a preocupação maior é econômica e que possuem um volume muito grande também.
A reunião desses processos em uma única Câmara fez com que se criasse uma massa crítica, uma previsibilidade nas decisões, uma perspectiva de julgamento mais rápido, ou seja, houve uma aceleração nesses julgamentos e as pessoas e empresas interessadas tiveram que procurar advogados especializados. Algumas empresas tinham muitas ações, só que isso estava pulverizado e os entendimentos poderiam ser diferentes, assim podia-se perder num caso, ganhar no outro.
Com o trabalho da Câmara especializada, surgiu um volume grande de ações envolvendo as mesmas empresas, pessoas, questões idênticas. E o posicionamento da Câmara motivou essa procura por advocacia especializada e também para nós aprofundou o estudo. Trata-se de uma advocacia de alto nível, que exige muito estudo dos magistrados.
Observatório Eco: Quando o senhor diz que os casos julgados eram semelhantes, poderia dar exemplos?
Aguilar Cortez: Por exemplo, as usinas de produção de álcool e açúcar, a questão da queimada da cana, que é algo recorrente e continua gerando autuações. As ações civis públicas do Ministério Público. A questão da reserva legal que está sendo discutida no Congresso no projeto de alteração do Código Florestal.
As multas por poluição do ar, odores expelidos por indústrias químicas, efluentes indústrias líquidos que poluem a água. As questões de preservação de matas ciliares, nascentes, reservatórios de água, dos rios, as faixas de preservação. As ocupações irregulares na Serra do Mar, que são freqüentes em toda a costa. Essas questões são repetitivas, e a Câmara tem se ocupado muito com elas.
Observatório Eco: E de forma o senhor avalia o impacto da atuação da Câmara nas questões ambientais do Estado?
Aguilar Cortez: Um resultado bastante positivo. A Câmara conseguiu se equilibrar, há ainda divergências de algumas matérias, mas de modo geral a atuação é positiva, tanto da perspectiva social, quanto do mundo jurídico, pelos que atuam, advogados, pelas partes envolvidas.
Observatório Eco: A Câmara também decide sobre questões relacionadas aos direitos dos animais. A demanda é grande?
Aguilar Cortez: A demanda ainda não é muito grande de ações defendendo interesses de animais. Já tivemos questões relativas ao uso de animais em circo. Hoje são muitos os municípios, inclusive a capital que proíbe a utilização de animais em espetáculos circenses. Aqui não vemos nenhum circo propagando atrações com tigres, leões, elefantes. Esse é um aspecto muito bom. A Câmara já teve oportunidade de decidir sobre essa matéria.
A questão de utilização de animais em rodeios o Estado tem legislação sobre isso, admite essa utilização sem a utilização de equipamentos que possam ferir os animais. O que desloca o problema para a fiscalização e a pressão econômica que existe, porque há comarcas em que o Ministério Público moveu esse tipo de ação.
Mas Barretos, por exemplo, nunca tive conhecimento de alguma ação civil pública lá que questionasse o uso de animais em rodeios. Lá é até uma atração internacional, eles trazem gente de outros países para participação destes espetáculos. Mas acho que a tendência é de restringir cada vez mais a utilização de animais para meros caprichos humanos.
Temos a utilização dos animais como alimento, esse uso é legislado e há uma preocupação com a dignidade, a integridade física deste animal, de forma que o abate se faça sem gerar muito sofrimento para o animal. Essa utilização dos animais, acredito que seja extinta, a maioria dos animais que são alimento gera muitos recurso econômicos, o país exporta carne de porco, frango, boi e infelizmente ainda convivemos com a criação de porcos e frangos em condições ruins, em termos de qualidade de vida. O frango tem uma expectativa de vida de 40 dias para ir para o abate. Ele é criado numa gaiola, a concentração de animais gera um stress muito grande, proliferação de doenças e impõe a utilização de antibióticos, rações tratadas com remédios. Esses animais não têm vida própria, são apenas um tempo de engorda de um produto de consumo. Mas isso, eu não vejo muita perspectiva de mudança a médio ou longo prazo.
Agora o uso do animal para diletantismo, como farra do boi, touradas, rodeios cada vez mais, essas utilizações são restringidas e colocadas em controle dentro de uma perspectiva de respeito aos animais.
Outro aspecto, é a utilização de animais em experimentos científicos, nos estudos acadêmicos, há ações do Ministério Público questionando essas ações, que a Câmara tem decidido que essas ações servem aos interesses humanos, mas não dispensa cuidados que representem respeito à vida do animal. Mas creio que a tendência é cada vez mais respeitarmos a vida dos animais.
Competência
Observatório Eco: A Câmara atua em quais questões do meio ambiente urbano?
Aguilar Cortez: As questões de direito artificial, urbano esbarram numa zona cinzenta do que seja direito do meio ambiente e direito urbanístico. Quando a matéria é estritamente urbanística, a competência da Câmara tem sido rejeitada, porque é uma matéria que qualquer Câmara de Direito Público tem condições de julgar, não há necessidade de uma especialização muito grande.
A questão de interesse ambiental surge quando temos áreas verdes envolvidas dentro do núcleo urbano. Questões sobre a poluição sonora, do ar, essas questões a Câmara tem conhecido e julgado. Mas quando se trata estritamente de posturas urbanísticas, não conhecemos deste processo.
Observatório Eco: Se a competência da Câmara fosse ampliada para julgar essas questões urbanas, isso poderia auxiliar na busca por mais qualidade de vida em centros urbanos?
Aguilar Cortez: Temos que ter cuidado com a expansão da competência da Câmara porque isso vai gerar a necessidade de outras Câmaras, o volume de processos é muito grande. Por exemplo, se a Câmara não tivesse a ocupação com questões que não fossem estritamente ambientais, e nossa competência fosse mais abrangida, nos tornaríamos uma Câmara comum.
Até questões de desapropriações vieram parar na Câmara de Meio Ambiente, e devolvemos. Outro exemplo, o loteamento clandestino, o Ministério Público diz que se houver dano ambiental, terá que reparar também. E muitas vezes não há a indicação de um dano ambiental efetivo, que ocorreu e possa ocorrer, nestes casos a Câmara tem recusado, por entender que se trata de um direito comum.
Procuramos manter a Câmara dentro daquilo que seja questão de direito ambiental. Nas execuções fiscais, desde o começo, cuidamos dessas ações e para a mudança disso teríamos que alterar a redação da resolução que criou a Câmara no tocante a sua competência, para retirar a execução fiscal, que avalio não deveria estar conosco.
Há questões limítrofes. Por exemplo, tombamento de edifícios, ainda, estamos avaliando o que é melhor fazer. Precisamos de um volume de processos que seja possível gerir. A criação de mais uma Câmara talvez seja interessante, mas muitas Câmaras há o risco de dividir muito a jurisprudência, diversificar muito os entendimentos e isso trará um prejuízo, insegurança, imprevisibilidade. E a Câmara não tem proporcionado isso.
Observatório Eco: Ao longo destes cinco anos a Câmara passou por alguma crise, divergência de opiniões, por exemplo?
Aguilar Cortez: Não. Os julgamentos colegiados são assim, nem sempre a unanimidade nos entendimentos e mesmo dentro da Câmara há divergências que são normais, e quando é a respeito de questões menores, a Câmara acaba se compondo, uniformizando o entendimento, para evitar embargos infringentes e uma divisão de entendimento ruim para as partes. Evitar que uma mesma parte tenha em casos semelhantes um julgamento divergente. Outras questões chegam ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal) e nós acolhemos a decisão.
Um exemplo é o caso da prescrição da multa ambiental, antes estávamos divididos nesse tema, alguns entendiam que a prescrição para a Fazenda Estadual cobrar era de 5 anos, outros entendiam que seria o prazo de 10 anos. Enfim, o STJ pacificou o entendimento e os colegas que entendiam de modo diferente acabaram acolhendo.
Observatório Eco: Na defesa do meio ambiente temos a prevalência da atuação do Ministério Público. Mas nesse período tem ampliado a atuação dos cidadãos, há um engajamento maior do cidadão em busca da proteção da tutela ambiental?
Aguilar Cortez: Não, porque o Ministério Público tem sido muito atuante. Assim, as associações, entidades, pessoas que pensam em mover alguma ação, a primeira providência é procurar o MP que tem pessoas altamente capacitadas para essa atuação. E que têm um cuidado muito grande com a tutela ambiental.
Uma ou outra ação popular aparece e uma ou outra ação movida por associações. E às vezes, ONGs, associações que são criadas por poucas pessoas, por advogados que não estão interessados principalmente em meio ambiente, mas em projeção pessoal, percepção de honorários. Também já vimos isso.
Há até associações de outros Estados que entram com ação contra determinado município em uma questão que diz respeito àquele município onde a associação nem tem um associado, de repente ela tem uma grande preocupação com o meio ambiente no Brasil inteiro e se coloca numa posição em que até dispensaria o Ministério Público. Ela assume essa função que é do Ministério Público. O Ministério Público tem uma atuação que incentiva as pessoas na Comarca a procurarem o promotor de Justiça.
Observatório Eco: Assim, se não existisse a atuação do Ministério Público, muitas questões ambientais nem chegariam à Justiça?
Aguilar Cortez: A maior parte certamente nem chegaria ao Judiciário.