Promotoria e as questões ambientais da capital
Roseli Ribeiro em 10 April, 2011
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A cidade de São Paulo mais humana, com menos poluição do ar, sonora e dos recursos hídricos, a manutenção e recuperação das poucas áreas verdes existentes, são exemplos que sintetizam as metas e preocupações da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, que integra o MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo). A Promotoria, especializada nas questões ambientais que afligem a Capital, é composta por seis promotores de justiça titulares, José Eduardo Ismael Lutti, Gilberto Leme Marcos Garcia, José Roberto Rochel de Oliveira, Luiz Antônio de Souza, Marcos Lúcio Barreto e Darci Ribeiro.
Para conhecer o trabalho desenvolvido pela Promotoria do Meio Ambiente da Capital o Observatório Eco entrevista o primeiro promotor de justiça titular, José Eduardo Ismael Lutti. “A maior preocupação da promotoria é buscar uma melhor qualidade de vida para a sociedade paulistana,” afirma o promotor.
Na avaliação de Lutti, dois graves problemas ambientais da cidade são a poluição do ar e a escassez dos recursos hídricos. “São Paulo precisa urgentemente melhorar a qualidade das águas de seus rios e mananciais, sob pena de viver uma crise de abastecimento para consumo humano de grandes proporções”, alerta o promotor.
“Apesar dessas graves questões ambientais, o que mais aflige a população, ao menos é o que se pode aferir pelas representações encaminhadas à promotoria, são a poluição sonora”, e “a destruição de áreas verdes – maciços vegetacionais, vegetação em áreas de preservação permanente (margens de rios e represas) e praças públicas”, exemplifica.
Para o promotor, a recente decisão judicial que condena a prefeitura a instalar barreiras de proteção acústica em toda a extensão do elevado Costa e Silva (o minhocão), é uma daquelas que trarão grande benefício à cidade, “não só porque trará mais conforto àqueles que residem no entorno, mas, notadamente porque irá sinalizar aos gestores públicos a necessidade de, antes de realizarem grandes obras, sejam elas previamente estudadas a fim de todos saberem dos impactos ambientais, sociais, financeiros, que serão provocados”, ressalta. Veja entrevista exclusiva que José Eduardo Ismael Lutti concedeu ao Observatório Eco.
Observatório Eco: De que forma a Promotoria do Meio Ambiente atua na cidade de São Paulo?
José Eduardo Ismael Lutti: Ordinariamente a Promotoria recebe representações da sociedade que são distribuídas entre os seis integrantes, e, em análise preliminar, o promotor, vislumbrando indícios de dano ambiental e um mínimo de informações que possibilitem identificar o local, instaura um inquérito civil público (ICP) ou um procedimento preparatório de inquérito civil (PPIC), neste caso, para colher informações um pouco mais consistentes a fim de instaurar o IC com mais segurança.
O inquérito civil é o instrumento adequado para a apuração de um dano ambiental (local exato, tipo, extensão e forma de recuperação) e o respectivo autor ou responsáveis. Ao final das apurações são possíveis três medidas pelo promotor, ou seja, pedir o arquivamento por constatar que não houve o dano ou, constatado este, não ter sido possível identificar o autor da ação degradadora.
Tendo apurado o dano e identificado o autor da ação, celebrar com este um compromisso de ajustamento de conduta, mais conhecido por TAC, que vem a ser o termo de ajustamento de conduta, ou seja, a materialização formal dos compromissos assumidos.
Finalmente, não sendo possível a celebração do TAC, a propositura de uma ação civil pública visando a restauração do dano e/ou indenização. É possível, caso o dano seja irrecuperável (comprovado tecnicamente), o estabelecimento de uma indenização e compensação ambiental.
Nessas apurações, é possível identificar na conduta do autor a caracterização de crime ambiental. A conduta criminosa será apurada por uma das delegacias especializadas da Capital e o inquérito policial será encaminhado à uma das promotorias criminais da cidade de São Paulo. Dependendo do crime, tendo como base o tipo de pena prevista – detenção ou reclusão -, o inquérito policial será encaminhado para a promotoria de um dos foros regionais ou uma das promotorias criminais da Capital, localizadas no Fórum Criminal da Barra Funda.
Na esfera criminal, em face das peculiaridades da lei de crimes ambientais, também é possível obter do autor a reparação integral do dano ou a compensação ambiental em caso de irreversibilidade do dano, evitando-se a instauração de IC.
Mas os promotores de justiça do meio ambiente não se limitam a agir somente mediante provocação da sociedade. Em reuniões ordinárias mensais na promotoria de justiça, é possível a identificação de reiterações de danos ambientais que, investigados isoladamente, mostra ineficiência e não traz ganhos ambientais à sociedade, ocasião em são traçadas estratégias para o enfrentamento do problema. Exemplos disso: poluição sonora provocada por estabelecimentos noturnos em determinado bairro ou licenciamento irregular de construções em áreas protegidas.
Observatório Eco: Quais as maiores preocupações da Promotoria do Meio Ambiente nesse momento em relação a cidade. O que mais aflige a população em questões ambientais?
José Eduardo Ismael Lutti: A cidade de São Paulo, como é notório, é bastante complexa e seus problemas ambientais também o são.
A maior preocupação da promotoria é buscar uma melhor qualidade de vida para a sociedade paulistana. Nesse sentido, é a busca pela qualidade ambiental preconizada nas Constituições Federal e de São Paulo. É a busca por uma cidade mais humana, com menos poluição do ar, sonora e dos recursos hídricos (qualidade da água e enchentes) e a busca pela manutenção e recuperação das poucas áreas verdes ainda existentes.
A poluição do ar por gases veiculares é, a meu ver, uma das grandes questões ambientais a serem equacionadas na região metropolitana e, em especial, na cidade de São Paulo. O número de pessoas acometidas por doenças respiratórias ou mortas pela ação direta da poluição veicular é assustador na cidade de São Paulo (A faculdade de Medicina da USP, por meio da equipe coordenada pelo Prof. Dr. Paulo Saldiva tem uma excelente pesquisa sobre o assunto).
Outro grande problema, não só de São Paulo, mas de quase todas as médias e grandes cidades do Brasil, é a poluição hídrica. São Paulo precisa urgentemente melhorar a qualidade das águas de seus rios e mananciais, sob pena de viver uma crise de abastecimento para consumo humano de grandes proporções.
Aliás, se fosse possível de uma hora para outra impedir a utilização de água de poços profundos (legais ou irregulares), São Paulo teria um déficit de água potável de cerca de 10m3/s, ou seja, a SABESP teria de fornecer imediatamente cerca de 864 milhões de litros de água tratada por dia, o que não seria possível, seja pela falta de onde captar esse volume de água, seja pela falta de estrutura para tal.
Apesar dessas graves questões ambientais, o que mais aflige a população, ao menos é o que se pode aferir pelas representações encaminhadas à promotoria, são a poluição sonora, nas mais variadas origens, que vão desde pequenos bares de esquina, até a execução de obras públicas, passando por ensaios de escolas de samba, atividades empresariais e shows em recintos abertos; a destruição de áreas verdes – maciços vegetacionais, vegetação em áreas de preservação permanente (margens de rios e represas) e praças públicas.
Por outro lado, sociedades civis organizadas, notadamente as de bairros, levam à promotoria questões mais específicas ligadas aos seus objetivos sociais, que podem se descritas em: irregularidades construtivas em bairros tombados, corte de vegetação tombada, maus tratos em animais e, em menor monta, irregularidades no licenciamento ambiental de grandes obras públicas.
Observatório Eco: Qual decisão recente da Justiça que impactou na vida da cidade e que foi fruto da atuação da Promotoria do Meio Ambiente?
José Eduardo Ismael Lutti: Qualquer decisão judicial em prol do meio ambiente provoca, em maior ou menor escala, um impacto positivo na vida da cidade, já que, qualquer que seja o ganho ambiental, levará a um aumento da qualidade de vida dos cidadãos, seja direta ou indiretamente, além de preservar o ambiente para as futuras gerações.
A decisão judicial que, recentemente, condenou o município de São Paulo a instalar barreiras de proteção acústica em toda a extensão do elevado Costa e Silva (o minhocão), é uma daquelas que trarão grande benefício à cidade, não só porque trará mais conforto àqueles que residem no entorno, mas, notadamente porque irá sinalizar aos gestores públicos a necessidade de, antes de realizarem grandes obras, sejam elas previamente estudadas a fim de todos saberem dos impactos ambientais, sociais, financeiros, que serão provocados.
Outra, não tão recente, mas que considero da máxima importância, é a condenação do Estado e da EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) a se absterem de lançar águas do Rio Pinheiros na represa Billings sem que previamente realize Estudos de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Avaliação Ambiental (EIA/RIMA).
Em linhas gerais, a empresa estatal paulista pretendia lançar na Billings águas tratadas por um sistema de flotação, semelhante ao de limpeza de piscinas, sem nenhum estudo prévio, visando, com isso, ter volume de água suficiente para gerar energia elétrica na Usina Henri Borden em Cubatão. Posteriormente à condenação, a empresa e o Estado celebraram acordo com o Ministério Público no sentido de que testes fossem realizados em escala reduzida concomitantemente à elaboração do EIA-RIMA. Independentemente das conclusões dos estudos, ainda não finalizados, os testes indicaram com segurança a inviabilidade do empreendimento e quão danoso seria ao manancial em face do grande volume de poluentes que transferiria para a represa Billings.
Essa represa é de importância fundamental para que cerca de 5 milhões de pessoas na região metropolitana possam continuar a receber água tratada diariamente.
Observatório Eco: De que forma o cidadão pode buscar o apoio da Promotoria em questões ambientais da cidade?
José Eduardo Ismael Lutti: Há duas formas. Protocolizar uma representação (“denúncia”) junto ao Ministério Público, no protocolo geral ou diretamente na promotoria de justiça do meio ambiente. Ou encaminhar mensagem eletrônica, em forma de representação para o email da promotoria.
Em qualquer das formas, o interessado deverá indicar o local do dano (muito importante); a qualificação autor ou da empresa que tenha provocado o dano (se souber), uma pequena descrição do dano (ex: lançamento de esgoto no rio X; desmatamento em área aproximada de X mts.; ruídos ou barulho produzido pelo bar ou casa noturna X; etc); e a própria qualificação (nome, endereço e forma de ser contado).
Observatório Eco: Em busca da qualidade de vida na cidade, o promotor de justiça do segmento ambiental precisa ter um viés de administrador público ao enfrentar os problemas de uma metrópole como São Paulo?
José Eduardo Ismael Lutti: Não só em São Paulo, mas em qualquer grande cidade, especialmente aquelas localizadas em regiões metropolitanas, o promotor de justiça do meio ambiente deve conhecer minimante as políticas públicas para a área de sua atuação (municipais, estaduais e federais) para entender exatamente as prioridades do executivo.
Deve pensar como um administrador público, porém, sem estabelecer aprioristicamente prioridades entre bens igualmente tutelados, como, por exemplo, meio ambiente versus moradia; não pode, portanto, aceitar a ocupação irregular para moradias em áreas especialmente protegidas (áreas de preservação permanente em margens de rios, topo de moro, alta inclinação do terreno, etc.) porque a municipalidade ou Estado não possuem uma política habitacional adequada.
O promotor de justiça do meio ambiente deve pensar como administrador, também, quando da análise dos atos administrativos emanados do executivo, do legislativo ou de agentes públicos com competência na área ambiental. Qualquer que seja o ato lesivo ao meio ambiente, originados de um ato administrativo, necessariamente deve ser visto sob a ótica do direito administrativo a fim de se verificar se respeitou os princípios da moralidade administrativa, eficiência, legalidade, impessoalidade, etc.
Havendo vício no ato, é possível buscar judicialmente a reparação do dano ambiental e a condenação do agente administrativo por improbidade administrativa, que poderá levar à perda do cargo, reparação do dano aos cofres públicos, se houver, inelegibilidade, etc.
Encaminhar mensagem eletrônica, em forma de representação, para o endereço pjmac@mp.sp.gov.br.
Pedro Mancuso, 13 anos atrás
Excelente matéria. será bastante útil em minhas aulas na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Parabens ao Observatório Eco e ao Dr. Lutti