Empoderamento, o outro lado da sustentabilidade

em 7 July, 2010


Especialista nos aspectos jurídicos do conceito de sustentabilidade, Susana Camargo Vieira, diretora de Estudos do Ramo Brasileiro da International Law Association, destaca a importância do “envolvimento ativo da sociedade civil”. E completa que “para haver desenvolvimento, é importante que preexista o envolvimento”.

Em sua opinião, a sustentabilidade depende do envolvimento da cidadania, ingrediente que faz “toda a diferença”. Porém, ela reconhece que buscar esse engajamento não seja fácil. Isso depende de mudança de mentalidade. “Raramente se assistirá a mudanças de mentalidade, exceto por raros indivíduos esclarecidos, que tenham consciência de que temos hoje uma opção fundamental entre uma economia do passado e uma economia verde, do futuro”, afirma.

Nesta entrevista concedida com exclusividade ao Observatório Eco, Susana Camargo Vieira, professora dos cursos de graduação e pós na Universidade de Itaúna (MG), menciona uma série de leituras e sites internacionais que demonstram como o aspecto jurídico ganha espaço dentro de tratados e documentos internacionais que tratam do desenvolvimento sustentável.

Em 2000, com a orientação de Celso Lafer, Susana Camargo Vieira fez sua tese de doutorado tendo como tema o papel do Direito na cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.   

Para a especialista, a Agenda 21 demonstra que o desenvolvimento sustentável só acontecerá com a cooperação e trabalho conjunto entre os países, seus entes componentes e com o envolvimento ativo da sociedade civil.

Com destacada atuação em vários comitês de diversos organismos internacionais, ela acredita que os Estados Unidos possam rever sua posição ambiental após o desastre ocorrido no Golfo do México.  Veja a entrevista de Susana Camargo Vieira concedida ao Observatório Eco.

 

 

Observatório Eco: O desenvolvimento sustentável parece que irá decolar na prática, ou estamos apenas vivendo no mundo das aparências, muito discurso e pouca prática?

Susana Camargo Vieira: Desenvolvimento sustentável é um conceito de alto teor político, embora o trabalho do Comitê Internacional da International Law Association, International Law on Sustainable Development (direito internacional sobre desenvolvimento sustentável) venha demonstrando o aumento de seu componente jurídico.  

Se prestarmos atenção, veremos que o conceito foi incorporado a tratados e outros documentos internacionais – para ficar em uma organização internacional menos abordada no Brasil, a UNCTAD incorporou o termo na maioria de seus documentos e projetos.

Além disso, há o bom trabalho de algumas ONGs (como a sua) e instituições – a exemplo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – a começar por Fernando Almeida e seu O Bom Negócio da Sustentabilidade, o Instituto Ethos, a Willis Harman House, a Fundação Getúlio Vagas em São Paulo, com seu Centro de Estudos sobre Sustentabilidade. Todos produzem inegáveis frutos junto às empresas, mudando culturas e trazendo resultados práticos.

Veja a importância do famoso Índice de Sustentabilidade da BOVESPA, e do Protocolo do Equador sobre financiamentos bancários em condições mais favoráveis a empresas sustentáveis.

Escrevi um pequeno artigo sobre a atuação do setor empresarial brasileiro em uma Revista internacional muito interessante publicada pela Universidade das Nações Unidas em Berlim – IHDP UpDate (‘Good Governance’ and Global Change).

Observatório Eco: Há no mundo acadêmico jurídico respostas normativas que incentivem a sustentabilidade?

Susana Camargo Vieira: Sim, sem dúvida – eu voltaria a minha referência anterior ao trabalho do Comitê da ILA, do qual faço parte desde 1993.

Um dos trabalhos realizados é o Legal Aspects of Sustainable Development (Aspectos Legais do Desenvolvimento Sustentável) que resultou em uma Declaração sobre os Princípios Subjacentes ao Desenvolvimento Sustentável, originalmente adotada pela Conferência da ILA em Nova Delhi em 2002, e depois também pela Assembléia Geral da ONU, pois foi apresentada pelos governos de Bangladesh e Países Baixos, no mesmo ano.  

Os Relatórios desses Comitês são interessantes por traduzirem uma discussão entre culturas e sistemas jurídicos muito diversos.  Além disso, vários livros foram publicados pelos Comitês.  

Nico Schrijver deu um curso específico sobre o tema na prestigiadíssima Academia de Direito Internacional da Haia. Inclusive, há a publicação do curso nos famosos Collected Courses, aqui de difícil acesso pelo custo, a Academia publicou o curso em uma versão pocketbook muito acessível.  

Entre outros mais conhecidos, tratei do assunto em minha dissertação de doutorado na Faculdade de Direito da USP, “Cooperação Internacional para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Brasileira: o papel do Direito”, defendida em 2000 sob orientação de Celso Lafer.

Roberto de Campos Andrade, em 2002, defendeu sua dissertação de mestrado, também na USP, sob orientação de Alberto do Amaral Jr, e abordou “O Princípio do Desenvolvimento Sustentável no Direito Internacional do Meio Ambiente”, e cita bastante o trabalho da ILA.

Observatório Eco: Comumente se afirma que falta vontade política na questão ambiental. Jogar a responsabilidade pelas mazelas ecológicas apenas no governo não é uma forma simples de deixar de buscar soluções concretas? Afinal se existe a lei e ninguém quer cumprir, o que fazer?

Susana Camargo Vieira: Bom, nesse sentido o exemplo da Agenda 21 é fundamental. O Brasil demorou, mas acabou estabelecendo e publicando a sua. Aliás, os diferentes estados brasileiros, e principais cidades do país, também, possuem a sua Agenda 21.  

O ponto principal da Agenda 21 é exatamente mostrar como o Desenvolvimento Sustentável só acontecerá com cooperação e trabalho conjunto – entre Estados (países), entes componentes desses Estados, e com o envolvimento ativo da sociedade civil. Diz-se muito que, para haver desenvolvimento, é importante que preexista o envolvimento, não é?

Um dos mecanismos previstos pela Agenda era a criação de Conselhos de desenvolvimento sustentável. O Brasil começou em grande estilo, criando um conselho que só envolvia caciques, e por isso não ‘decolou’ até que se mudasse a composição para incluir as pessoas que, nos diferentes ministérios e agências governamentais, efetivamente trabalhassem com o assunto. A Agenda trata muito de mecanismos para transferência de tecnologia e financiamento de cooperação para o desenvolvimento sustentável.

Um exemplo foi o PP-G7, o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras, que envolveu cooperação internacional, cooperação nacional, ONGs internacionais e nacionais, agentes governamentais, e funcionou tão bem que foi exportado para o resto da Amazônia, não só a brasileira.

Infelizmente, o projeto parece ter perdido impulso a partir de 2003, embora em 2002 se pretendesse estendê-lo também à Mata Atlântica.

Pouca gente sabe disso, mas o projeto levou a que se pensasse no desenvolvimento de novos conceitos legais, como o de Reservas de Desenvolvimento Sustentável, por exemplo, nas quais se permite certo nível de atividade econômica por populações comprovadamente tradicionais – as quais, em troca, protegem o meio ambiente.

O envolvimento da cidadania fará, sempre, toda a diferença. Mas isso dá mais trabalho que jogar sempre a culpa nos governos, não que estes não as tenham também. Temos tido disso, aqui, imensas provas, não é? Agora será a luta pelo Código Florestal…

Observatório Eco: Na esfera empresarial, em regra a orientação jurídica é de que as empresas devem obedecer às normas ambientais. Mas fazer apenas isso irá garantir vida das gerações futuras?

Susana Camargo Vieira: Sobre o tema recomendo a leitura de outro livro memorável – este de Willis Harman, traduzido para o português como “Por uma Mudança Completa de Mentalidade”, além do clássico de Schmidheiny e de todos os livros de Fernando Almeida.

As normas jurídicas, e nesse sentido o Ministério Público, deve ser lembrado, pois tem usado muito bem os famosos TACS (Termos de Ajustamento de Conduta), que têm uma função pedagógica fundamental.

Raramente se assistirá a mudanças de mentalidade, exceto por raros indivíduos esclarecidos, que tenham consciência de que temos hoje uma opção fundamental entre uma economia do passado e uma economia verde, do futuro. Veja a questão do pré-sal e o desastre no Golfo do México.

Até aqui, Marina Silva tem sido a campeã do tema, mas espero que, com o desenrolar dos debates, os outros candidatos também o incorporem, e sinceramente, não apenas por conjuntura do momento, a seus discursos e projetos.

Há toda uma série de mecanismos jurídicos indutores possíveis – por ex, isenção e oneração de impostos, conforme o interesse de uma economia sustentável. Não dá para escapar do velho conceito do condutor da carroça que alterna seu tratamento (do burro) entre cenouras e chibatadas…  Temos que aprender a usar bem as cenouras!

Observatório Eco: Dentro do aspecto da legislação ambiental internacional, o desastre recente no Golfo do México e o vazamento de óleo demonstram que o homem está despreparado para lidar com essas tragédias? No âmbito internacional quais as penas que deveriam ser aplicadas ao caso?

Susana Camargo Vieira: Certamente. O desastre do Golfo do México é a síntese de tudo. Será que explorar petróleo, ultrapassado e com conseqüências terríveis,  seria ainda a melhor alternativa para o Brasil?  Se os EUA e a BP, o primeiro o maior detentor de tecnologia e capital do planeta e a segunda entre as primeiras empresas do mundo, não conseguiram resolver o problema até hoje, que se dirá da exploração do pré-sal?

A indenização inicial não dá “nem para o gasto” do momento. O que se dizer da impossibilidade de se recuperar todo um estilo de vida sustentável de pescadores, turismo local, comércio, etc? Do simples direito a usufruir, placidamente, de um belo por do sol contra o qual se observavam silhuetas de aves (agora em risco de extinção…)? Que se dizer de um impacto que extrapola fronteiras, e pode atingir dimensões ainda não pensadas?

De certa maneira, poderíamos dizer ainda ser sorte, – embora seja de mau gosto até pensar nisso – isso ter acontecido nos EUA, país em que, apesar de uma política nacional refratária a assumir compromissos internacionais nesse campo, age-se e trata-se, internamente, com mais celeridade desses casos, até porquê a população se envolve.

Será interessante observar o reflexo do acidente sobre a política internacional, em matéria de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, dos EUA. Tenho a impressão de que será um divisor de águas… Haverá alguma chance e se criar um Tribunal Ambiental Internacional, de que se fala desde a Eco 92? Seremos testemunhas de um maior envolvimento do país com a questão meio ambiente e desenvolvimento sustentável em geral?

Observatório Eco: O advogado ambientalista empresarial agindo apenas preocupado em adequar a empresa à legislação ambiental não está numa postura acomodada?  O que exigir mais do advogado que atua nesse segmento?

Susana Camargo Vieira: Sim, pode até ser, mas há que se entender a realidade desse advogado… Acho que, nesse sentido, tanto OAB quando as Escolas dos Ministérios Públicos e Magistratura, sem falar das Universidades e Faculdades de Direito do país, desempenham um papel importante.

Há que se valorizar o tipo de conduta que se deseja, não é? E cursos de atualização, além da formação básica, podem ajudar bastante. Mais uma vez, entretanto, isso passará por uma mudança de mentalidade, e é por isso que gosto dos parâmetros de transversalidade na Lei de Educação Ambiental, por exemplo.  

Os agentes e não apenas os advogados envolvidos no processo têm que ser despertados para essa realidade nova. Eu recomendaria uma dissertação de Mestrado escrita pelo promotor encarregado das Promotorias Ambientais do Rio São Francisco em MG, que relata uma experiência muito interessante de convencimento e empoderamento, poderíamos mesmo dizer, de diversos agentes (e da população) envolvidos no controverso projeto – O Ministério Público como Instituição Potencializadora do Desenvolvimento Sustentável: reflexões a partir de experiências na Bacia do Rio São Francisco-MG, de Paulo Cesar Vicente de Lima (UNIMONTES, MG).

Observatório Eco: O Brasil tem uma legislação que permita efetivamente a exploração sustentável de nossas florestas? Essa exploração não pode também significar a exaustão de nossa biodiversidade em longo prazo?

Susana Camargo Vieira: Como já se disse muitas vezes, o problema não é ter legislação, mas sim implementá-la na prática, e isso passa por todas as instâncias mencionadas. Temos legislação, e até mecanismos.

O grande problema é a articulação e o empenho de todos os intervenientes - por isso gosto tanto da dissertação de Paulo Cesar Vicente Lima. Não dá para cobrar tudo do governo, embora este pudesse, e devesse fazer mais.

Lembro-me de dois casos exemplares em Bonito (MS), em que os guias eram os principais conservadores, pelo menos quando lá estive. Havia número máximo de pessoas por atração, o uso de equipamento especial para não danificar solo, fosse de rios ou terra, e assim por diante. Resultado, um verdadeiro paraíso ecológico sustentável… Lembro-me de ouvir, em uma fazenda convertida ao turismo sustentável, que onde antes se empregava dois peões para cuidar de milhares de cabeças de gado, (insustentável!), na época se empregava mais de 20 trabalhadores, muito bem treinados, em serviços ao turista.

Para saber mais a relação dos sites indicados na entrevista:

International Law Association.

 

Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

Instituto Ethos.

Willis Harman House.

FGV SP – Centro de Estudos sobre Sustentabilidade.

Nações Unidas em Berlim – IHDP UpDate.

Earth System Governence.     

 




7 Comentarios

  1. Lourdes alves ugarte, 14 anos atrás

    Muito boa a entrevista.Toca nos pontos importantes para o conhecimento de pessoas que devem estar preocupadas com o futuro de novas gerações.Temos visto que esse assunto é muito teórico.Devemos colocar na base do ensino matéria de educação ambiental. Vejo que muitas crianças já estão preocupadas com o futuro do meio onde elas vivem, chamando atenção dos próprios pais .Temos as leis mas não são cumpridas. O melhor meio de educar é dando exemplo.Parabéns

  2. Natascha Trennepohl, 14 anos atrás

    Excelente entrevista! Muito pertinente a colocação de que o acidente no Golfo do México será um divisor de águas. Nos Estados Unidos as ONGs ambientais já falam em “vida antes do derramamento” e “ vida depois do derramamento”. Susana Camargo é referência internacional quando o assunto é governança ambiental e sustentabilidade.
    Parabéns!

  3. Tweets that mention Empoderamento, o outro lado da sustentabilidade « Observatório Eco -- Topsy.com, 14 anos atrás

    [...] This post was mentioned on Twitter by Duda. Duda said: RT @observatorioeco: Entrevista exclusiva com a professora Susana Camargo Vieira sobre Sustentabilidade e empoderamento: http://tinyurl.com/2d5qqnt [...]

  4. MARCIO ADRIANO OLIVEIRA, 14 anos atrás

    PARABENS PELA ENTREVISTA, DEMONSTRA O GRANDE CONHECIMENTO DA DRA. SUSANA CAMARGO VIEIRA SOBRE O ASSUNTO.

    AB.

    MARCIO ADRIANO

  5. Heli de Souza Maia, 14 anos atrás

    Muito boa, interessante e instigante a entrevista da Profa. Susana. Aborda com profundidade, clareza e objetividade um dos temas mais importantes da atualidade. É certo, como ela própria diz, que é preciso usar bem as “cenouras” e não esquecer as “chibatadas”, quando necessário… que o exemplo recente do Golfo, nos Estados Unidos, não permita que as chibatadas legais sejam ignoradas.
    Heli

  6. Vera Ferreira Crespo, 14 anos atrás

    Entrevista inteligente e oportuna, que transmite conhecimento e as preocupações com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável do nosso planeta. O desastre ambiental da magnitude que ocorreu no Golfo do México, poderá ao menos, ter um lado positivo: um olhar dos EUA para as questões ambientais, tão relegada a segundo plano. Que seja mesmo um divisor de águas…

  7. danilo, 14 anos atrás

    sim, é bacana a entrevista, a doutora tem muito conhecimento técnico para ser empregado nas esferas que cabem…

    não digo que ela não o faça (até comentou de uma viagem à Bonito), mas suas recomendações são apenas de livros e cursos academicamente valorizados, quando o real valor disso tudo que hoje se discute e se peleja para levar em conta é a vida como ela sempre existiu…

    além de livros e cursos e diretrizes legais precisamos que as pessoas presencialmente busquem a natureza pelo prazer de se vivenciar a sua plenitude… ficar sentado em salas com ar condicionado, pacotes de software última versão e internet banda larga está longe de criar as melhores resoluções a serem seguidas…

    essa é minha opinião!


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