Pré-sal e energia renovável, eis a questão
Roseli Ribeiro em 4 October, 2009
Tuite
“No rol das finalidades do fundo social do pré-sal deveria ser proposto o investimento em pesquisas científicas, objetivando principalmente o domínio de fontes alternativas de energia, renováveis e de menor potencial poluidor”, na avaliação da advogada Maria Alice Doria.
Especialista em direito ambiental, Maria Alice Doria é sócia do escritório, Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados. Para ela, no cenário mundial a garantia de efetiva soberania energética de um país significa a “independência de qualquer recurso finito”. Em sua opinião, é importante o país desenvolver tecnologias que “potencializem o uso do petróleo a ser extraído e que possam reduzir os efeitos ambientais negativos provocados pela utilização dos combustíveis derivados”.
Professora de direito ambiental, na FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas) e no CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica- RJ), Maria Alice Doria, formada em direito pela Cândido Mendes e pós-graduada em administração financeira, foi responsável, de 1988 a 1997, pela área ambiental e contratos financeiros, da Companhia Vale do Rio Doce.
Sobre o Projeto Pré-Sal, ela também levanta a discussão de muitos ambientalistas, no sentido de que “o incentivo à produção do petróleo representa, para alguns, uma ameaça às medidas tomadas para conter a emissão de poluentes, causadores do efeito estufa”.
Em entrevista ao Observatório Eco, Maria Alice, ao falar sobre o Termo de Ajustamento de Conduta do Diesel feito entre o Ministério Público Federal, o governo e as empresas fabricantes de veículos, o qual teve sua validade questionada no TRF-3 (Tribunal Regional Federal de São Paulo), afirma que “a assinatura de TAC contrário às normas ambientais existentes gera um precedente perigoso”. Por outro lado, a advogada ressalva que o TAC pode ser uma forma produtiva de passar a gerar o cumprimento das normas entre aqueles que firmaram o termo, “visto que até então nenhuma medida havia sido adotada para diminuir o teor de enxofre no diesel”.
Para Maria Alice, a decisão do TRF da 3ª Região a respeito da validade do TAC do Diesel responderá a muitos questionamentos que surgiram na doutrina depois de sua assinatura. Veja a íntegra da entrevista que Maria Alice Doria concedeu ao Observatório Eco, com exclusividade.
u Observatório Eco: O projeto de lei, que cria o Fundo Social do projeto de exploração do pré-sal, tem elementos de proteção real do Meio Ambiente? Como irá ocorrer essa medida de proteção ao Meio Ambiente?
Maria Alice Doria: O Projeto de lei 5.940/2009, que cria o Fundo Social visa constituir fonte regular de recursos para o desenvolvimento social, na forma de projetos e programas para, entre outros, a sustentabilidade ambiental. Para tanto, possuirá recursos advindos da exploração petrolífera, entre os quais se destaca parcela dos royalties e receita da comercialização que cabe à União.
Prevê-se a criação do Conselho Deliberativo do Fundo Social-CDFS, composto por representantes da sociedade civil e da administração publica federal, que deliberará sobre a prioridade e a destinação dos recursos resgatados.
Contudo, não há qualquer referência às formas de se estabelecer prioridades, ou que tipo de projeto poderá ser aprovado para a persecução dos seus fins. Apesar de louvável a iniciativa de destinar recursos de atividade de tamanho impacto para a utilização em fins sociais e sustentáveis, não foram estabelecidos, ainda, critérios para essa realização.
Ademais, as condicionantes estabelecidas no licenciamento ambiental já visam mitigar os impactos dela decorrentes, no que se refere ao seu viés ambiental e social.
Se o objetivo de destinar recursos petrolíferos para tais fins decorre da característica não-renovável do petróleo, melhor seria que se incluísse no rol das finalidades do fundo proposto o investimento em pesquisas científicas, objetivando principalmente o domínio de fontes alternativas de energia, renováveis e de menor potencial poluidor.
No atual cenário mundial, garantir efetivamente a soberania energética de um país vem sendo cada vez mais traduzida pela independência de qualquer recurso finito. Ademais, é notável a necessidade de desenvolvimento de tecnologias que potencializem o uso do petróleo a ser extraído e que possam reduzir os efeitos ambientais negativos provocados pela utilização dos combustíveis derivados.
u Observatório Eco: Qual o impacto no mar dessa exploração na camada do pré-sal?
Maria Alice Doria: Em um primeiro momento, não há diferenças substanciais entre o potencial poluidor da exploração de petróleo da camada de pré-sal e o da exploração offshore já desenvolvida há décadas nas camadas pós-sal.
Há iniciativas que buscam estudar, de forma técnica, a magnitude do impacto gerado pelas atividades de exploração petrolífera na camada do pré-sal, como o Decreto 53.392/08 do Estado de São Paulo, que prevê a formação de uma equipe multidisciplinar para avaliar os seus impactos ambientais na Bacia de Santos.
Cabe, todavia, destacar o sentido no qual as principais correntes ambientalistas da atualidade tem apontado. Com a crescente preocupação acerca das possíveis conseqüências do aquecimento global, cujo principal agente causador é apontado como sendo a emissão de gases decorrentes da queima de combustíveis fósseis, novas tecnologias vêm sendo incentivadas em busca do aproveitamento das fontes renováveis.
Nesse contexto, o incentivo à produção do petróleo representa, para alguns, uma ameaça às medidas tomadas para conter a emissão de poluentes, causadores do efeito estufa.
u Observatório Eco: Com é feita atualmente a compensação ambiental da exploração do petróleo?
Maria Alice Doria: A compensação ambiental, prevista no artigo 36 da lei 9.985/00 e calculada conforme determina o artigo 31 do Decreto 4.340, tem como parâmetro os impactos ambientais negativos sobre o meio ambiente estabelecidos no EIA/RIMA, podendo atingir até 0,5% do valor do empreendimento.
Este valor será destinado conforme determinação do IBAMA, ouvido o ICMBio, sendo prioritários o seu uso para a regularização fundiária e demarcação das terras. Prevê, ainda, a elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo, aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gestão, monitoramento e proteção dessas unidades e as áreas de amortecimento. Além disso, prevê, também, o desenvolvimento de estudos necessários à criação de novas unidades de conservação, e o desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da unidade de conservação e a área de amortecimento.
u Observatório Eco: A jurisprudência mostra que em caso de derramamento de óleo no mar, existe a resistência dos responsáveis no pagamento de reparação desse dano ambiental. Por que ocorre essa resistência? Ela é justificável em tese?
Maria Alice Doria: A resistência em pagar se justifica na medida em que o dano ambiental se propaga não só geograficamente, mas também no tempo. Muitas vezes é necessário aguardar para que se possa verificar a real dimensão do impacto do derramamento. Também são implementadas pelas empresas medidas emergenciais para que os danos possam ser minimizados, o que diminui substancialmente o dano. Como conseqüência, o valor da reparação deve ser alterado.
Acerca da valoração da indenização, o TRF da 2ª Região entende que o vazamento de óleo no mar pode ser encarado como atividade da qual resultaram diversas degradações ao meio-ambiente previstas no artigo 3º, inciso III, da lei 6.938/81, entre as quais as condições adversas às atividades sociais ou econômicas. O prejuízo à biota e a afetação das condições estéticas do meio-ambiente. Nesse sentido, as indenizações cabíveis levarão em conta esses conceitos, que não raramente são combatidos pelos responsáveis.
u Observatório Eco: Os valores de multa são sempre contestados em juízo, afinal, o órgão, que elabora a infração, erra sempre na fixação dessas multas ambientais? O que deve ser corrigido nessa situação?
Maria Alice Doria: Não se trata de erro por parte do órgão ambiental. No momento da autuação, muitas vezes os impactos ainda não são precisados. Isto ocorre, pois os danos ambientais são medidos também na dimensão temporal, além da geográfica. Ainda, através de planos de controle e medidas emergenciais os impactos podem ser minimizados.
As multas via de regra são aplicadas, a critério subjetivo do órgão ambiental, proporcionalmente ao dano causado, as quais podem ser revistas para menos através de recursos se comprovado que o dano foi menor ou que a multa é desproporcional ao dano verificado.
u Observatório Eco: Uma empresa com uma atividade tão perigosa, como a exploração de petróleo, possui um fundo para pagamento desse passivo ambiental judicial?
Maria Alice Doria: As empresas petrolíferas, por praticarem uma atividade com alta margem de risco envolvido, muitas vezes possuem seguros de modo a se resguardar para tais situações emergenciais.
u Observatório Eco: Qual a postura mais adequada da indústria petroleira na proteção do Meio Ambiente?
Maria Alice Doria: A postura adequada é sempre atuar em obediência à legislação ambiental e conforme as condicionantes das licenças adquiridas. Existem diversos planos que devem ser implementados para que a atividade seja exercida da forma mais segura possível. Como exemplo, podemos citar o PEI (Plano de Emergência Individual) elaborado para a eventual ocorrência de acidentes com derramamento de óleo. Há também o PCAP (Plano de Compensação da Atividade Pesqueira) objetivando definir medidas que compensem as comunidades pesqueiras diretamente afetadas pela atividade de perfuração. O Projeto de Monitoramento Ambiental, que acompanha cetáceos ou outros animais da região. Ainda, deve haver um adequado treinamento dos funcionários, conforme Projeto de Treinamento Ambiental, para que se evite acidentes e haja respeito à legislação e condicionantes da licença.
u Observatório Eco: Usar teses antiquadas em juízo, para atrasar uma condenação ambiental não fere, também, a responsabilidade do advogado com relação ao Meio Ambiente fixada no artigo 225 da Constituição Federal?
Maria Alice Doria: Os problemas ambientais muitas vezes geram uma comoção pública que ultrapassa os reais efeitos do dano. Esse fator muitas vezes dificulta o trabalho do advogado ambientalista.
Contudo, diariamente estão sendo descobertos novos fatores e teses no que se refere ao Direito Ambiental. Caso o advogado utilize técnicas que não correspondem a uma conduta de boa-fé e baseada em princípios legais, seus argumentos certamente serão questionados em juízo, o que prejudicaria ao seu cliente.
u Observatório Eco: Recentemente, a Secretaria do Meio Ambiente do Rio de Janeiro disse que está estudando medidas para combater a poluição em Duque de Caxias, principalmente, em razão dos trabalhos de uma refinaria de petróleo. Afinal, não há como proteger a população da emissão desses gases? Qual a obrigação ambiental de uma refinaria?
Maria Alice Doria: A proposta do INEA é estabelecer um rodízio de atividades entre as indústrias locais, como a Refinaria Duque de Caxias (Reduc). Trata-se, contudo, de uma medida extrema, e somente utilizada em situações emergenciais. Duque de Caxias abriga uma das maiores plantas petroquímicas do país, o que certamente aumenta a poluição local, mas o fluxo de veículos também é responsável por uma grande parcela desta, motivo pelo qual também se estuda uma parceria com o Detran para vistoriar os veículos automotores e sua emissão de gases.
Contudo, o rodízio das atividades não é a única solução, há outras formas de se proteger da emissão de gases. Outra proposta do INEA é exatamente a compra de créditos de emissão de uma indústria por outra, e um acompanhamento das emissões através de um centro de controle, o que já é realizado. Ainda, como condicionante das licenças de operação é exigido uma implementação de plano de melhoria da qualidade do ar.
A Petrobras, no entanto, diz que já “implantou medidas para redução das emissões de poluentes atmosféricos”, como o Programa de Detecção e Reparo de Vazamentos de Hidrocarbonetos, que contribui para reduzir a formação do ozônio.
A Resolução CONAMA 382/06 estabelece os limites máximos de emissão de poluentes atmosféricos provenientes de processos de refinarias de petróleo em seu anexo VI.
u Observatório Eco: O TAC do Diesel é objeto de litígio perante o TRF-3, qual a sua avaliação dessa questão?
Maria Alice Doria: Conforme a Resolução CONAMA 315/02, a partir 01/01/09 passaria a ser obrigatória a utilização do diesel S50 – com 50 ppm de enxofre – em todos os veículos diesel de todo o País. Contudo, foi assinado Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público Federal, o governo de São Paulo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Petrobras e empresas fabricantes de veículos que estende o período para adequação à norma até 2011.
Ao governo, representado pelo Ibama, caberá apresentar proposta de resolução com pedido de urgência ao Conama para disciplinar uma nova etapa para limites de emissão de poluentes por veículos leves comerciais movidos a diesel.
Apesar de se tratar de um passo atrás, na medida em que os limites previamente estabelecidos são reajustados de forma mais permissiva, o TAC pode ser uma forma produtiva de passar a gerar o cumprimento das normas pelos que o assinaram, visto que até então nenhuma medida havia sido adotada para diminuir o teor de enxofre no diesel.
A assinatura de TAC contrário às normas ambientais existentes gera um precedente perigoso, iniciando a discussão acerca dos limites para a sua negociação, e da sua abrangência, visto que o mesmo tem efeitos nacionais apesar de ter sido acordado perante a justiça de São Paulo. A decisão do TRF da 3ª Região a respeito da validade desse TAC responderá, portanto, muitas das indagações que passaram a permear o Direito Ambiental a partir da assinatura do TAC do Diesel.
Tweets that mention Pré-sal e energia renovável, eis a questão « Observatório Eco -- Topsy.com, 15 anos atrás
[...] This post was mentioned on Twitter by Observatório Eco and Osório Nascimento. Osório Nascimento said: Reading: "Pré-sal e energia renovável, eis a questão – Observatório Eco" (http://twitthis.com/xw2rtd) [...]
Isaac Ruben Teitelbaum, 14 anos atrás
Bom dia Ze,olha o comentario juridico da mudança do teor de enxofre