O lento avanço da política pública de mudanças climáticas

em 4 March, 2012


Embora a academia científica divulgue estudos e alertas que demonstram os nefastos efeitos do aquecimento global no Planeta, de outro lado, as negociações internacionais e a regulamentação nacional sobre mudança do clima caminham a passos lentos. O aspecto positivo é que as empresas já incorporaram a variável carbono em seus planejamentos, tendo em vista terem entendido que a seriedade do problema não permitirá o retrocesso da decisão dos governantes de controlar esse aspecto das atividades econômicas. A “adoção de políticas corporativas para a redução de emissões de gases de efeito estufa é um caminho sem volta”, na avaliação da advogada ambientalista Daniela Stump, associada ao escritório Machado Meyer Sendacz e Opice.

Segundo a especialista, mesmo  nos países em que ainda não há a obrigação de redução de emissões de gases de efeito estufa, as companhias têm sido afetadas por decisões tomadas além das fronteiras. Um exemplo é a diretiva europeia que obriga as companhias aéreas que operam no território europeu a restringirem suas emissões.  

Contudo, Daniela Stump pondera que o setor privado brasileiro, de uma forma geral, ainda está na fase inicial do processo de entendimento de quais são os riscos e oportunidades de um cenário de baixa emissão de carbono.

Da mesma forma, passados mais de dois anos, da publicação da lei que trata da Política Nacional de Mudanças Climáticas no Brasil, “não houve vontade política para detalhar e cumprir as metas fixadas de reduções de emissões”, alerta a especialista. Em dezembro de 2011, o governo deveria ter divulgado os planos setoriais para redução de emissões em diversos setores industriais e de serviços, mas não o fez. O prazo para a publicação dos planos setoriais foi prorrogado para abril de 2012.

“Certamente, a elaboração de planos setoriais não é tarefa fácil, vez que deve levar em consideração as peculiaridades de cada setor econômico, ouvidos os representantes privados”, afirma a advogada. Daniela Stump é mestranda em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direito Administrativo pela GVlaw – Fundação Getulio Vargas.

Observatório Eco: Muitas empresas multinacionais já internalizaram os conceitos de redução de emissões, apesar do fraco interesse dos países por um acordo ou avanços na última COP. Assim, fica a dúvida, será que essas mesmas empresas podem deixar de lado o foco de redução de emissões em suas atividades, já que não existe pressão dos governos por essa mitigação?

Daniela Stump: A adoção de políticas corporativas para a redução de emissões de gases de efeito estufa é um caminho sem volta. Embora as negociações internacionais e a regulamentação nacional sobre mudança do clima caminhem a passos lentos, as empresas já incorporaram a variável carbono em seu planejamento, tendo em vista terem entendido que a seriedade do problema global não permitirá o retrocesso da decisão de nossos governantes de controlar esse aspecto das atividades econômicas.

Mesmo  nos países em que ainda não há a obrigação de reduzir emissões de gases de efeito estufa, as companhias têm sido afetadas por decisões tomadas além das fronteiras. Um exemplo disso é a diretiva europeia que obriga as companhias aéreas que operam no território europeu restrinjam suas emissões de gases de efeito estufa. Essa medida, inclusive, está sendo combatida pelo governo chinês, que entende ser contrária ao regime global de proteção ao clima – pela qual os países em desenvolvimento não possuem metas de redução de emissões.

Observatório Eco: No Brasil, de que forma as empresas estão caminhando na Agenda de Produção de Baixo Carbono, é uma iniciativa que ganha força, ou apenas as grandes empresas de matriz estrangeiras  aplicam medidas nesse sentido?  

Daniela Stump: O setor privado brasileiro, de uma forma geral, ainda está na fase inicial do processo: entender quais são os riscos e oportunidades de um cenário de baixa emissão de carbono.

O primeiro passo, para que as empresas compreendam qual o seu impacto ou benefício ao clima é a realização de inventário das emissões de gases de efeito estufa e dos processos que contribuem para evitar a emissão desses gases ou mesmo removê-los da atmosfera. No entanto, com exceção das grandes empresas, nem este primeiro passo ainda foi dado.  

Observatório Eco: No Brasil, várias legislações sobre mudanças climáticas editadas parecem perder o foco de aplicação. Corremos o risco de que a temática internacional sobre aquecimento global perca sua força de pressão e legislações nesse sentido sejam até esquecidas em relação a tantos outros problemas?

Daniela Stump: A conjuntura político-internacional influenciou a tomada de decisões do governo brasileiro e dos Estados para a adoção de políticas voltadas à mitigação da mudança do clima.

Na medida em que a agenda internacional volta-se a outros temas, como a crise europeia e conflitos políticos, o tema ambiental perde o foco. Daí a importância de realizarmos periódicas conferências internacionais ambientais, como a Rio +20 que está por vir, que reaquecem a opinião pública e trazem novamente ao centro da pauta internacional as medidas ambientais que devem ser adotadas com urgência pelos nossos governantes. 

Observatório Eco: O foco da Rio + 20 será a governança estatal e a economia, ou seja, o desenvolvimento sustentável será priorizado. Assim, o impacto das questões climáticas fica em segundo plano novamente?

Daniela Stump: Na área ambiental, é difícil compartimentar os temas prioritários. Para a adoção de medidas efetivas de redução de emissões e para a preparação da população para enfrentar os efeitos inevitáveis da mudança do clima, é necessário que exista previsão de recursos financeiros e uma estrutura de governança que possa supervisionar de onde saem e para onde vão tais recursos.

Portanto, esses assuntos devem ser discutidos sim, sem perder o foco de que são apenas meios para viabilização da proteção ambiental.

Observatório Eco: Dê exemplos de medidas de urgência em relação ao clima que os governantes relutam em aplicar?  

Daniela Stump: Metas claras de redução de emissões para curto, médio e longo prazo. Sem um objetivo claro de onde se quer chegar, todas as medidas parecem não levar a lugar algum.

Observatório Eco: Ainda no Brasil, a política nacional de mudanças climáticas praticamente não fez um avanço significativo para alcançar a própria meta fixada na norma de redução, qual a sua avaliação desse quadro?

Daniela Stump: A adoção da Política Nacional sobre Mudança do Clima, em dezembro de 2009, foi fruto da pressão sofrida pelo Brasil para adoção de ações mensuráveis de mitigação durante a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (“COP-15”), ocorrida em Copenhague, ao final de 2009.  

Contudo, passados mais de dois anos, não houve vontade política para detalhar e cumprir as metas fixadas de reduções de emissões – segundo a PNMC, o governo deveria ter enunciado, até 15 de dezembro de 2011, planos setoriais para redução de emissões em diversos setores industriais e de serviços, mas não o fez. Em 15 de dezembro de 2012, o Decreto 7.643 prorrogou o prazo para a publicação dos planos setoriais para 16 de abril de 2012.

Certamente, a elaboração de planos setoriais não é tarefa fácil, vez que deve levar em consideração as peculiaridades de cada setor econômico, ouvidos os representantes privados. A implementação de metas de redução de emissões implica impactos na economia nacional e envolve questões de competitividade internacional.

Observatório Eco: O Estado de São Paulo também tem a sua lei de política estadual de mudanças climáticas, mas quais as medidas efetivas do governo, qual a proposta dessa legislação estadual?

Daniela Stump: O Estado de São Paulo instituiu a Política Estadual de Mudanças Climáticas (“PEMC”) de São Paulo, por meio da Lei nº 13.798/2009, e a regulamentou por meio do Decreto nº 55.947/10. Essa política traz instrumentos interessantes para efetivar a mitigação das causas da mudança do clima no território paulista.

A lei autoriza que a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (“CETESB”) vincule ao licenciamento ambiental a adoção de medidas para a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Como forma de flexibilizar essa obrigação, dispõe que a compensação das emissões de gases de efeito estufa emitidas no Estado de São Paulo possam ser  realizadas por projetos e atividades realizadas fora dos limites do Estado de São Paulo, por meio de mecanismos de mercado.  Equivale a instituição de um Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (“MDL”) doméstico, que poderá viabilizar o investimento paulista em outras partes do Brasil – inclusive, para redução do desmatamento da floresta amazônica.

Observatório Eco: Quais os outros exemplos de mecanismos de mitigação que a lei adota? Quando o empresário tem que adotar essas soluções?

Daniela Stump: Os mecanismos propostos pela Política Estadual de Mudança do Clima de São Paulo ainda necessitam de regulamentação por parte do Conselho Estadual de Mudanças Climáticas. O Conselho foi instituído pela lei e tomou posse em outubro de 2010.

Observatório Eco: Esse Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (“MDL”) para fora de São Paulo já foi utilizado por alguma empresa? De que forma a assessoria jurídica atua nesses casos?

Daniela Stump: Esse mecanismo, embora previsto na lei, ainda não está em funcionamento, por falta de regulamentação do Conselho Estadual de Mudanças Climáticas e da CETESB.

Observatório Eco: No mesmo caminho, a cidade de São Paulo também tem a sua legislação municipal, mas que na prática pouco se conhece dessa lei. Ela efetivamente impacta de alguma forma a vida da cidade, das empresas?

Daniela Stump: As políticas municipais são importantes desde que abordem temas locais, que não estejam atrelados à competência estadual e federal, como, por exemplo, a instituição de parques municipais que auxiliem no equilíbrio do microclima ou o estabelecimento de incentivos municipais para práticas sustentáveis nas residências, como adoção de painéis solares e redução de consumo de energia derivada de fontes fósseis.

Observatório Eco: O Rio de Janeiro criou um mecanismo de Bolsa Verde, venda de créditos de carbono, incentivos ao MDL, qual a sua opinião sobre essas iniciativas?

Daniela Stump: Acredito que essas iniciativas estejam em linha com as diretrizes da Política Nacional de Mudança do Clima, que prevê a adoção de mecanismos de mercado para equacionamento do problema global (como, por exemplo, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (“MBRE”).

Entretanto, não devemos nos esquecer que o sucesso na operação de mecanismos de mercado para a proteção ambiental depende da estruturação de órgãos reguladores preparados para estabelecer os sinais adequados para que o mercado se desenvolva. A ausência de aparato institucional consistente, regido por legislação de claros contornos, gera insegurança jurídica aos agentes privados e afasta potenciais investidores.

Observatório Eco: Ou seja, a adoção da medida fluminense teria pouco efeito prático?

Daniela Stump: O que quero dizer é que, em muitos casos, os Estados criam mecanismos de mercado com a ideia equivocada de que o setor privado por si só irá se organizar para criar instituições, definir metas por tipo de atividade, estabelecer auto-regulamentação, distribuir direitos de emissões, elaborar produtos financeiros lastreados nestes direitos, difundir as informações necessárias para o setor privado decidir se reduz emissões em seus processos ou adquire cotas de redução, etc.   

O funcionamento ótimo de mecanismos de mercados para proteção ambiental depende do aparato estatal tanto quanto mecanismos de comando e controle, ou seja, quando o Poder Público estabelece um padrão legal de emissões e fiscaliza o cumprimento por todas as atividades emissoras.

A vantagem do instrumento de mercado com relação ao instrumento de comando e controle é deixar ao privado a opção de reduzir as emissões em sua atividade ou adquirir reduções realizadas por outras empresas – dessa forma, atinge-se o objetivo da proteção ambiental de forma mais eficiente do ponto de vista econômico.  

Observatório Eco: Outros Estados e cidades também estão adotando políticas de mudanças climáticas, você teria algum exemplo, interessante adotado por outro Estado ou cidade?

Daniela Stump: O Estado da Califórnia (EUA) estabeleceu metas de redução compulsórias e instituiu mecanismo de mercado para aquisição de quotas de redução. É similar ao mercado europeu, em escala estadual. No Brasil, ainda não temos nada parecido.




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