Chevron e os reflexos jurídicos do dano ambiental
Roseli Ribeiro em 29 January, 2012
Tuite
Novembro de 2011 ficou marcado pelo acidente envolvendo a multinacional petroleira Chevron, no Brasil. Uma falha de perfuração na plataforma de exploração SEDCO 706 no Campo de Frade, na Bacia de Campos, litoral do Rio de Janeiro, provocou o vazamento estimado de 3 mil barris de petróleo, o que determinou a cimentação do poço.
Em decorrência do acidente, a empresa foi autuada pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), com base da Lei do Óleo, lei 9.666/2000.
O Ministério Público Federal ajuizou uma ação civil pública contra a Chevron e também a empresa Transocean, que operava o poço. Distribuída ao Juízo Federal da comarca de Campos, o mesmo declinou da competência para julgar a demanda, determinando a redistribuição do processo a uma das varas federais da cidade do Rio de Janeiro. O MPF interpôs recurso ao TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região.
A Chevron também foi por três vezes autuada pela ANP (Agência Nacional de Petróleo). Responde a um processo criminal, em fase inicial, promovido pelo MPF, e aguarda a outra ação que será proposta pelo governo fluminense.
Mas a Chevron, através de mandado de segurança, que tramita pela 28ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, também se defende e tenta anular a multa aplicada pelo IBAMA.
Para compreender no âmbito jurídico os reflexos deste grave dano ambiental, notadamente, porque o Brasil quer impulsionar a exploração de petróleo na camada do pré-sal, o Observatório Eco entrevista com exclusividade, Rafael Zinato Moreira, advogado do escritório Almeida Advogados.
Segundo o especialista, um desastre ambiental da dimensão do caso Chevron tende a gerar relevantes repercussões. “Os órgãos ambientais podem punir violação de regras diferentes, ainda que oriundas do mesmo evento”, afirma. Rafael Zinato Moreira é formado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC/MG) e cursa a pós-graduação em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Observatório Eco: Recentemente, a imprensa divulgou que o fato do laudo ser com data posterior ao auto de infração e multa de R$ 50 milhões aplicado pelo Ibama à Chevron é prejudicial. Afinal, qual a forma correta de aplicação de multas em casos semelhantes ao acidente do Campo do Frade?
Rafael Zinato Moreira: Há uma seqüência lógica dentro do processo administrativo de apuração de danos ambientais. Noticiado o acidente, é o laudo técnico que irá identificar, delimitar e quantificar o dano causado pela infração.
Na medida em que a constatação do laudo é pela existência de infração e ocorrência do dano ambiental, será então lavrado o “Auto de Infração” em desfavor da empresa.
Dentre as penalidades possíveis quando da lavratura do Auto de Infração está a multa, cujo valor será arbitrado com base na análise técnica e discricionária dos agentes responsáveis, resguardado o direito de ampla defesa e contraditório da empresa autuada, ou empresas autuadas.
No caso Chevron, caso o Auto de Infração tenha sido lavrado, de fato, antes da emissão do laudo técnico, certamente haverá questionamentos quanto à sua validade e quanto à aplicação da multa.
Observatório Eco: Qual a implicação e diferença de multas aplicadas pelo IBAMA com base na lei de Óleo e a lei de Crimes Ambientais?
Rafael Zinato Moreira: A diferença maior está na especificidade das normas. A lei de Óleo foi promulgada a partir das convenções internacionais, ratificadas pelo Brasil e têm o objetivo de prevenir prejuízos maiores, mormente no que tange à “invasão” de óleo derramado a águas internacionais e outras conseqüências comumente vistas em desastres ambientais relacionados ao derramamento de óleo.
Já a lei de Crimes Ambientais tem aplicação mais ampla, atingindo diversos tipos de impactos ambientais. Em linhas gerais, a multa visa coibir condutas negligentes e imperitas ou mesmo o dano provocado de forma consciente ou de risco previsto. É importante ainda dizer que a lei de Crimes Ambientais também regulamenta as penalidades administrativas, ou seja, aquelas que devem ser aplicadas em caso de inobservância de normas ambientais.
Observatório Eco: Em relação à multa aplicada à Chevron pelo IBAMA no valor de R$ 50 milhões, a multa teve por respaldo os artigos 22 e 25 da lei de Óleo. Portanto, haveria necessidade de um laudo prévio?
Rafael Zinato Moreira: Com base no artigo 50 do decreto 4.136/2002, que regulamenta a lei do Óleo, a aplicação de multa depende obrigatoriamente da elaboração de laudo técnico ambiental prévio, pelo órgão ambiental competente, para identificação da dimensão do dano envolvido e as conseqüências advindas da infração. Portanto, haveria necessidade de um laudo prévio.
Observatório Eco: Na ausência dessa exigência do laudo prévio, a multa foi aplicada corretamente, afastando-se qualquer nulidade a princípio?
Rafael Zinato Moreira: Não. Nos termos da legislação, a multa deveria ter sido aplicada após a autuação e elaboração do laudo técnico ambiental.
Observatório Eco: O laudo prévio é exigido apenas nos casos de infração e aplicação de multa feita com apoio na lei de Crimes Ambientais, seria exatamente assim?
Rafael Zinato Moreira: Tanto a lei de Crimes Ambientais como a lei do Óleo condicionam a aplicação de multa à existência de laudos técnicos ambientais prévios, conforme procedimento regulamentado no parágrafo único do artigo 61 do decreto 6.514/2008, que regulamenta a lei de Crimes Ambientais, e no artigo 50 do decreto 4.136/2002 que regulamenta a lei do Óleo.
Observatório Eco: Existe também uma dúvida no tocante ao limite de penalizações, que acidentes com a exploração de petróleo podem gerar, tanto União, como o Estado do rio de Janeiro, a ANP (Agência Nacional de Petróleo) podem aplicar multas em situações semelhantes?
Rafael Zinato Moreira: A multa eventualmente aplicada pela ANP é autônoma, assim como as dos demais órgãos da União (IBAMA) e dos Estados (INEA, no Rio de Janeiro). Isso porque a ANP, entidade reguladora de Petróleo, Gás e Biocombustíveis possui competência para aplicar sanções administrativas no que tange à violação das obrigações relativas aos contratos de exploração de petróleo, gás e biocombustíveis, e à Lei 9.478/97.
Os órgãos ambientais, por sua vez, possuem competência para a aplicação de sanções administrativas consequentes de infrações ao meio ambiente em geral, aquelas da Lei 9.605/98. Assim, ANP e órgãos ambientais podem punir violação de regras diferentes, ainda que oriundas do mesmo evento.
Observatório Eco: Sobre a exploração da camada de pré-sal e a lei que rege o tema, há normas especificas de proteção e penalização em caso de acidentes?
Rafael Zinato Moreira: Não há normas específicas de proteção e penalização para a exploração da camada do pré-sal, mas haverá uma nova entidade fiscalizadora. A atividade de exploração de petróleo da camada do Pré-sal de que trata a Lei 12.351, de 22 de dezembro de 2010, também será fiscalizada de acordo com as normas de proteção e penalização para a poluição gerada pelo derramamento de óleo nos termos das Leis 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) e 9.666/00.
Porém, a Lei 12.351 prevê a criação de uma empresa pública para a execução de parte do objeto (a Petro-sal), a quem competirá, de forma concorrente, a fiscalização da atividade e a definição dos procedimentos de penalização das empresas responsáveis pela poluição por derramamento de óleo no oceano ou em águas interiores (nomenclatura usada pela Lei 9.666/00).
Observatório Eco: O princípio da precaução pode ser usado como respaldo para penalizações pelo Judiciário nesse tipo de acidente ainda que ocorram falhas formais de condução de procedimentos administrativos?
Rafael Zinato Moreira: O Princípio da Precaução é um Princípio Geral de Direito Ambiental, adotado por vários países que fazem parte da matriz de Direito Ocidental, pautando-se na máxima da proteção ao ser humano e conservação ao meio ambiente (in dúbio pro salute).
Porém, no Brasil a competência para aplicação destas penalizações não é do judiciário, é do poder Executivo através dos seus diversos órgãos. Assim, o Princípio da Precaução foi recepcionado pelo nosso ordenamento jurídico, e sua inobservância pode ser fundamento bastante para embasar uma penalização, mas deve vir do Poder Executivo e não do Poder Judiciário.
O Poder Judiciário, contudo, pode vir a ser chamado para rever falhas no processo de aplicação de penalidades e caso seja constatada alguma falha formal na condução do processo administrativo que resulte em nulidade, a multa poderá ser declarada nula.
Observatório Eco: Judicialmente, várias instituições tratam separadamente de processos sobre o caso Chevron, o MPF, a Defensoria Pública, a Procuradoria Estadual do Rio de Janeiro, e outros. Isso não pode acarretar a exaustão de uma empresa e até o desinteresse de outras empresas petrolíferas de atuarem no país, pois a exploração de petróleo é uma atividade de alto risco? Como é possível ao advogado ambiental gerenciar esse tipo de situação?
Rafael Zinato Moreira: Um desastre ambiental da dimensão do caso Chevron tende a gerar relevantes repercussões. Como nosso sistema jurídico atribui a diferentes entidades que trabalham no assunto buscam objetivos distintos: aplicação de penalidades pelo descumprimento de normas ambientais, descumprimento da legislação específica do petróleo, recomposição dos danos casos e mesmo a responsabilidade criminal dos infratores.
Por esse motivo, as empresas se vêm forçadas a tratar com diferentes autoridades e o advogado ambiental deve estar apto a analisar os mesmos eventos sobre diferentes prismas: regulatório, ambiental e até mesmo criminal, especialmente de modo preventivo acompanhando os processos de licenciamento e cumprimento das diversas normas.
A prática tem mostrado que de fato a exploração de petróleo é uma atividade de alto risco, não apenas no Brasil. Porém o grande potencial econômico da exploração do petróleo ainda tem justificado os riscos, portanto não são as conseqüências de um desastre que desestimulam novas empresas, e sim a burocracia, a fragilidade das ações de fiscalização, em contraponto ao rigor da legislação ambiental, o que, cada vez mais onera a iniciativa privada na viabilização e a operacionalização de projetos relativos à Petróleo e Gás no Brasil.
Amanda Dobbin Rattes, 12 anos atrás
Gostaria de ressaltar que a punição na seara administrativa não irá depender a comprovação de dano efetivo, esta sanção, resulta do descumprimento da norma pelo particular. Portanto, a avaliação do dano, será considerada para efeito de valoração do quantum da multa a ser atribuída ao infrator, não sendo relacionada a existência da infração ou não.
Assim, o problema em questão, não é a lavratura do auto de infração pelo IBAMA, mas sim a valoração imediata da multa administrativa pelo órgão, sem que ela aguarde as conclusões do LTA. Se o AI fosse lavrado e a multa fosse valorada após a ciência do LTA pela Chevron, abrindo-se prazo para empresa se manifestar aceca do laudo, não haveria nenhuma irregularidade.