Petróleo, riscos, restrições ambientais e Abrolhos

em 10 July, 2011


O escritório de advocacia Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados, com sede no Rio de Janeiro, internacionalmente reconhecido por sua atuação em Meio Ambiente, Gás & Petróleo, Seguros e Infraestrutura acaba de abrir sua unidade em São Paulo. Para tratar do tema ambiental e a exploração de petróleo, o Observatório Eco entrevista com exclusividade a sócia fundadora da banca, Maria Alice Doria e o advogado Lucian Moreira, que atua na matriz do escritório.

Maria Alice Doria foi listada no ranking Leading Lawyer 100 da Lawyer Monthly, como uma das advogadas líderes pelo desempenho profissional e excelência de seu trabalho no ano de 2010, formada pela Faculdade de Direito Cândido Mendes, é Auditora Ambiental pela Arthur D. Little Center for Environmental Assurance, Boston, e pós-graduada na Fundação Getúlio Vargas.

Para a especialista, a exploração de petróleo offshore (perfuração no mar) deve buscar o equilíbrio entre as restrições ambientais e os riscos inerentes à atividade. Ela pondera que não se trata simplesmente de inviabilizar a exploração de petróleo em toda a costa brasileira, “mas sim em algumas regiões mais vulneráveis”, como por exemplo, em Abrolhos (BA), local rico em biodiversidade, as restrições devem ser mais consideradas, destaca Maria Alice Doria.  

Sobre a questão de exploração de petróleo em Abrolhos existe na Justiça uma ação judicial proposta pelo Ministério Público que questiona a viabilidade da atividade petrolífera na área. Lucian Moreira, formado em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que atua nas áreas de Direito Ambiental e Energia do escritório, ressalta que na Justiça há uma medida judicial favorável à ANP (Agência Nacional de Petróleo), porém, “é uma via excepcional de revisão temporária do ato judicial”, sendo que não há ainda uma decisão definitiva para a questão.

Nesta entrevista exclusiva com Maria Alice Doria e Lucian Moreira, o Observatório Eco também aborda temas significativos como a repercussão do acidente do Golfo do México, a divisão de competências na atividade de licenciamento ambiental e as exigências ambientais na atividade petrolífera.  

Observatório Eco: A tendência de maior rigor no âmbito ambiental na exploração de petróleo, após o desastre no Golfo do México, também ocorre em outros países? Ou o Brasil está na vanguarda desta preocupação?

Maria Alice Doria: O desastre ocorrido no Golfo do México serviu de alerta para os países mais vulneráveis a esse tipo de acidente, sabidamente aqueles que contam com exploração de petróleo em suas regiões costeiras. Nesse grupo de nações está inserido o Brasil, cuja exploração em águas profundas é conhecida de longa data pelos brasileiros e principalmente pela Petrobras.

A reação natural de diversos países ao acidente envolvendo a plataforma Deepwater Horizon foi revisar os critérios e posturas ambientais adotados na regulamentação dessas atividades. O Reino Unido deu início à reforma de critérios e aumento do rigor ambiental para exploração de petróleo, enquanto a Noruega chegou a proibir que novos exploradores se estabelecessem offshore (perfuração no mar), de modo a evitarem a experiência de um acidente desta magnitude em seus litorais.

Os Estados Unidos, país que mais sofreu com as conseqüências do desastre, adotou imediatamente uma postura mais cautelosa na fiscalização da exploração de petróleo, e estuda elevar também os níveis de exigência aos exploradores que atuam em águas profundas.

No entanto, note que a preocupação desse país é eminentemente de natureza financeira, na medida em que estudos sugerem que a equiparação das exigências para exploração de petróleo em águas profundas nos EUA às adotadas pelo Brasil e outros países com regulação específica no setor (tais como Canadá, Noruega e Reino Unido), poderia elevar os gastos da exploração em até 20%, mas com impactos pequenos no preço do barril de petróleo em escala global.

Abrolhos

Observatório Eco: Na medida em que a preocupação com os riscos ambientais evolui, em áreas naturais mais sensíveis, os critérios para a proibição dessa exploração consideram o principio da precaução? A justiça brasileira acolheu a exploração de petróleo em Abrolhos (BA), fato que deixa apreensivos os ambientalistas. Como a senhora avalia esse quadro?

Maria Alice Doria: O princípio da precaução se volta à incerteza científica do risco ambiental e não se contrapõe ao desenvolvimento econômico, embora seja exigida maior cautela na utilização dos recursos naturais.

Em se tratando de áreas consideradas de importância crítica para a preservação do ambiente equilibrado e da biodiversidade, o princípio da precaução agirá de modo a preservar estas características essenciais, o que pode implicar na restrição ao exercício de determinadas atividades, a ser definido no Plano de Manejo da unidade de conservação.

No caso de Abrolhos, temos uma região riquíssima em biodiversidade, e cuja proteção se faz através de um Parque Nacional com 90,3 mil hectares. A preocupação dos ambientalistas, nesse caso, se traduz nas conseqüências de um derramamento de óleo na região, que poderia acarretar na perda da biodiversidade local.

Nesse sentido, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública objetivando a exclusão de qualquer atividade de exploração e produção de hidrocarbonetos na região do banco de Abrolhos e Royal Charlotte e adjacências. A sentença proferida pela Justiça Federal, Comarca de Eunápolis/BA, fixou a zona de amortecimento do Parque Nacional em um raio de 50Km (distinta daquela adotada pelo Ibama e pelo ICMBio) e proibiu que a ANP ofertasse os blocos exploratórios que estivessem em um raio de 50 km em torno do Parque Nacional.

Lucian Moreira: Posteriormente, a ANP entrou com o pedido de suspensão de execução da sentença (0079236-84.2010.4.01.0000/BA), que foi acatado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em sua decisão, o Desembargador Federal entendeu que a decisão proferida em primeira instância acarretaria grave lesão à ordem e à economia pública, vez que já haviam sido licitados blocos exploratórios na região.

Além disso, segundo ele, a decisão do Juiz Federal de Eunápolis também interferiu em prerrogativas da administração pública, invadindo a esfera de discricionariedade da administração, uma vez que se sobrepôs às diretrizes do IBAMA e do ICMBio quanto à zona de amortecimento.

Mas, é preciso ressaltar que o pedido de Suspensão de Execução de Sentença, no qual logrou êxito a ANP, é uma via excepcional de revisão temporária do ato judicial, e que a matéria referente ao processo principal será tratada nas vias recursais ordinárias, não havendo ainda decisão definitiva quanto ao caso.

Maria Alice Doria: Ou seja, é preciso atentar para a ponderação entre as restrições ambientais e os riscos inerentes ao caso, principalmente porque não se trata simplesmente de inviabilizar a exploração de petróleo em toda a costa brasileira, mas sim em algumas regiões mais vulneráveis.

Para tanto, incumbe ao órgão ambiental, por atribuição legal, atestar ou não sobre a viabilidade da atividade em regiões próximas ao Parque Nacional de Abrolhos quando da avaliação do pedido de licenciamento, e dizer quais as medidas ambientais deverão ser empregadas para que seu exercício não represente perigo à biodiversidade do local. Além disso, caso as atividades sejam realizadas na zona de amortecimento do Parque, a atividade deverá contar ainda com a anuência do órgão gestor da unidade de conservação.

Competência ambiental e licenciamento  

Observatório Eco: As novas exigências para um licenciamento ambiental mais detalhista serão aplicadas nos projetos de exploração de petróleo em andamento?

Maria Alice Doria: A edição de novas normas e novos regulamentos aplica-se de imediato nos processos de licenciamento em curso, salvo se disposto de forma diversa, e deve respeitar os atos concluídos. Note, por exemplo, que as alterações no novo modelo do contrato de concessão já incidirão para a próxima rodada de licitações da ANP.

Quanto às licenças já emitidas, é preciso lembrar que a edição de novos parâmetros e exigências para o licenciamento ambiental deverão ser observados quando da sua renovação, oportunidade na qual o órgão ambiental reavaliará a viabilidade ambiental do empreendimento, bem como das medidas mitigadoras e compensatórias implementadas.

Lucian Moreira: Recentemente, foi emitida a Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA nº 01/2011, que aprova novas diretrizes para apresentação, implementação e para elaboração de relatórios, nos processos de licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de exploração e produção de petróleo e gás.

Fora esta, não houve alterações significativas na regulamentação do procedimento de licenciamento ambiental nos últimos 12 meses.

Observatório Eco: O governo deveria criar um órgão único, para cuidar diretamente da concessão destas licenças ambientais, que tivesse então uma atuação unificada no âmbito federal, estadual e municipal de forma a proporcionar maior segurança aos concessionários e ao próprio meio ambiente?

Maria Alice Doria: A repartição de competências em matéria de licenciamento ambiental é uma importante ferramenta para viabilizar o exercício do poder de polícia pela Administração Pública.

Esta divisão leva em consideração, principalmente, a abrangência dos impactos provocados por uma determinada atividade ou empreendimento. Trata-se de um processo salutar, voltado à distribuição do poder de polícia administrativa entre os entes federados, utilizando-se de critérios objetivos, que trazem maior segurança jurídica para o empreendedor.

Inclusive, os órgãos da esfera estadual também são amplamente capacitados para realizar o licenciamento das atividades a eles atribuídas, enquanto se verifica um movimento intenso de descentralização do licenciamento, com atribuição da competência também aos órgãos municipais, que começam a se preparar com o grupo técnico necessário para licenciar. Alguns deles, notadamente nas capitais, já funcionam com sua capacidade plena.

Obviamente, para que licenciem, os órgãos estaduais e municipais devem estar dentro da sua esfera de competência, prevista principalmente pela Resolução Conama nº 237/97. Estes órgãos têm conhecimento mais amplo das peculiaridades locais, representada pelos aspectos sociais, econômicos e ambientais, essenciais para o licenciamento, e potencializados quando se trata de atividades da indústria do petróleo. Tanto é que a ANP se volta ao esclarecimento máximo acerca destas peculiaridades, por meio das guias ambientais.

Lucian Moreira: Em relação à exploração de petróleo em águas profundas, não se pode esquecer que o Ibama é o único órgão competente para o licenciamento ambiental desta atividade, vez que desenvolvida na plataforma continental, conforme estabelece a Resolução Conama nº 237/97.

Maria Alice Doria: Naquela ocasião, o Conama preferiu atribuir esta competência ao órgão federal, considerando não só o fato de que são áreas de interesse estratégico da Federação, mas também que, em razão das peculiaridades do local, os impactos de atividades nele realizadas podem atingir proporções regionais. Nesse sentido, o Ibama centralizou a equipe especializada em licenciar tais atividades em seu escritório do Rio de Janeiro, dada a proximidade aos maiores centros de exploração de petróleo offshore.

Por fim, considerando o cenário brasileiro ímpar de crescimento das frentes de exploração tanto onshore (perfuração em terra), quanto offshore, a centralização do licenciamento ambiental dos empreendimentos de todo o país em um órgão único poderia ter sua legitimidade questionada, ante a competência concorrente, constitucionalmente prevista, dos entes da Federação na proteção do meio ambiente.

Observatório Eco: Em caso de um desastre ambiental, de que forma o explorador responde pelos danos provocados? O Brasil tem tecnologia para lidar com a recuperação do meio ambiente atingido?

Lucian Moreira: A responsabilidade civil na reparação por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa por parte do empreendedor. Esta responsabilidade é estabelecida pelo § 1º do artigo 14 da Lei nº 6.938/81, segundo o qual o empreendedor é responsável por indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. A esse respeito, destaca-se que a indenização só se dará nos casos em que a reparação do ambiente não for possível.

Independentemente da reparação civil, opera também a responsabilidade administrativa, baseada no Decreto nº 6.514/00, na Lei nº 9.966/00 e seu regulamento (Decreto nº 4.136/02), além do disposto nas Normas da Autoridade Marítima.

Criminalmente, a Lei nº 9.605/98 prevê em seu artigo 54 que os causadores de poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, estão sujeitos à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa. Segundo o § 2º do artigo 54, esta pena poderá ser agravada, podendo ser de um a cinco anos de reclusão, se a poluição ocorrer por lançamento de óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.

Ainda, destaca-se que o ordenamento jurídico brasileiro consagra a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica para reparação do dano ambiental, conforme o artigo 4º da Lei nº 9.605/98, que, para ser aplicada, deverá contar com outros requisitos construídos pela jurisprudência.

Maria Alice Doria: Quanto à adequação tecnológica do país para lidar com este tipo de acidente, destaca-se que, apesar dos investimentos realizados nos últimos anos, não há dados técnicos suficientes.




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